Zumbi dos Palmares é
mais importante do que o episódio da Abolição da Escravatura, por representar a
luta pela liberdade nos primórdios da escravidão, quando ainda estava longe de
surgir na sociedade colonialista o conceito da igualdade entre as raças. Os próprios cativos enfrentavam naqueles idos
de 1630 as sanhas dos senhores donos de terras, que se julgavam no direito de
tratar de maneira diferenciada e cruel os semelhantes considerados “peças” pela
simples razão da cor da pele.
Na formação dos Quilombos, os fugitivos
das senzalas realizavam sem armas uma revolução que forçava a reforma agrária
sem consciência ideológica, mas como objeto de sobrevivência e de emancipação
coletiva. Davam lições de socialismo,
nos seus agrupamentos, todos trabalhando para o grupo, de maneira solidária, na
simplicidade de quem não dispunha de teorias filosóficas, nem de escola de
grandes pensadores.
Os Quilombos tiveram o mérito de
estarem muito à frente de seu tempo, com lição do trabalho de cada um para o
bem de todos, sem a chaga da exploração de uns pelos outros, como faziam os
colonizadores, que comiam a carne de seus servos, mas não roíam seus ossos.
As lutas duraram até o fim do Século
XXVII. Zumbi foi morto por Domingos Jorge Velho em 1695, aos 40 anos de
idade. Sua cabeça, cortada e salgada,
com o pênis na boca, ficou exposta em praça pública como forma de o governador
de Pernambuco Caetano de Melo e Castro agradar
ao Rei de Portugal. Esse governador descreveu assim a cena de terror: "Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar
mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e
atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que
entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares."
Era
a demonstração perversa, desde aquela época, da maneira como a Coroa tratava os
rebelados.
Tratamento
semelhante receberam Felipe dos Santos e Tiradentes, entre outros, ao longo de
nossa história. Se vieram os
abolicionistas, deixaram de fazer o mais necessário para reparo parcial desse
período sórdido: a reforma agrária, com escola para os negros libertos, a fim de que tivessem meios de sobreviver e conhecimentos que os habilitassem a
conquistar oportunidades iguais no desenvolvimento da sociedade.
Depois
da “Abolição”, ao invés de remunerar os ex-escravos pelo seu trabalho, os
colonialistas abriram o país à imigração estrangeira. Os imigrantes fizeram aumentar
a oferta da mão de obra, e tinham
preferência sobre os negros no trabalho remunerado. A estes restou a mendicância e a
marginalização. Por trabalhos iguais, os
não negros sempre foram melhor remunerados. Essa diferença de tratamento
caracterizou a discriminação que perdura até hoje. Por receberem menos pela
mesma tarefa, nunca puderam manter estudos que melhorassem sua condição
social. O conjunto desses fatores
resultou na nossa realidade: negros são metade da nossa população. Mas não
estão presentes na mesma proporção nos empregos públicos, nas escolas, nos
escritórios, no poder.
Quando
hoje se luta por cotas nas universidades, há dúvida se esta é a melhor maneira
de se corrigir uma injustiça histórica. Poderá estar acontecendo reversão de
preconceito. No futuro, à medida que os primeiros cotistas forem concluindo sua
formação acadêmica, poderão ser vistos como pessoas de capacidade inferior, e
que tenham alcançado tal condição pelo benefício da cota, e não por
conhecimento adequado. Será a
possibilidade de um médico negro deixar de gozar a confiança do cliente por
causa da cor da pele.
A
sociedade, através de seus governantes, teria de corrigir a injustiça melhorando
sua condição social: oferta de trabalho com remuneração igual para todos, desde
que exerçam a mesma tarefa; escola gratuita em todos os níveis. Somente o conhecimento e a educação
libertam. Não adianta a cota para
adquirir um diploma, sem habilitação correspondente. Há muita faculdade particular que funciona como indústria de diploma.
Nós
estamos vendo hoje no Supremo Tribunal Federal uma coisa e outra. A Corte
formada por 11 membros tem somente um negro(Joaquim Barbosa). Sem depender de cota, ele está empolgando a
nação com sua demonstração de competência, coragem e honradez.
Se
houvesse igualdade de oportunidades para adquirir conhecimento, o STF poderia
contar com pelo menos a metade de gente de cor. O problema é social.
Para
o povo não há diferença diante de pessoas bem sucedidas em qualquer carreira.
Nas artes, no esporte, na vida pública.
Vemos genialidade dos negros até aqui mais nas atividades que não
dependem de formação acadêmica que o sistema capitalista coloca fora do alcance
de quem não tem renda. No futebol, os
ídolos estão bastante divididos entre brancos e negros: Pelé e Zico são os
melhores exemplos do passado. Neimar e Wagner Love no presente. Na música
tivemos Ataulfo Alves, Lamartine Babo, Roberto Carlos, Gilberto Gil, em
significativa mistura de raças a revelar que inteligência não tem cor. A diferença está nos olhos de quem vê.
Estaremos
próximos de uma sociedade justa, quando houver igualdade de oportunidades para
se adquirir conhecimentos.
(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@mail.com)
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