A Estrada de Ferro Leopoldina, criada
no Século XIX para atender interesse de fazendeiros e comerciantes de café na
Zona da Mata Mineira, para substituir os tropeiros na troca de matéria prima
por produtos manufaturados, cobria limitado trecho em torno do que são hoje as
cidades de Leopoldina, Cataguases e Além Paraíba. A sua operação, financiada
por instituições inglesas, fez com que a estrada caísse no domínio dos credores
por ocasião de crises, principalmente na cultura do café, por volta de 1898,
quando já havia estendido suas linhas por abrangência nacional.
Em 1881, Dom Pedro II esteve em
Visconde do Rio Branco(então Presídio), para inauguração da Estrada de Ferro e
as estações que se encontram neste município e no atual São Geraldo, antes pertencente à
mesma Paróquia do Presídio.
A ferrovia, depois de passar para o
domínio dos ingleses ficou com o nome de Estrada de Ferro Leopolidna Leopoldina
Railway, administrada
pela The Leopoldina Railway Company
Ltd.,
até meados do Século XX. Após a Segunda
Guerra Mundial, o governo brasileiro nacionalizou a Companhia que passou a ser
simplesmente Estrada de Ferro Leopoldina.
Desde os fins do Império, suas linhas já ultrapassavam a Serra
de São Geraldo, chegavam até Ponte Nova e mais tarde Caratinga.
Visconde do Rio Branco e São Geraldo, desde a inauguração da
Estrada de Ferro, tiveram crescimento e desenvolvimento considerável devido à facilidade de
transporte de passageiros e mercadorias ao longo da Zona da Mata até o Rio de
Janeiro, cujo terminal tinha o nome de Estação de Barão de Mauá. Havia linhas Rio de Janeiro/Ponte Ponte Nova, Caratinga/Carangola e Ubá/Caratinga.
Esta ligação com a então capital da república, - Rio –
Distrito Federal – influenciou muito na cultura mineira de sua trajetória, que
não tinha outro meio de locomoção a não ser o trem, em tempos que as rodovias
eram de terra batida, de péssimas condições de trafegabilidade devido aos
buracos na estiagem e à lama em tempo chuvoso.
Os jornais vinham de trem do Rio de Janeiro. E a Rádio Nacional fazia cobertura de
entretenimento com musicais e novelas. A capital de Minas, Belo Horizonte,
parecia um lugar distante e pouco conhecido, embora tivesse a mesma distância
que o Rio.
Notava-se que o povo desta região recebia forte influência
direta da Cidade Maravilhosa na música, no sotaque, no futebol. Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo
entravam na intimidade do torcedor local, com muito mais facilidade do que
Atlético ou Cruzeiro. As músicas e os artistas cariocas eram cantados e
imitados com idolatria, principalmente as do cenário urbano. De longe, as rádios de São Paulo chegavam com
o estilo sertanejo. As transmissões em
ondas curtas traziam som limpo e ganhavam a audiência das raras emissoras do
interior que vinham surgindo em potência inferior a 1KW(1.000 W).
Dessa integração, aconteceram as migrações humanas, quanto
tanta gente saía de Visconde do Rio Branco e de cidades vizinhas, das zonas
urbanas e rurais, para tentar a vida no Rio de Janeiro. E de lá voltavam de férias, passeando ou para
ficar, carregadas de sotaque e gírias cheias de x.
A estrada de ferro exercia importante papel social, sobretudo
depois da nacionalização. Seus
funcionários do trabalho duro de conservação do leito das estradas eram bem
remunerados. Construíam suas casas às margens da passagem dos trilhos,
fortaleciam o mercado local. O pequeno
comércio, antes do surgimento dos supermercados, tinha naqueles operários os
mais fortes fregueses, que superavam em poder aquisitivo os cortadores de cana,
que tinham trabalho somente durante seis meses, o tempo de cada safra. Em São Gerado existia o Barracão, destinado aos serviços de manutenção e reparo de máquinas de demais componentes dos comboios.
Imagem: Isah Baptista
A Leopoldina tinha o Expresso com transporte somente de
passageiros. Durante algum tempo com classes de 1ª e de 2ª, que variavam em
preço e comodidade. Tinha o Misto para passageiros e cargas, incômodo para quem
viajava, com suas demoradas paradas para carga e descarga; o exclusivamente de carga em que a máquina arrastava
dezenas de vagões que transportavam de tudo: animais, madeira, cana de açúcar,
mercadorias ensacadas e de toda variedade. O transporte era barato, se
comparado ao rodoviário, pelas razões lógicas dos custos de conservação de
estradas, da durabilidade do material rodante (rodas de ferro x pneus de
borracha), da quantidade de passageiros e das cargas em muitas classes/vagões
em relação a ônibus/carrocerias de carretas. O Noturno era uma modalidade para
passageiros a longa distância. Oferecia a opção de leitos, em compartimentos
exclusivos, privativos, com beliches superpostos. Era muito usado para famílias
e casais em lua de mel. O balanço do comboio em movimento encantava e relaxava,
naquele toc-toc lento, compassado e monótono. De vez em quando o apito da máquina
soava como um acorde de efeito emocional, no meio da melodia sonolenta. A “Maria
Fumaça” apitava um som agudo piuiiiiiiiiiii, que qualquer criança imita para
irritar alguém. Já as máquinas de
combustão a óleo davam um som semelhante ao de um navio: pommmmmmmmmm. Para
alguns, acostumados à onomatopéia de nossos campos, parecia o berrar de um boi
cansado ou faminto.
