quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Mensalão em Visconde do Rio Branco


                  

         O Mensalão sempre existiu em Visconde do Rio Branco, embora ainda sem ter recebido esse nome de batismo. Afinal era a sua forma, o seu significado, os fins e os meios usados para alcançá-los. 

         Desde talvez as origens do processo eleitoral, quando a população essencialmente rural era “organizada” nos terreiros das fazendas para ser transportada “de graça” com destino aos pátios das empresas onde se serviam lanches também “de graça” para os bem tratados eleitores.  De barriga cheia, recebiam as cédulas dos serviçais dos “coronéis”, que deveriam ser depositadas nas urnas, nos processos primitivos da forma de votação. E essa alimentação era servida em “mesas”, em torno das quais a nossa gente miscigenada tinha seu dia especial de muita atenção, carinho, abraços, tapinha nas costas, sorrisos.
 
- Como vão papai, mamãe, estão bem?  E as crianças estão crescidinhas?

          Nessas ocasiões, cortadores de cana, capinadores, carreiros, candeeiros de bois se sentiam gente importante, porque “o dotô me viu, falô comigo..... falô com nóis tudo que tava lá.... e votemo do mode que ele explicô...  tudo diritim...”   

          O meio de transporte eram caminhões cheios de gente acostumada a andar a pé e que gostava de aproveitar aquele dia para passear na cidade.

          (O curioso é que na Semana Santa todo mundo vinha à cidade de bicicleta, charrete, a cavalo, a pé.  Ninguém dependia de condução “de graça”, nem lhes era oferecida.)

          Algumas pessoas ganhavam também dinheiro, qualquer coisa que desse para tomar uma pinga ou comprar uma bugiganga.
         
          Com o passar do tempo boa parte da população rural mudou-se para a cidade, e o transporte evoluiu para os automóveis, mais confortáveis e que traziam menos pessoas de cada vez.  E esses veículos particulares ou de aluguel ficavam o dia inteiro por conta de partidos e dos chefes políticos no transporte de eleitores dos bairros para os “currais eleitorais”, nos pátios das empresas ou nos quintais dos caciques.  E dali levavam gentilmente para os locais de votação concentrados na Praça 28 de Setembro, e em seu  entorno: prédios públicos, como grupo escolar, escola normal, prefeitura, institutos de aposentadorias e pensões e outros....

         A condução para ir votar todos “ganhavam”.  Mas, para voltar para casa, neca, seu Zeca!

         Esses favores eram proibidos por lei.  Poucos se davam conta disto, ou faziam ouvidos moucos, porque era instrumento comum das correntes adversárias.  Até que alguns perdedores começaram a reclamar na Justiça o transporte ilegal de eleitores.
 
Veio a ideia de colocar urnas mais perto dos votantes  para evitar o transporte.  E colocaram seções eleitorais no Barreiro, no Bairro de Lourdes e na zona rural de Santa Maria.  Foi como o marido da mulher infiel que tira o sofá da sala. As mesas dos pães com salame e refrigerantes continuaram em locais reservados. Não tão reservados assim. 

Uma vez um grupo descontente com os currais levou o juiz eleitoral ao pátio de uma empresa na esperança de dar flagrante sobre os infratores da lei.  O Juiz lanchou, e disse não ver caracterizado ‘aquilo’ como “curral eleitoral”, no interior de uma empresa.  E a eleição, como sempre, era em um domingo ou feriado.

Na apuração daquelas eleições, os seguranças da mesma empresa do curral foram os mantedores da ordem no clube onde se processaram as apurações, como se fossem forças do estado, e usavam uniforme da própria empresa e de arma na cintura.
  
Depois desse tempo, a legislação permitiu às pessoas jurídicas – empresas – contribuírem para o financiamento das campanhas eleitorais.  Isto facilitou mais ainda ao capital privado dominar as eleições e chegar ao poder.  

Se antes se compravam de maneira sutil os eleitores, a partir de então, os eleitos já passaram a tomar posse comprados.  Não por acaso, empreiteiras de obras públicas passaram a atuar objetivamente nesses financiamentos.  E chegou-se ao ponto do escândalo que o Supremo Tribunal Federal está dando imagem oficial ao que tudo mundo já sabia: os próprios parlamentares e seus partidos estão trocando votos e apoio por uma “mesada” maior, simbolizada no comando de ministérios e outros cargos do executivo.

          Notem a evolução semântica do termo mensa do Latim.  As mesas retangulares ou redondas onde se reúnem os caciques para traçar estratégias de poder e domínio. As mesas dos comestíveis nos currais eleitorais.  O pagamento de 30 dias de trabalho mensal.  A compra do voto do eleitor e a compra do apoio do eleito Mensalão. 

          Em 2004, uma corrente política que estava em vias de ficar colocada em terceiro lugar no resultado das urnas, saiu pelos armazéns dos bairros a pagar cadernetas de fiado dos fregueses a troco de votos. Entre os donos de armazéns ou supermercados e os “benfeitores” políticos há sempre uma mesa de negócios.  Na mesma linha de ação, passou a distribuir cestas básicas nas últimas madrugadas em véspera do pleito com o mesmo objetivo.  É um modo  de suprir as mesas dos pobres uma vez em cada quatro anos.  E mantê-los carentes durante todo esse tempo, para usar essa carência eternamente como dependência. 

           Conta-se que um cacique local usara esta expressão: 

          - O povo da minha terra é galinha do meu terreiro. Quando eu quero, é só jogar o milho, que todos vêm à minha mão.

O sistema do Grande Capital faz por conservar a carência da população em relação às mesas escolares, para evitar que essa população adquira conhecimentos maiores e raciocínio capazes de mostrar a sua permanente manipulação.
 
Muitos pais remuneram filhos com determinada mesada conforme seu comportamento, suas notas escolares, seu desempenho em qualquer atividade que corresponda aos resultados desejados.

A urna eletrônica eliminou muito papel, inclusive o comprovante físico do voto que poderia ser recontado em caso de suspeita de fraude.  A fraude, entretanto, não foi eliminada porque ela não está na máquina, mas no espírito das pessoas que a processam ou mandam processar.  E a fraude continua nas cestas básicas, na doação de material de construção, nas ações de improbidade administrativa no poder ou fora dele.

Da mesma forma que age o marido da mulher infiel que tira o sofá da sala, e não elimina a infidelidade da mulher; da mesma forma que o governo desarma o cidadão, mas não desarma o seu espírito – o sistema eleitoral cria um cipoal de normas para eliminar a fraude, mas não elimina a fraude no espírito das pessoas....  a mulher continua infiel em outro lugar;  o assassino continua a matar com qualquer ferramenta ou asfixia com as próprias mãos; e a fraude eleitoral vai continuando com a criatividade dos criminosos de colarinho branco, que formam quadrilhas nos municípios, bandos nos estados e máfias na federação.

E os membros dos poderes executivo e legislativo continuam reféns dos financiadores de campanha para as licitações fraudulentas, que abrem os cofres públicos para  obras, compras de material e demais ações de manutenção da máquina pública superfaturadas,  e as farras de seus agentes.

Assim, vamos vendo derreter fornos de metalúrgicas construídos com tijolos de gelo sobre as cabeças e corpos dos contribuintes lesados em seus direitos e enforcados em seus deveres.

Mensa – mesa – mesada – mensalidade – Mensalão.

(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)

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