segunda-feira, 5 de novembro de 2012

COLUNA DO PAULO TIMM(De Portugal) - Desnacionalização e revolução




    (Compilado por Paulo Timm)



    Adriano Benayon * – 29.10.2012



    Desde há séculos o Brasil carece de governo autônomo, capaz de promover o
    progresso econômico e social. A independência proclamada em 1822 não se
    traduziu em autonomia real, pois o País atravessou o Império e os primeiros
    anos da República sob tutela financeira e política da Inglaterra, até o
    final da Primeira Guerra Mundial, e do império anglo-americano desde então.

    2. Os lampejos de autonomia duraram pouco, logo apagados por intervenções da
    oligarquia mundial. Assim, nos anos 1840 com a tarifa Alves Branco, uma
    tentativa de viabilizar o surgimento de indústrias nacionais. Também, com os
    empreendimentos abrangentes do Barão de Mauá, dos anos 1850 aos 1880, e com
    iniciativas limitadas, como a fábrica de linhas de Delmiro Gouveia em
    Alagoas, 1912-1917.

    3. Os avanços na redução da dependência econômica foram contidos ou
    anulados pela dependência política. E esta decorreu da subordinação da
    economia agrária e exportadora de bens primários aos interesses comerciais e
    industriais de potências estrangeiras.

    4. Quando Getúlio Vargas, promoveu maior grau de autonomia nacional - de
    1934 a 1945 e de 1951 a 1953 - as potências hegemônicas - coadjuvadas
    pelas “classes conservadoras” locais e pela mídia venal – montaram complôs
    para desestabilizar e derrubar o governo.

    5. Como Vargas antes, João Goulart, em 1962-1963, não se precaveu diante
    das maquinações imperiais, tarefa difícil em regime “democrático” no qual o
    poder financeiro determina o processo político.

    6. Mesmo sendo escassa a proteção tarifária e a não-tarifária, e operassem
    no Brasil vários carteis e grandes empresas estrangeiras, surgiram numerosas
    indústrias de capital nacional substituidoras de importações na segunda
    metade do Século XIX e na primeira do Século XX.

    7. Cito quatro livros que o demonstram: Warren Dean, A Industrialização de
    São Paulo (1880-1945); Edgard Carone, O Centro Industrial do Rio de Janeiro
    e sua Importante Participação na Economia Nacional (1827-1977), ed. Cátedra,
    Rio 1978; Delso Renault, 1850-1939 O Desenvolvimento da Indústria
    Brasileira, SESI; Eli Diniz, Empresário, Estado e Capitalismo no Brasil
    1930-1945, ed. Paz e Terra, SP 1978.

    8. O próprio Vargas só restringiu investimentos estrangeiros em poucos
    setores e demorou a notar o volume das remessas de lucros ao exterior, o que
    está longe de ser único dos prejuízos que eles causam à economia.

    9. As potências imperiais realizaram seus objetivos a partir de Café Filho,
    fantoche dos entreguistas civis e militares (1954). JK, eleito em 1955,
    pelos votos getulistas, ampliou os benefícios ao capital estrangeiro.

    10. Daí não terminou mais a escalada de desnacionalização, não obstante se
    terem criado estatais na área produtiva –privatizadas de forma vergonhosa a
    partir de 1990 - tendo o Estado feito também investimentos nas
    infra-estruturas econômica e social.

    11. O poder público subsidiou as transnacionais, e esmagou empresas
    nacionais.

    12. Resultado: em 1971 o capital estrangeiro já controlava setores
    importantes: mercado de capitais 40%; comércio externo 62%; serviços
    públicos 28%; transportes marítimos 82%; transporte aéreo externo 77%;
    seguros 26%; construção 40%; alimentos e bebidas 35%; fumo 93,7%; papel e
    celulose 33%; farmacêutica 86%; química 48%; siderurgia 17%; máquinas 59%;
    autopeças 62%; veículos a motor 100%; mineração 20%; alumínio 48%; vidro
    90%.

    13. Em 1971 o estoque de investimentos diretos estrangeiros (IDEs) não
    chegava a US$ 3 bilhões. Em 2011 atingiu US$ 669,5 bilhões.

    14. O montante de 2011 é 40 vezes maior que o de 1971 atualizado para
    US$ 16, 6 bilhões. No período, o PIB, em dólares corrigidos, só se
    multiplicou por 6.

    15. Os IDEs referem-se só às empresas com maioria de capital estrangeiro,
    não aos “investimentos estrangeiros em carteira” (participações no capital
    de empresas e aplicações em títulos públicos e privados). Esses acumularam
    US$ 597 bilhões até 2011. Os empréstimos, US$ 190 bilhões. A soma dá quase
    US$ 1,5 trilhão.

    16. É fácil emitir dólares do nada e com eles comprar ativos. Mais: grande
    parte dos IDEs é reinvestimento de lucros, e quantia muitíssimo maior que
    a dos ingressos foi remetida ao exterior a título de lucros, dividendos,
    juros, afora os ganhos camuflados em outras contas do balanço de transações
    correntes. Disso originou-se a dívida pública, fator de empobrecimento e de
    dependência.

    17. A desnacionalização prossegue galopante. Conforme a “Pesquisa de Fusões
    e Aquisições” da consultoria KPMG, 247 empresas foram adquiridas por
    transnacionais de janeiro a setembro de 2012. Em todo 2011 haviam sido 208.
    De 2004 para cá foram 1.247.

    18. Em 2012 destacam-se: tecnologia da informação (33); serviços para
    empresas (20); empresas de internet (19); supermercados, açúcar e álcool
    (35); publicidade e editoras (10); alimentos, bebidas e fumo (10); mineração
    (9); óleo e gás (8); educação (7); shopping centers (7); imobiliário (7).

    19. Ainda mais estarrecedora que a avassaladora ocupação da economia
    brasileira é a persistência na mentalidade de que os investimentos
    estrangeiros beneficiam a economia.

    20. Não houve evolução, desde os anos 50 e 60, no entendimento da realidade.
    Continuam sendo escamoteadas as causas do enorme atraso tecnológico do País
    e disto tudo: pobreza, insegurança, infra-estrutura lastimável, desagregação
    social, desaparelhamento da defesa e cessão de territórios a pretexto de
    proteção ao ambiente e a indígenas.

    21. O impasse da economia brasileira, prestes a desembocar em dificuldades
    ainda maiores, sob o impacto da depressão nos países centrais, decorre das
    percepções errôneas, subjacentes às recomendações da CEPAL (Comissão
    Econômica para a América Latina da ONU) e à política “desenvolvimentista” de
    JK.

    22. Estas foram as falsas premissas, ainda não atiradas ao lixo, como
    deveriam ter sido há muito tempo: 1) a industrialização como meta em si
    mesma, independente da composição nacional ou estrangeira e do grau de
    concentração do capital; 2) o capital estrangeiro tido por necessário para
    suprir pretensa insuficiência local de recursos.

    23. As políticas decorrentes dessas ideias redundaram na
    desindustrialização e na descapitalização do País. Ignora-se a experiência
    histórica – sempre confirmada - de nunca ter existido real desenvolvimento
    em países nos quais predominem os investimentos estrangeiros.

    24. Recorde-se que, de 1890 a 1917, ano da débâcle na guerra e da
    revolução, o volume de investimentos estrangeiros na Rússia foi cerca de
    três vezes superior ao do capital nacional.

    * - Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização
    versus Desenvolvimento, editora Escrituras, SP.
     

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