E de repente um indivíduo de preto e
encapuzado de arma na mão para trás, surge de trás de um carro, caminha rente
ao muro, esgueira-se na reentrância de um portão, chega à varanda do Bar, encosta
de imediato o cano na cabeça de outro sentado à mesa e dispara dois tiros
mortais. A vítima cai imediatamente entre familiares. Uma neta é levada pelo tio aos gritos traumatizada.
Não! Não é filme de gangues, nem
noticiário sensacionalista de televisão.
Nem é coisa das favelas estigmatizadas
do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Acontece na porta de nossa casa, em rua de
subúrbio da pequena cidade de 38.000 habitantes, Visconde do Rio Branco-MG.
Aqui mesmo, há pouco mais de um ano
veio a ter desfecho com morte de um casal a fuga e perseguição desde a Bolívia,
com passagem por Goiânia, São José dos Campos, Ponte Nova, Viçosa e,
finalmente, a estrada da zona rural de Santana onde os corpos tombaram sem
vida. Ela de Goiânia, onde a televisão noticiava minúcias da notícia que
atribuía o fato a ligações com o tráfico internacional de drogas.
Em 2006, a cidade recebeu a presença da
Polícia Federal, no encalço de aliados de Juvenil Alves, na formação de
quadrilha responsável pela Operação Castelhana.
A PF vasculhou empresas e caçou pessoas.
Os crimes, dentro da Operação, com ligações internacionais, foram atribuídos
a evasão de divisas, peculato, estelionato, falsidade ideológica, blindagem de
patrimônio de empresas. Aquela ação causou 1 bilhão de reais de prejuízo à
Receita Federal, conforme amplamente
divulgado na época.
Diante dos últimos acontecimentos, vêm
à lembrança casos contados como coisa distante o assassinato de um pai pelo
filho, e outro do filho assassinado pelo pai em uma das zonas rurais do
município. Todos ligados por ramos de
parentesco. Do mesmo modo, vão se
juntando os assaltos em casas lotéricas,
agência de correio, a morte a golpes de ferro de um idoso e um punhado cenas
violentas contadas no dia a dia, cada uma levada pouco a sério por quem não tenha sido envolvido como vítima,
e cai na banalidade.
Com toda certeza, o fator social é um
dos ingredientes desse clima de delinquência. Mas não é único. A formação da Quadrilha da Operação
Castelhana nada tem a ver com gente em má situação social. Pelo contrário, são privilegiados que talvez
tenham acumulado fortunas nas práticas criminosas.
No cerne da questão está a impunidade,
de uns porque pertencem ao grupo dos intocáveis por deterem grande poder
econômico, acumulado na cadeia de corrupção, diferente da cadeia de punição. De
outros por virem sendo protegidos desde a infância em seus delitos pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA).
Quem entrou cedo protegido no
mundo do crime, aprendeu, gostou, sentiu-se poderoso e não sabe viver fora
desse mundo. Algumas esparrelas, algumas
passagens nas celas de detenção servem para se especializarem, ganharem fama e “status”
na “parada”. Muitos desses, na cela
recebem melhor alimentação do que em casa.
Então, para eles “tanto faz”.
Assim,
a ala baixa do Crime Organizado tem sempre sobra de mão de obra. E, de qualquer
maneira, têm renda superior a um trabalhador, para eles considerado “otário”,
que recebe no fim do mês R$ 622,00, que não dão para a quarta parte nas suas necessidades.
Nesse contraste está a o motivo social.
Os criminosos do alto da pirâmide fazem
parte dos acumuladores da riqueza que faz falta aos trabalhadores, que precisam
do estímulo para poderem ter casa, comida, vestuário, educação, lazer, saúde,
previdência em quantidade e qualidade suficientes para alimentar sua auto-estima,
a cidadania, sem a angústia de serem forçados a aceitarem o pouco, como melhor
do que nada. E sem a humilhação de serem chamados de otários quando rejeitam o
convite dos marginais para participarem do seu grupo.
Para quem via a formação de Máfias
somente nas histórias de Al Capone ou da Cosa Nostra; ou assistia aos filmes de propaganda dos Estados
Unidos contra o Narcotráfico da Coreia, como estão fazendo agora sobre a
Bolívia – para justificar a invasão da Amazônia, é assustador ver cenas cruas em nossas ruas
outrora tranquilas.
Tudo teve começo por volta dos anos 70
do Século passado, quando a Ditadura Militar, a serviço do Império do Norte,
estimulou a penetração da droga na juventude daquela época, com o fim de conter
o ímpeto natural de uma geração indignada contra os abusos das torturas e do
arbítrio. Era o tempo do “Go home,
yanques!”. Aqueles jovens foram
induzidos a mudar de direção o seu protesto.
Passaram a se posicionar contra os costumes, as famílias, o trabalho, as
responsabilidades, a higiene. Mudaram o
conceito de “exploração do homem pelo homem”.
Prefiram participar dessa exploração, usufruindo aquilo que era fruto do
trabalho de seu semelhante que eles, em contradição, chamavam de “caretas”.
Os Ditadores usaram com os jovens o que
era o enunciado de outro que eles combatiam: “Antonio Gramsci, que disse: "Não combata os tanques e
nem atire nos soldados, CORROMPA AS MENTES"..
Aqueles jovens estão com os cabelos brancos, ou carecas.
E deixaram para trás outros jovens. Alguns recusaram seus exemplos, outros
compõem o submundo deste cenário real de hoje, que não é filme, nem história em
quadrinhos, ou ficção policial. É o
nosso tecido social, que bate à nossa porta com a repercussão do que parecia
inusitado, ou entram sem pedir licença.
Muitos se auto proclamam “donos
do pedaço”. Eles também se dividem em
grupos rivais, nem sempre pacíficos. Às vezes trocam tiros que pegam os
transeuntes de surpresa.
O governo proibiu o porte
de armas. E faz campanha pela entrega pacífica a troco de uma simbólica
indenização. Mas esqueceu-se de avisar
aos grupos do Crime Organizado.
De repente, qualquer um de
nós poderá estar protagonizando uma dessas histórias, sem enredo prévio e sem
ensaio. E muito menos sem ser convidado.
Não há efeitos especiais e é tudo ao vivo.
Cedo é que tudo
começa. Se não há escola continuada para
os jovens carentes; se eles não podem ser corrigidos em seus erros, os
criminosos adultos são um produto do estado e desta sociedade de prioridade
para o ensino particular, em detrimento do público, que teria de estar ao
alcance de todos em todos os níveis.
Sem as mudanças
necessárias e urgentes, vamos continuar a ver a vida imitando a arte sem
efeitos especiais.
(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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