sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

EDUCAÇÃO - Sayonara(QUARAÍ-RS) - Por que competências e habilidades, hoje?





.........O que resulta dos comentários acima é que, na perspectiva do professor, o desafio, hoje, é coordenar o ensino de conceitos e gestão de sala de aula - aí compreendidas aprendizagens de procedimentos, valores, normas e atitudes.

Continuação:


As três formas de competência





Passemos agora ao objetivo principal desse texto: fornecer elementos para uma reflexão pedagógica sobre significados de competência e habilidades.

Para isso, lembro um pedido feito a uma orientadora pedagógica: que se lembrasse de alguém considerado como bom professor. Que competências ela lhe atribuía? Diante dessa pergunta, a orientadora indicou uma colega, justificando sua escolha pelas seguintes razões: sua capacidade de desenvolver os conteúdos escolares, de saber desafiar seus alunos; por ser comprometida, responsável e por saber manejar bem a sala de aula. Em resumo, ela era um exemplo de professora que enfrentava e superava os desafios, para que assim pudesse ensinar e aprender; era uma pessoa culta, estudiosa e que investia em sua formação.

Perguntando a professores sobre palavras associadas à competência, deles ouvi as seguintes: capacidade, desempenho, domínio. Perguntando a uma professora se era competente como cozinheira, essa disse que não, "porque não tinha paciência com fogão".
 

Proponho que competência seja entendida de três modos, muito interessantes e comuns.

Competência como condição prévia do sujeito, herdada ou adquirida. É comum definir competência como capacidade de um organismo. Saber respirar, mamar, por exemplo, são capacidades herdadas. Nascemos com competência comunicativa, isto é, herdamos nossa aptidão para a linguagem. Ao mesmo tempo, temos de adquirir competência em uma ou mais línguas, pois essas não são herdadas, mas aprendidas e se constituem patrimônio de nossa cultura e de nossa possibilidade de comunicação.
     
Nesse caso, competência e desempenho são dimensões diferentes. O caminhar concreto, em uma determinada situação e em função de uma certa necessidade, não é comparável à capacidade de caminhar, independentemente de que o desempenho dessa capacidade esteja ocorrendo ou não, ou seja: ter capacidade de caminhar não é caminhar.

Competência, nesse primeiro sentido, significa, muitas vezes, o que se chama de talento, dom ou extrema facilidade para alguma atividade. Há professores cuja competência para ensinar decorre dessa facilidade. É como se fosse uma condição prévia, herdada ou aprendida. Aprendida porque, uma vez que alguém consegue um diploma ou é declarado formado ou habilitado para uma certa função é como se, imediatamente, isso se tornasse um patrimônio seu.  Esse primeiro sentido de competência implica uma idéia de dependência ou condição. Qualquer criança que nasça em nosso país tem de adquirir competência para ler e escrever, caso contrário, será excluída de muitas situações. Quando uma escola contrata um novo professor, avalia se esse tem competência para ensinar, ou seja, leva em conta seu currículo para contratá-lo. De preferência, seleciona um professor com essa competência já adquirida em outras escolas, porque, nesse caso, interessa alguém já experiente.

 Essa primeira forma de competência não significa apenas formas de aquisição, mas também pode se referir a uma perda - permanente ou transitória - de competência. Por exemplo, podemos perder ou diminuir nossa capacidade respiratória ou condição para realizar uma certa tarefa. Em caso de acidente, podemos perder nossa possibilidade de locomoção. Da mesma forma, um professor pode, por diversos fatores perder sua competência didática.

Competência como condição do objeto, independente do sujeito que o utiliza. Refere-se á competência da máquina ou do objeto. Por exemplo, a competência da máquina ou do objeto. Por exemplo, a competência ou habilidade de um motorista não tem relação direta com a potência de seu automóvel. O mesmo acontece com relação aos computadores e seus usuários. Una coisa é nossa condição de operar um certo programa. Outra é a potência do computador, sua velocidade de processar informações, memória.

