Ninguém pode se fazer de rogado diante dos protestos que
explodiram contra a classe política como nunca acontecera no Brasil. Até nos
municípios menores, onde o povo não se sente livre para sair às ruas, o
sentimento de repulsa existe. A classe política daqui e de todo lugar tem os
mesmos vícios das capitais e das maiores cidades do país. A diferença é que a sociedade de uma cidade
menor se sente constrangida, por impedimento que a coação impõe.
Isto, na verdade, é mais um motivo do
descontentamento com a classe política. Aqui, como no Congresso Nacional, os vencimentos dos políticos são incompatíveis
com a baixa renda da população. Profissionais da educação, da saúde,
funcionários burocráticos são muito mal remunerados no serviço público,
enquanto os titulares do poder têm vencimentos muito acima dos seus méritos e
diferenciados por privilégios de quem legisla em causa própria. A carga horária de um professor exige muito
de sua dedicação, de seu trabalho físico e intelectual, para receber tão
pouco. Alguns estão na faixa de um
salário mínimo e meio. E ainda ficam sujeitos a transferências constrangedoras
e desconfortáveis, se, por qualquer motivo, se manifestarem em desacordo com os
mandatários.
Enquanto isto, os vereadores trabalham
duas horas por semana, oito por mês, recebem vencimentos que nunca receberiam
em salário se vivessem de empregos da iniciativa privada que a cidade oferece.
E gozam de mordomias, assessorias, diárias e passagens para viagens nem sempre
justificáveis. E a Câmara dá pouca ou
nenhuma transparência dos seus gastos, da sua folha de pagamento. Alguns, raros, ainda mostram serviço. Outros
simplesmente passam o tempo. Os que
mostram serviço, apresentam projetos de interesse público, de maior alcance
social, com qualidade e quantidade que justificam o seu trabalho. Os outros mal apresentam alguma proposta de
nome de rua, votos de pesar, e acompanham a maioria nos projetos em discussão,
nem sempre analisando a profundidade ou justificativas desses projetos. Quase
sempre na base de ser “a favor” ou “contra”.
O discernimento para tomada de posição, quase sempre é uma exceção.
O procedimento dos executivos segue os
mesmos exemplos que têm provocado a revolta popular revelada nas manifestações
de rua nos grandes centros. Falta
transparência nos gastos com folha de pagamento, com obras, com compra de
material, com nomeações, com licitações, com festas. Há muita mistura de ações públicas com
negócio privado. Políticos que são
empresários geralmente formam grupos, sociedades, usam a terceirização de
trabalhos que podem e devem ser executados pela administração oficial, e
transferem para a responsabilidade de um empresa particular, onde o lucro
encarece a obra e o contribuinte tem de pagar elevados impostos para arcar com
a diferença desnecessária e que enriquece uns e outros dos grupos, das
sociedades de conveniência.
O povo sabe, percebe todas essas
jogadas. Mas elas são feitas de maneira
a não deixar provas. E ninguém se dispõe
a tomar qualquer iniciativa, porque se sente isolado e com risco de perder
emprego e até sofrer danos na sua integridade física.
Quando o grito de revolta retumba nas
ruas, eles penetram pelas janelas dos palácios e tocam os ouvidos dos destinatários. Esses
fazem ouvidos moucos, enquanto sabem que todo mundo sabe, mas não tem prova. E
sabem também que, se houver um processo por improbidade administrativa, a
justiça é lenta, lerda e ineficaz. Sabem
que podem contar com a vantagem dos recursos, da tramitação de instância em
instância, da presunção de inocência até o “trânsito em julgado” que, se for
concluído, já houve tempo para o cumprimento de um mandato. Sabem também que podem contar com testemunhas
manipuladas por dependência ou por interesses mútuos, que transformam culpados
em vítimas e tornam inócuos tantos processos.
Dessas espertezas, resulta que temos
Renan Calheiros, José Sarney, Paulo Maluf, Fernando Collor, a turma do
Mensalão, dos mensalinhos, todos em atividade desde os bastidores das câmaras e
prefeituras dos menores municípios até o fausto do Congresso Nacional e do
Palácio do Planalto. É um gigantesco
espetáculo de cinismo que vem afrontando a inteligência de todas as pessoas que
pensam.
São esses atores que fazem as leis
maiores e menores. Fazem do seu jeito, à
sua imagem e semelhança. O povo, de certa maneira impotente, vem acumulando as
dores de viver com menos da quarta parte do necessário, para dar todo o seu
tempo, toda a sua vida útil ao trabalho e ter de sustentar a máquina vil dos
poderes constituídos. Faz a única coisa
que pode: protestar. Dar o grito de
indignação. Abalar os alicerces podres
da corrupção. E expressar o óbvio: a classe política chegou ao ponto do
descrédito e de repúdio que alcançou a classe militar no período da Ditadura.
Lamenta-se que as raríssimas exceções
dos membros dessa classe sejam injustiçadas.
Mas não há como entrar no chiqueiro e sair sem respingo de lama. Os
partidos nada mais significam. E refletem a imagem dos seus componentes. Os
poderes estão se sustentando mais pelo direito da força do que pela força do
direito. A democracia dominada pela
plutocracia está desmoralizada, em ano de véspera de eleições.
O povo agora tomou consciência. Tudo precisa mudar. Tudo tem que mudar. Como?
Ninguém sabe. Não há tempo hábil para valer nas próximas eleições.
Os rumores das ruas às vezes soam em
silêncio. Nem em todo lugar se pode
fazer barulho. Só o sentimento de
indignação é incontido. O clamor costuma ficar preso na garganta. Mas o que o povo quer, não há ninguém no
poder que possa fazer, porque o espírito de corpo existente é o autor deste
colapso de valores.
Como disse o senador Cristóvam Buarque,
é preciso mudar o modelo dos partidos, o modelo das instituições, o modelo do
Congresso, o modelo de tudo. Mas quem
vai mudar. E que modelo seria o
ideal?
Ainda bem que os municípios estão em
início de mandatos e servem como válvula
de escape para a indispensável
estabilidade de algum e espaço político-administrativo. Pode ser que neles esteja a oportunidade de
um amplo debate social para o estudo de soluções, nem que sejam provisórias,
nem que sejam experimentais. O debate há de ser uma ampla reflexão coletiva
para despertar no povo, na juventude que brota, uma expectativa, uma esperança
de transformação digna, fora da repetição da ditadura que venha em nome de
salvar a pátria.
(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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