Um gênio é um gênio, independente da ideologia que
professa. Oscar Niemeyer é um exemplo que fica para o mundo. Viveu no mundo
capitalista expondo sua genialidade e sem esconder seus ideais comunistas, na
confiança de que essa filosofia política é a mais próxima da justiça e da
igualdade de oportunidades entre as pessoas e os diversos povos do mundo.
Manteve-se
sempre acima dos preconceitos e conquistou seu próprio espaço pelo valor do seu
talento, da sua ousadia e da autoconfiança.
A igreja
da Pampulha em Belo Horizonte-MG- serviu de berço para revelar sua criatividade
acima de todos os limites de regra e compasso.
As curvas que traçou no projeto original apareciam na sociedade
conservadora e puritana como simbolismo de apelo à sexualidade. E daí?
Ele
dizia:
- Você pode não gostar do que vai ver. Mas vai ter a certeza de que nunca viu coisa
igual.
Alguém pode contestar aquela afirmativa?
Oscar estava em Belo Horizonte a chamado do prefeito JK,
o menino pobre de Diamantina, que se tornou médico, mas tinha como destino a
política, o sonho e a ousadia semelhante à de Niemeyer em áreas
diferentes. Eram duas peças que se
encaixavam.
Juscelino tornou-se governador do Estado. E, em 1955,
elegeu-se presidente da República, com o sonho “impossível” de avançar 50 anos
em 5. Sua posse aconteceu de maneira tumultuada, devido ao ranço
político-militar que provocou a morte de Getúlio Vargas pouco antes: 24 de
agosto de 1954.
O “presidente bossa-nova” decidiu tirar Brasília do
papel, um projeto do tempo do Império.
Ele e o arquiteto partiram para uma aventura que sacudiu o Brasil. Um sonhando com um Brasil moderno; o outro
com um mundo justo.
Tiraram o Planalto Central do chão e deixaram uma
capital planejada, com a mão de obra dos candangos de todas as partes do
país. Na época, a cidade com suas formas
originais de avião, cheia de curvas geniais, fora considerada de 8ª Maravilha
do Mundo.
O “avião” pode ter sido um jeito de homenagear outro
mineiro sonhador e pioneiro: Santos
Dumont.
O sonho dos gênios muitas vezes traz dissabores.
Alberto Santos Dumont morreu angustiado por ter guardado a imagem da revolução
constitucionalista de São Paulo contra o governo revolucionário de Getúlio
Vargas, em 23 de julho de 1932. No conflito aviões bombardeavam o Campo de Marte.
Sua morte é atribuída a suicídio por alguns historiadores, embora ele não tenha
deixado qualquer documento que confirme essa versão.
Já Oscar Niemeyer, aos 103 anos, inconformado com o
grau de corrupção dos políticos em Brasília, teria desabafado:
- Projetei a Capital em forma de avião, como símbolo da
liberdade. Mas, se eu soubesse que vocês
iriam mandar para lá esse tipo de políticos, teria projetado em forma de
camburão.
Seu corpo, velado hoje no Salão Nobre do seu “avião/camburão”,
será sepultado amanhã, sexta-feira, no Rio de Janeiro, a ex-capital federal,
onde morreu Getúlio Vargas com um tiro no peito(1954), em seu quarto, no
Palácio do Catete, uma obra neoclássica brasileira.
Os intelectuais, com suas obras geniais, fazem o povo
pensar, ao tentar compreender a mensagem implícita em cada trabalho, como o
expectador de um filme que procura entender o seu enredo e as razões de cada
personagem no desempenho de seus papéis.
Legado é luta pela democracia e justiça social, diz neta
do arquiteto comunista que conquistou o mundo
capitalista simplesmente com a arma do pincel e sua genialidade.
Conquistou porque foi maior do que o poder de
corrupção desse mundo. Nunca abriu mão de suas convicções. Como Juscelino, foi
também perseguido pela Ditadura Militar que tentou sufocar as idéias que
sustentam os ideais mais nobres. Àquele tempo houve verdadeiro expurgo de
cérebros, aproveitados no exterior por governantes mais sóbrios e sábios. Muitas das criações de Niemeyer que o mundo
aplaude aconteceram naquele período de exceção.
Os tiranos odeiam gente que pensa e que faz outros
pensarem. Quando não podem esmagar suas
cabeças, procuram esmagar e destruir suas obras, como meio de abafar suas
mensagens.
Assim acontece com a destruição dos prédios
neoclássicos que davam forma concreta ao pensamento dos iluministas, que
desejavam liberdade e independência para os povos colonizados.
O mundo futuro certamente respeitará os voos das
curvas de Niemeyer. Sua imagem é maior do que a mesquinhez nazifascista.
Lamentamos ver em Visconde do Rio Branco a voracidade
demolidora das obras neoclássicas, que foram a manifestação libertária de uma
época difícil e conturbada dos últimos séculos, sobre o povo das Américas. Mais
um prédio característico daquela criatividade demolido na Rua Major
Felicíssimo.
E Niemeyer deixa no Memorial da América Latina, em São
Paulo, um monumento em forma de mão aberta sangrando, a representar, conforme
suas palavras, o sangue e o sacrifício dos povos latino-americanos.
Ele gostaria de ver também os candangos anônimos que
emprestaram sua mão de obra na construção de Brasília libertos do trabalho mal
remunerado, da miséria e da ignorância.
Foi solidário com Luiz Carlos Prestes, seu camarada de
ideologia, que não tinha onde morar: deu-lhe uma casa, assim como a seu
motorista particular.
Sonhamos ainda ver em cada município brasileiro, a
partir de nossa Visconde do Rio Branco, o trabalhador receber quatro vezes o
salário mínimo vigente, valor tão necessário para uma vida onde haja casa,
comida, educação, saúde, lazer, roupa, higiene e previdência social.
A destruição de prédios não vai destruir idéias, que
já estão formadas, acolhidas, difundidas.
A Ficha Limpa aconteceu por iniciativa popular. Joaquim Barbosa saiu da
mesma vida humilde que Juscelino e está mostrando ao povo que pode haver
justiça.
Há um despertar de justiça e liberdade em ebulição que
o tempo construiu graças a gênios como Niemeyer e outros que estiveram junto
com ele em mesma época, ou que o tenham antecedido. Cada um contribuiu a seu modo e a seu tempo,
que a velocidade da informática faz agora se expandir.
Morre um homem, fica seu exemplo, enquanto o mundo
capitalista esconde o seu fracasso, cujo odor exala por baixo do tapete.
(Franklin Netto –
viscodedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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