A voz em Congonhas anunciou:
"Clientes com necessidades especiais,
crianças de colo, melhor idade, gestantes e portadores do cartão tal terão
preferência etc.".
Num rápido exercício intelectual, concluí que, não tendo necessidades especiais,
nem sendo criança de colo, gestante ou portador do dito cartão, só me restava a
"melhor idade" - algo entre os 60 anos e a morte.
Para os que ainda não chegaram a ela, "melhor idade" é quando você
pensa duas vezes antes de se abaixar para pegar o lápis que deixou cair e, se
ninguém estiver olhando, chuta-o para debaixo da mesa. Ou, tendo atravessado a
rua fora da faixa, arrepende-se no meio do caminho porque o sinal abriu e agora
terá de correr para salvar a vida. Ou quando o singelo ato de dar o laço no pé
esquerdo do sapato equivale, segundo o João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade
olímpica.
Privilégios da "melhor idade" são o ressecamento da pele, a osteoporose,
as placas de gordura no coração, a pressão lembrando placar de basquete
americano, a falência dos neurônios, as baixas de visão e audição, a falta de
ar, a queda de cabelo, a tendência à obesidade e as disfunções sexuais. Ou
seja, nós, da "melhor idade", estamos com tudo, e os demais podem ir
lamber sabão.
Outra característica da "melhor idade" é a disponibilidade de seus membros para tomar as montanhas de Rivotril, Lexotan e Frontal que seus médicos lhes receitam e depois não conseguem retirar.
Outro dia, bem cedo, um jovem casal cruzou comigo no Leblon. Talvez vendo em mim um pterodáctilo da clássica boemia carioca, o rapaz perguntou:
"Voltando da farra, Ruy?".
Respondi, eufórico:
"Que nada! Estou voltando da farmácia!".
E esta, de fato, é uma grande vantagem da "melhor idade": você extrai prazer de qualquer lugar a que ainda consiga ir.
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