A terraplanagem até agora feita para a pista de ligação da
COHAB com o ponto de encontro dos rios Piedade e Chopotó(Xopotó), próximo à Ponte do Dr. Lelé. deixam claro que
um dilúvio poderá atingir o Bairro Veneza e o Carrapicho, no trecho da Rua Dr.
Lynch para baixo.
Encontro dos Rios Piedade e Chpotó. Pista COHAB/CHÁCARA, Ponte Dr.Lelé. CM 26/07/2013
Muita gente com certeza não sabe que
houve a enchente de 1932. Mas ninguém na
cidade, a não ser os recém nascidos, ignora as de 2010 e 2012. São muito recentes e causaram tantos danos,
que viraram notícias nacionais. Estas duas deixaram literalmente a cidade
debaixo d’água e tiveram as imagens mostradas nos noticiários da televisão em
horário nobre, além da repercussão no mundo via Internet. Deixaram os rio-branquenses
residentes no exterior apavorados e chocados com o que poderia estar
acontecendo com parentes e amigos na sua terra natal.
Engenho Piedade. Imagem: Alexandre Peluso
Enchente nov.2010. Imagem: Jornal Rádio 96 Muriaé
Bastam estas lembranças para se
perceber a gravidade da situação diante daquela terraplanagem, que eleva o
nível da margem esquerda do Rio Piedade, anula o espaço de escoamento das enchentes para aquele lado, e força toda a
carga das águas a inundar a área de prédios do lado contrário.
Vista a partir da Rua Major Felicíssimo. À esquerda, Bairro Veneza; no meio, Rio Piedade; à direita, elevação da margem do Rio para a pista COHAB/CHÁCARA. CM 26/07/2013
As enchentes atingiram elevadas
proporções anteriormente. As lembranças são
traumáticas e estão vivas na memória de
quantos viram desabar lentamente o prédio de dois pavimentos ali na Rua Major
Felicíssimo(estrada de ferro), frontal ao encontro dos dois rios. O engenheiro responsável por aquela
construção teve problemas emocionais diante da tragédia, porque era convencido
de que não havia força da natureza capaz de abalar seu projeto. Um Titanique tupiniquim. Bastaria, no entanto, ter feito uma análise a
partir do simples redemoinho como efeito do encontro das águas em tempo de
estiagem, no nível normal, para se chegar a uma conclusão da força multiplicada
por ocasião de uma cheia como as anteriormente ocorridas. Há notícia de que já houve afogamento naquele
local, do tempo em que se nadava no rio, antes de suas águas serem tão
poluídas. Ora, aquele fenômeno ganha a
força de um gigantesco liquidificador envolvendo todos os obstáculos
encontrados na sua abrangência. O prédio
derrubado em 25 de novembro de 2010 foi um exemplo do desafio prepotente do
homem perante as forças da Natureza. Estreitar as margens dos cursos de água
com a invasão de construções é uma violência que provoca a violência maior das
cheias quando pedem passagem, sem pedir licença.
Não é de
hoje, Berlolt Brecht(Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956) já dizia: “Do rio que tudo arrasta,
diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”.
Faz mais de 50 anos essa advertência, ou essa constatação. E
Visconde do Rio Branco, particularmente, tem mais de 80 anos da enchente de
1932. E tem muito pouco tempo das de 2010 e de 2012. Os desafios que vemos agora são mais do que
falta de bom senso. É temeridade.
Os arquitetos certamente trabalham muito
com a estética. Na engenharia,
entretanto, tem de haver consideração com a estática. Engenheiros e arquitetos
se completam. Mas correm o risco de
dissociarem a estética da estática. Uma reflete a aparência, a outra existe por
si mesma, despida de vaidade porque tem existência própria, independente de
vaidade.
