Lista foi organizada por grupo de escritores, críticos, professores e jornalistas e reuniu 24 poesias mais citadas entre 40 indicações totais. Confira as 10 mais votadasCada poesia é única e provocada diferentes repercussões nas vidas e emoções das pessoas. Um mesmo poema pode, por exemplo, alegrar ou encher de melancolia a mesma pessoa em diferentes épocas da vida. Fica quase impossível, portanto, escolher quais são os melhores poemas de todos os tempos. Mesmo assim, um grupo de escritores, críticos, jornalistas e professores aceitou o desafio e escolheu os 10 maiores poemas de autores brasileiros de todos os tempos.![]() A Máquina do Mundo (Carlos Drummond de Andrade)E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino roucose misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado, a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia. Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos. Leia também
e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos, convidando-os a todos, em coorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas. (Trecho de A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade) Vou-me Embora pra Pasárgada (Manuel Bandeira)Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolhereiVou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d’água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcaloide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. Poema Sujo (Ferreira Gullar)turvo turvo a turva mão do sopro contra o muro escuro menos menosmenos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas azul era o gato azul era o galo azul o cavalo azul teu cu tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para eu não sabia tu não sabias fazer girar a vida com seu montão de estrelas e oceano entrando-nos em ti bela bela mais que bela mas como era o nome dela? Não era Helena nem Vera nem Nara nem Gabriela nem Tereza nem Maria Seu nome seu nome era… Perdeu-se na carne fria perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia (Trecho de Poema Sujo, de Ferreira Gullar). Soneto da Fidelidade (Vinícius de Moraes)De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.Quero vivê-lo em cada vão momento E em louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Via Láctea (Olavo Bilac)“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto…E conversamos toda a noite, enquanto A Via Láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.” O Cão Sem Plumas (João Cabral de Melo Neto)A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada.O rio ora lembrava a língua mansa de um cão ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão. Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água. Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos povos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras. Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes. Canção do Exílio (Gonçalves Dias)Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. As Cismas do Destino (Augusto dos Anjos)Recife. Ponte Buarque de Macedo. Eu, indo em direção à casa do Agra, Assombrado com a minha sombra magra, Pensava no Destino, e tinha medo!Na austera abóbada alta o fósforo alvo Das estrelas luzia… O calçamento Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento, Copiava a polidez de um crânio calvo. Lembro-me bem. A ponte era comprida, E a minha sombra enorme enchia a ponte, Como uma pele de rinoceronte Estendida por toda a minha vida! A noite fecundava o ovo dos vícios Animais. Do carvão da treva imensa Caía um ar danado de doença Sobre a cara geral dos edifícios! Tal uma horda feroz de cães famintos, Atravessando uma estação deserta, Uivava dentro do eu, com a boca aberta, A matilha espantada dos instintos! Era como se, na alma da cidade, Profundamente lúbrica e revolta, Mostrando as carnes, uma besta solta Soltasse o berro da animalidade. E aprofundando o raciocínio obscuro, Eu vi, então, à luz de áureos reflexos, O trabalho genésico dos sexos, Fazendo à noite os homens do Futuro. (Trecho de As Cismas do Destino, de Augusto dos Anjos). As Pombas (Raimundo Correia)Vai-se a primeira pomba despertada… Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas De pombas vão-se dos pombais, apenas Raia sanguínea e fresca a madrugada.E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada. Também dos corações onde abotoam, Os sonhos, um por um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam, Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais. Invenção de Orfeu (Jorge de Lima)1. Um barão assinalado sem brasão, sem gume e fama cumpre apenas o seu fado: amar, louvar sua dama, dia e noite navegar, que é de aquém e de além-mar a ilha que busca e amor que ama.Nobre apenas de memórias, vai lembrando de seus dias, dias que são as histórias, histórias que são porfias de passados e futuros, naufrágios e outros apuros, descobertas e alegrias. Alegrias descobertas ou mesmo achadas, lá vão a todas as naus alertas de vaia mastreação, mastros que apoiam caminhos a países de outros vinhos. Está é a ébria embarcação. Barão ébrio, mas barão, de manchas condecorado; entre o mar, o céu e o chão fala sem ser escutado a peixes, homens e aves, bocas e bicos, com chaves, e ele sem chaves na mão. 2. A ilha ninguém achou porque todos o sabíamos. Mesmo nos olhos havia uma clara geografia. Mesmo nesse fim de mar qualquer ilha se encontrava, mesmo sem mar e sem fim, mesmo sem terra e sem mim. Mesmo sem naus e sem rumos, mesmo sem vagas e areias, há sempre um copo de mar para um homem navegar. Nem achada e nem não vista nem descrita nem viagem, há aventuras de partidas porém nunca acontecidas. Chegados nunca chegamos eu e a ilha movediça. Móvel terra, céu incerto, mundo jamais descoberto. Indícios de canibais, sinais de céu e sargaços, aqui um mundo escondido geme num búzio perdido. Rosa-de-ventos na testa, maré rasa, aljofre, pérolas, domingos de pascoelas. E esse veleiro sem velas! Afinal: ilha de praias. Quereis outros achamentos além dessas ventanias tão tristes, tão alegrias? (Trecho de Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima). Fonte: Universia Brasil |
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
COLUNA DO PAULO TIMM(De Portugal) - Literatura brasileira: os 10 maiores poemas de todos os tempos
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