O Mensalão sempre existiu em Visconde
do Rio Branco, embora ainda sem ter recebido esse nome de batismo. Afinal era a
sua forma, o seu significado, os fins e os meios usados para alcançá-los.
Desde talvez as origens do processo
eleitoral, quando a população essencialmente rural era “organizada” nos terreiros
das fazendas para ser transportada “de graça” com destino aos pátios das empresas
onde se serviam lanches também “de graça” para os bem tratados eleitores. De barriga cheia, recebiam as cédulas dos
serviçais dos “coronéis”, que deveriam ser depositadas nas urnas, nos processos
primitivos da forma de votação. E essa alimentação era servida em “mesas”, em
torno das quais a nossa gente miscigenada tinha seu dia especial de muita
atenção, carinho, abraços, tapinha nas costas, sorrisos.
- Como vão
papai, mamãe, estão bem? E as crianças
estão crescidinhas?
Nessas
ocasiões, cortadores de cana, capinadores, carreiros, candeeiros de bois se
sentiam gente importante, porque “o dotô me viu, falô comigo..... falô com nóis
tudo que tava lá.... e votemo do mode que ele explicô... tudo diritim...”
O meio de
transporte eram caminhões cheios de gente acostumada a andar a pé e que gostava de aproveitar aquele dia para passear na cidade.
(O curioso é
que na Semana Santa todo mundo vinha à cidade de bicicleta, charrete, a cavalo,
a pé. Ninguém dependia de condução “de
graça”, nem lhes era oferecida.)
Algumas
pessoas ganhavam também dinheiro, qualquer coisa que desse para tomar uma pinga
ou comprar uma bugiganga.
Com o passar do tempo boa parte da
população rural mudou-se para a cidade, e o transporte evoluiu para os
automóveis, mais confortáveis e que traziam menos pessoas de cada vez. E esses veículos particulares ou de aluguel ficavam
o dia inteiro por conta de partidos e dos chefes políticos no transporte de
eleitores dos bairros para os “currais eleitorais”, nos pátios das empresas ou
nos quintais dos caciques. E dali
levavam gentilmente para os locais de votação concentrados na Praça 28 de
Setembro, e em seu entorno: prédios
públicos, como grupo escolar, escola normal, prefeitura, institutos de
aposentadorias e pensões e outros....
A condução para ir votar todos “ganhavam”. Mas, para voltar para casa, neca, seu Zeca!
Esses favores eram proibidos por
lei. Poucos se davam conta disto, ou
faziam ouvidos moucos, porque era instrumento comum das correntes
adversárias. Até que alguns perdedores
começaram a reclamar na Justiça o transporte ilegal de eleitores.
Veio a ideia de colocar urnas mais perto dos votantes para evitar o transporte. E colocaram seções eleitorais no Barreiro, no
Bairro de Lourdes e na zona rural de Santa Maria. Foi como o marido da mulher infiel que tira o
sofá da sala. As mesas dos pães com salame e refrigerantes continuaram em locais
reservados. Não tão reservados assim.
Uma vez um grupo descontente com os
currais levou o juiz eleitoral ao pátio de uma empresa na esperança de dar
flagrante sobre os infratores da lei. O
Juiz lanchou, e disse não ver caracterizado ‘aquilo’ como “curral eleitoral”,
no interior de uma empresa. E a eleição,
como sempre, era em um domingo ou feriado.
Na apuração daquelas eleições, os seguranças da mesma empresa
do curral foram os mantedores da ordem no clube onde se processaram as
apurações, como se fossem forças do estado, e usavam uniforme da própria
empresa e de arma na cintura.
Depois desse tempo, a legislação permitiu às pessoas
jurídicas – empresas – contribuírem para o financiamento das campanhas
eleitorais. Isto facilitou mais ainda ao
capital privado dominar as eleições e chegar ao poder.
Se antes se compravam de maneira sutil os
eleitores, a partir de então, os eleitos já passaram a tomar posse
comprados. Não por acaso, empreiteiras
de obras públicas passaram a atuar objetivamente nesses financiamentos. E chegou-se ao ponto do escândalo que o
Supremo Tribunal Federal está dando imagem oficial ao que tudo mundo já sabia:
os próprios parlamentares e seus partidos estão trocando votos e apoio por uma “mesada” maior, simbolizada no comando de
ministérios e outros cargos do executivo.
Notem a
evolução semântica do termo mensa do
Latim. As mesas retangulares ou redondas onde se reúnem os caciques para
traçar estratégias de poder e domínio. As mesas
dos comestíveis nos currais eleitorais. O pagamento de 30 dias de trabalho mensal.
A compra do voto do eleitor e a compra do apoio do eleito Mensalão.
Em 2004, uma
corrente política que estava em vias de ficar colocada em terceiro lugar no
resultado das urnas, saiu pelos armazéns dos bairros a pagar cadernetas de
fiado dos fregueses a troco de votos. Entre os donos de armazéns ou
supermercados e os “benfeitores” políticos há sempre uma mesa de negócios. Na mesma
linha de ação, passou a distribuir cestas básicas nas últimas madrugadas em
véspera do pleito com o mesmo objetivo.
É um modo de suprir as mesas dos
pobres uma vez em cada quatro anos. E
mantê-los carentes durante todo esse tempo, para usar essa carência eternamente
como dependência.
Conta-se que um cacique local usara esta expressão:
- O povo da minha terra é galinha do meu terreiro. Quando eu quero, é só jogar o milho, que todos vêm à minha mão.
O sistema do Grande Capital faz por conservar a carência da
população em relação às mesas
escolares, para evitar que essa população adquira conhecimentos maiores e
raciocínio capazes de mostrar a sua permanente manipulação.
Muitos pais remuneram filhos com determinada mesada conforme seu comportamento, suas
notas escolares, seu desempenho em qualquer atividade que corresponda aos
resultados desejados.
A urna eletrônica eliminou muito papel, inclusive o
comprovante físico do voto que poderia ser recontado em caso de suspeita de
fraude. A fraude, entretanto, não foi
eliminada porque ela não está na máquina, mas no espírito das pessoas que a
processam ou mandam processar. E a
fraude continua nas cestas básicas, na doação de material de construção, nas
ações de improbidade administrativa no poder ou fora dele.
Da mesma forma que age o marido da mulher infiel que tira o
sofá da sala, e não elimina a infidelidade da mulher; da mesma forma que o
governo desarma o cidadão, mas não desarma o seu espírito – o sistema eleitoral
cria um cipoal de normas para eliminar a fraude, mas não elimina a fraude no
espírito das pessoas.... a mulher
continua infiel em outro lugar; o
assassino continua a matar com qualquer ferramenta ou asfixia com as próprias
mãos; e a fraude eleitoral vai continuando com a criatividade dos criminosos de
colarinho branco, que formam quadrilhas
nos municípios, bandos nos estados e máfias na federação.
E os membros dos poderes executivo e legislativo continuam
reféns dos financiadores de campanha para as licitações fraudulentas, que abrem
os cofres públicos para obras, compras
de material e demais ações de manutenção da máquina pública superfaturadas, e as
farras de seus agentes.
Assim, vamos vendo derreter fornos de metalúrgicas
construídos com tijolos de gelo sobre as cabeças e corpos dos contribuintes
lesados em seus direitos e enforcados em seus deveres.
Mensa – mesa – mesada – mensalidade –
Mensalão.
(Franklin
Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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