Se o traçado da rua ou avenida teve de
agredir a flora, começa a destruir um processo natural de contenção das
enchentes. Cada árvore arrancada, morta, deixa de ser um retentor das águas
pluviais que lentamente alimentam suas raízes e ativam suas folhas, para, em
seguida penetrar no solo, manter sua consistência e contribuir para alimentar
os lençóis freáticos e o leito dos rios na estiagem. Se todo aquele trecho
destruiu vegetação, e vai ser asfaltado, torna-se uma extensão de terra
impermeável para conduzir as precipitações pluviais direta e imediatamente para
o leito do rio de maneira a aumentar o volume das cheias. Se em torno dessa pista surgirem loteamentos
e as consequentes construções, com calçamento e concreto amado a substituírem a
vegetação, uma área maior estará jogando toda a chuva para engrossar as
enchentes. É o impacto da ação humana
sobre a natureza a comprometer o equilíbrio ambiental.
As faculdades fornecem diplomas
teoricamente como atestado de aquisição de conhecimentos em determinadas áreas do
saber. A passagem pelas unidades de ensino particulares custa dinheiro e se
caracteriza em transação mercantilista. A sensatez sugere que os doutores
busquem na humildade dos habitantes das selvas a sabedoria do convívio
harmonioso com a mansidão da natureza. A água é um bem natural que caminha
obedecendo a lei da gravidade mansamente em direção ao mar. Na sua trajetória,
libera partes em evaporação para formar as chuvas e dar vida aos campos,
fertilidade à terra e contribuir com a terça parte da composição orgânica de
toda formação biológica. Violentar este círculo é como cuspir para cima e
receber no próprio rosto. Cada um de nós é produto e parte da Natureza. Ninguém
é dela proprietário, nem superior a ela. Somente a humildade conduz à harmonia.
Aquele ponto de encontro que forma o Rio
Xopotó dos Coroados está cheio de agressões com as construções que invadem o
seu leito a partir dali e segue no seu curso dentro do perímetro urbano.
A
concessão de alvarás para essas construções serviu de embrião para uma série de
áreas de risco afetadas em cada enchente.
Rios Piedade e Chopotó. CM 16/07/2012
Rio Chopotó. CM 16/07/2012
Agora, a elevação da margem esquerda do
Piedade para o final da pista que vem da COHAB, mais os fatores multiplicadores
que vierem com prováveis loteamentos, contribuirão para as enchentes atingiram
maiores proporções, com resultados catastróficos para as habitações do lado
contrário.
Final da pista da COHAB, Rio Piedade e sua margem direita. CM 26/07/2013
Ninguém pensa que aquele curso rodoviário
está sendo feito para terminar ali. Certamente tem que chegar do outro lado do
Rio, na Rua Major Felicíssimo, com uma ponte, ou na Voluntários da Pátria, com
um elevado viaduto, que terá de atravessar o curso de água, mais a estrada de
ferro, com indenizações a imóveis em uma das áreas de metro quadrado mais caro
do Município. De um jeito, ou de outro,
o espaço onde existiu o prédio de dois pavimentos arrastado pela enchente de
2010, está ali como testemunha e exemplo do que a força das águas em monstruoso
redemoinho pode fazer. Toda a estrutura de sustentação da ponte ou do viaduto
terá de estar dentro daquele círculo atingido pelo fenômeno: fundação, pilares,
lajes, vigas. Com certeza, estarão complementados por gabiões. A existência de
todos esses componentes implicará necessariamente em eliminação de matas ciliares,
mais um dano aos rios, com ressecamento do solo de sua abrangência.
Da esquerda para a direita: Rio Piedade, final da pista COHAB e Ponte do Dr. Lelé. CM 26/07/2013
As consequências no curto e médio prazo vão
depender de fatores atmosféricos com as chuvas sazonais e as enchentes
imprevisíveis em termos, mas que vêm se repetindo em espaços menores à medida
que cresce a densidade demográfica sem planejamento no perímetro urbano. Além
disso, resta saber o grau de confiabilidade na segurança do viaduto (se for o
caso). A sua construção tem que obedecer a critérios muito mais sérios do que a forma
das concessões de alvarás para tantas áreas de risco ao longo dos rios.
(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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