Na escola, essa forma de competência está presente, por exemplo, quando julgamos um professor pela ‘competência’ do livro que adota, da escola em que leciona, do bairro onde mora.

É muito comum, julgarmos uma criança tomando por base a escola em que estuda. Nesse caso também, trata-se de uma competência do objeto, pois esse é independente do sujeito, ainda que possa dar uma informação a respeito daquele que o utiliza. O mesmo vale, para o livro que o professor usa em sala de aula, como um dos indicadores da qualidade de seu ensino.

Para citar um outro exemplo, a qualidade que se atribui aos itens de uma prova não se relaciona, necessariamente, com competência ou habilidade dos que a respondem.

Competência relacional. Essa terceira forma de competência é interdependente, ou seja, não basta ser muito entendido em uma matéria, não basta possuir objetos potentes e adequados, pois o importante aqui é o "como esses fatores interagem". A competência relacional expressa esse jogo de interações. É comum na escola um professor saber relatar bem um problema que está acontecendo em sala de aula, mas na própria aula não saber resolver situações relacionadas com a indisciplina, espaço ou tempo.
Numa partida de futebol, para fazer gol, não basta que o jogador saiba chutar a gol, fazer embaixadas, correr com a bola no pé, é necessário que saiba coordenar tudo isso no momento da partida.

No caso de uma conferência, a qualidade do texto (competência do objeto) não é condição suficiente para que ela atinja os objetivos do conferencista, é necessário fazer uma boa leitura (competência do sujeito), considerando as reações da platéia, o ritmo, as pausas etc. (competência relacional).

A situação de jogo é um bom exemplo de competência relacional, pois essa forma sempre se expressa em um contexto de interdependência. "Não se ganha o jogo na véspera", como se diz usualmente. Na véspera, há muitas ações que se podem realizar (treinar, estudar outras partidas etc.), mas são as leituras ou interpretações, no momento do jogo propriamente dito, as tomadas de decisão, as coordenações entre ataque e defesa que definirão as possibilidades de ganhar ou perder. Por isso, o jogo é uma boa metáfora para tantas outras situações que, como ele, dependem de competência relacional.

A sala de aula é um bom exemplo disso. Muito se pode e deve fazer previamente: estudar, preparar e selecionar materiais, escrever o texto ou definir o esquema a ser seguido. Mas há outros fatores que só podem e devem ser definidos no momento da aula, em função de outros que não se podem antecipar, justamente porque são construídos no jogo das interações entre o professor, seus alunos e os materiais de ensino. Como desenvolver competência relacional? Como articular as três formas de competência?

As três formas de competência, acima descritas, na prática não se anulam necessariamente, pois se referem a dimensões diferentes e complementares de uma mesma realidade.

O elemento surpresa que caracteriza um dos aspectos da competência relacional não deve ser confundido com improvisação ou impossibilidade de antecipação; indica, apenas, que certos aspectos só acontecem em contexto interativo: são produções coletivas, que não estão nesse ou naquele termo em particular, mas que correspondem à coordenação de perspectivas ou a algo que é resultante da multiplicidade constitutiva dos objetos produzidos em um contexto de construção.

A formação do professor, essa necessidade tão legitimamente valorizada hoje em dia, pode ser um bom exemplo desse tipo de competência. Que aspectos de sua formação correspondem ao desenvolvimento de uma competência do sujeito? Quais aspectos são competência do objeto? Quais são da relação sujeito-objeto? Quanto a essa última forma, o problema é que só podemos dar coordenadas, discutir, a posteriori, casos ilustrativos, confiando que o professor beneficiado por essas reflexões, irá melhorar sua competência em outras situações. Por isso, é insuficiente como formação apenas fornecer elementos teóricos ao professor ou lhes indicar boas leituras. É importante, também, analisar situações práticas em que o aspecto relacional possa ser analisado.

Leia na próxima edição:


Competência e habilidade


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