A pressão popular que fervilha no Brasil levou a Câmara dos
Deputados a aprovar, nas últimas horas da sessão de terça-feira, 3, o voto aberto em todas as votações dos poderes
legislativos: Senado, Câmara Federal, Assembleia Distrital, assembléias legislativas
e câmaras de vereadores. Já era tempo. O
eleitor tem direito de saber a posição dos parlamentares em todos os
procedimentos no exercício do mandato.
O espírito dessa decisão abrange naturalmente
as escandalosas sessões secretas, muito comuns nas câmaras municipais, aonde os
vereadores vão ao plenário com decisões acordadas fora dos olhos do público que
tenta acompanhar as posições de seus “representantes”, sobretudo nas questões
polêmicas. O caciquismo nos municípios
impõe unanimidades que ferem o principio da representatividade e da
proporcionalidade. É muito comum vereadores terem parentes ou amigos como
funcionários públicos, que ficam sujeitos a perseguições se o edil der um voto
contrário ao interesse dos chefes das máquinas administrativas. Em outras
ocasiões, há também a troca de vantagens, ou o voto simplesmente comprado nos
bastidores da corrupção.
Mas é preciso cuidado com essa classe
política. A votação da Câmara, que corresponde a uma dentre muitas razões dos
clamores das ruas, depende de tramitação no Senado. Na quarta-feira, 11, a Comissão de
Constituição e Justiça daquela casa “deve votar a proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que estabelece o voto aberto no Congresso”, conforme notícia
de hoje da Agência Brasil. O relator
Sérgio Souza(PMDB-PR) “disse que vai defender o voto aberto em todas as
situações. Mas ele admite que, como não há consenso sobre o tema, a saída pode
ser limitar o voto aberto a casos de cassação”. Se ele disse isto, o espírito de corpo da
Câmara Alta já se manifestou assim. Isto
é um verdadeiro “espírito de porco”. Se
ficar restrito apenas aos casos de cassação de mandato, praticamente anula a
essência do voto aberto. O voto secreto
tem que ser uma prerrogativa do eleitor.
Os seus representantes, pelo contrário, têm que sempre votar de maneira
clara, transparente, com posição aberta a toda a sociedade. Se ele representa, em tese, uma parcela de
eleitores, ou determinado partido, fundamentalmente está agindo sobre os
interesses e necessidades de todos, dos quais recebe seus proventos derivados
dos impostos de cada um.
Há que se lembrar: por causa dessas
manobras e casuísmos o povo vem ocupando as ruas com a cara dos jovens. Cada manifestante representa no mínimo cinco
pessoas que por razões diversas não podem ou não devem se expor. Eles, na verdade, representam mais do que os
parlamentares. Estão nas manifestações
independentes de financiadores. Suas
posições decorrem da insatisfação de pais, irmãos, avós e amigos que sofrem as
agruras do abuso de poder. E representam
o desejo de situação melhor e mais justa para as novas gerações.
Somente em Brasília há expectativa de
mais de 50 mil manifestantes neste Sete de Setembro. Todas as capitais e
cidades onde a população desfruta de relativa liberdade, a tendência é a
mesma. E essa liberdade é relativa mesmo.
A repressão dos vândalos que ocupam o poder está de prontidão para criar
pretextos e até forjar situações para usarem a violência contra os
manifestantes. A escola da Ditadura
Militar deixou discípulos com sede de sangue e ânsia de vampiros especializados
em tortura.
As sessões de todos os poderes
legislativos deveriam ser transmitidas ao vivo pela televisão, por rádio, e sob
os olhos de toda a imprensa escrita e virtual.
Serviria para a politização de todos os segmentos sociais e vigilância
de quem não possa presenciar a movimentação dos plenários.
Enquanto houver voto ou sessão secreta,
a democracia será uma farsa de imagem sagrada conduzida por metafóricos fariseus;
ou hipócritas sem metáfora.
Dá para perceber que a desgastada
classe política ainda tenta iludir o povo descontente, com aparentes medidas moralizantes. Tentam dar com uma mão e tirar com a outra. Fazem uma jogada para a platéia e outra para a
bilheteria, ou para os cartolas da política, principalmente os financiadores de
campanha.
Diante de tudo o que vem acontecendo, é
preciso o olhar vigilante e desconfiado da população cansada dos jogos de cena.
O povo luta e se posiciona por
resultados que venham a se refletir na mesa do trabalhador, na sua morada, na
educação, no seu direito de escolha e no poder compra, com o semblante altivo e
a auto-estima elevada.
Como sempre, no município tudo tem
maior clareza. O teatro político é
apenas um pequeno foco de toda a ribalta dessa ópera gigantesca do cenário
nacional.
Se o Senado mudar a essência do voto
aberto, o clamor das ruas poderá se transformar em estrondo. Não porque esteja
aí a solução das questões sociais do país. Mas por causa do abuso continuado
dos legisladores que pensam estar o povo cochilando com o afago de uma notícia
mais amena.
Pelo contrário, a cada notícia de um
ato melhor praticado por esses atores, ocorre paralelamente a desconfiança
popular. É o dito: “cão mordido por
cobra, tem medo até de linguiça”. Dessa
alcatéia não se pode esperar surgir cordeiro de uma hora para outra.
A desconfiança é o estado de espírito
reinante no momento. A punição dos
mensaleiros pelo Supremo Tribunal Federal faz o povo pensar: até aonde vai
isto?. Há diminuições de penas que caem
na modalidade de ”penas alternativas”. As
formações de quadrilha, os peculatos, os prejuízos aos cofres públicos
despertam no povo a curiosidade de saber se haverá reparação, ressarcimento. Todos se lembram do caso Juvenil Alves, um
dos expoentes do Mensalão. Não há
notícia se o que ele recebeu indevidamente como Deputado foi devolvido aos
cofres públicos, nem se os seus atos praticados como “deputado cassado” foram
anulados.
Com a lentidão da justiça, a presunção
da inocência, os recursos das liminares, quando se chega à situação do crime
transitado em julgado com condenação do réu, se não houver reparação, o crime
compensa, mesmo se premeditado para jogar com os recursos judiciais.
Estas reflexões vêm a propósito de
tanta coisa que tem de ser modificada na abrangente Reforma Política, para
sonharmos com a abertura de uma porta onde o sonho de justiça ache passagem.
(Franklin Netto –
viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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