Imagem: Turismo
O tem de ferro passou a ser um referencial do interior
mineiro, cuja palavra isolada(trem) foi incorporada ao nosso linguajar em associação
a tudo sem definição certa, ou qualquer coisa de que não se lembre o nome no
momento, muito próximo da expressão usada como interjeição “uai”, bem
semelhante a “treco”.
As nossas estações desativadas são testemunhas mudas de muita
lembrança curiosa: na hora da chegada dos trens de passageiros, as moças
deixavam o jardim e corriam para a plataforma da estação, a passear de um lado
para outro, buscando um flerte com viajantes simplesmente como novidade ou para
descobrir algum pretendente. Para alguns servem como lembranças de partidas,
despedidas, idas e vindas, emoção de matar saudade, ou de separações difíceis.
A nossa Leopoldina é homenagem a Leopoldina
de Bragança e Bourbon, filha do Imperador
D. Pedro II.
Imagem: Isah Baptista
Nos
tempos áureos da Estrada de Ferro e do Engenho Central, transportou muita cana
das zonas rurais incluídas no seu trajeto para ser transformada em açúcar e
Álcool. Tiveram história em comum. O
Engenho inaugurado em 1885. A Estrada em
1881 chegava a esta região. O Engenho criou uma estrada de ferro particular,
que fazia conexão com a Leopoldina na Barra dos Coutos, onde está sendo
construído o novo Fórum da Comarca de Visconde do Rio Branco, bem em frente aos
prédios onde funcionava sua administração, a alguns metros das suas engrenagens
de moagem. A estrada particular
penetrava pelo interior dos terrenos pertencentes ao Engenho até as divisas com
a cidade de Guidoval. Depois que aquela propriedade saiu do poder dos franceses
Lambert, a estrada de ferro particular transformou-se e rodoviária de chão.
Imagem: Estações Ferrovias
Imagem: Estações Ferrovias
Image - 1915 - Gustavo Sabioni
A
privatização da Leopldina, nos fins do milênio passado, foi sua sentença de
morte. Durante algum tempo ainda
transportou minério provavelmente do Vale do Aço para a Vale do Rio Doce. Não
há pesquisa, entretanto, que revele a ligação que fazia naquele pequeno período
de tempo. Os curiosos que viam seus
vagões passarem vazios no sentido Ubá>São Geraldo, e viam voltar com minério
em sentido inverso, especulavam várias hipóteses. Alguns chegaram a palpitar ligações com o
Grupo Votorantim (Antônio Ermírio de Morais), o que não parece ter qualquer
fundamento.
Dentro
do perímetro urbano de Visconde do Rio Branco, o leito dos seus trilhos se
integrou à estratégia de trânsito rodoviário.
Desde a Barra dos Coutos até o Pontilhão, lateral à Ponte da Água Limpa,
recebe a denominação de Rua Eugênio de Melo. Do Pontilhão ao cruzamento com Rua
São José(Pito Aceso) é Major Felicíssimo.
Dali, prossegue como Rua Melo Barreto.
Antes, toda a sua extensão habitada era citada como Melo Barreto.
Adicionar legenda |
Trecho da Rua Eugênio de Melo. CM 23/12/2012
Trecho da Rua Eugênio de Melo. CM 23/12/2012
Trecho da Rua Eugênio de Melo. CM 23/12/2012
Trecho da Rua Eugênio de Melo. CM 23/12/2012
Início da Rua Eugênio de Melo CM/SD
Rua Major Felicíssimo - Meia Pista. CM 14/04/2013
Rua Major Felicíssimo - Meia Pista. CM 14/04/2013
Nas
proximidades com a Rua Conselheiro Santana(Formiga), em ponto onde a Rua Santo
Antônio quase se encontra com a estrada de ferro, havia a Caixa d’Água, parada para se abastecer. A sua fonte vinha em córrego aberto do alto da
Formiga, passando por vários terrenos particulares, para ser canalizada sobre a
Rua Santo Antônio e despejada na Caixa. A água transbordava depois da Caixa
cheia, e fazia a festa das lavadeiras da área, que passavam o dia naquela
abundância do precioso líquido em tempo que não havia água encanada nas
residências nem rede de esgoto. Tudo dependia das minas distantes, ou de poços
furados nos quintais.
Da
Leopoldina fica muita saudade, lembranças folclóricas e a falta dos seus ruídos
marcantes sob o apito da “Maria Fumaça”.
Imagem: Estações Ferrovias
Imagem: Estações Ferrovias
Assim,
ficou a Estrada de Ferro Leopoldina, no trecho de nossa convivência.
(Franklin
Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gemail.com)
A extinção das nossas ferrovias,teve início na década 50, com o governo do JK, que se comprometeu com as indústrias automobilísticas, que, para se instalarem no BRASIL, teria que se extinguisse as ferrovias, para não haver concorrencia e outras coisinhas mais.
ResponderExcluirGostaria de obter a gravação do apito da Maria fumaça da Leopoldina Railway, dos idos de 1940: "uiiiiuuiiiiiiu". Tenho 82 anos e viajei muito com pó de carvão nos olhos de Porciúncula para Itaperuna, todo no estado do Rio de Janeiro.
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