A CLASSE MÉDIA ESTÁ SENDO VÍTIMA DE SUA IDEOLOGIA
FLAVIO LYRA (*). Brasília, 25 de dezembro de 2012.
Frente à verdadeira avalanche destruidora de seu nível de vida gerada pelo o avanço do processo de globalização, as classes médias do mundo capitalista permanecem surpresas, atordoadas e incapazes de se organizarem politicamente em defesa de seus interesses. Desde logo, esse avanço deu-se sob a poderosa influência da onda ideológica constituída pelo ideário neoliberal, cuja essência é a maior entrega possível das decisões econômicas às forças livres do mercado e a redução ao mínimo do papel do Estado.
Com a deflagração da atual crise, em 2008, as primeiras vítimas do estouro da “bolha imobiliária” nos Estados Unidos e na Europa foram os infelizes adquirentes de casa própria que, iludidos com as facilidades de acesso ao crédito incorreram em dívidas impagáveis em face dos preços altamente inflacionados dos imóveis. Com a queda dos preços, ficaram as dívidas que, os bancos passaram a executar em massa, matando o sonho da casa própria e comprometendo as futuras rendas dos devedores.
De lá para cá, o problema só agravou-se, pois aumentou o desemprego e os que permanecem empregados são forçados a aceitar os salários declinantes, em termos reais. Para a salvação dos bancos, que se envolveram em operações de crédito, legais e fraudulentas, muito além do suportável, os governos foram obrigados a injetar vultosas cifras em seus caixas, que automaticamente se transformaram em grandes déficits fiscais.
Para ilustrar, veja-se o quadro atual da economia dos Estados Unidos em que Republicanos e Democratas se esmeram em reduzir o enorme déficit fiscal, mediante a eliminação de dotações do orçamento vinculadas a gastos na área social, sem terem em conta que estarão condenando as classes média e pobre a novas perdas de renda real e de qualidade de vida. Tudo isto, para manter incólumes as rendas dos mais ricos, que só têm aumentado, mesmo depois da crise. David Ruccio, em seu blog na Real-World Economic Review, em 03/09/11, mostra que nos Estados Unidos, entre 2002 e 2007, para um crescimento da renda disponível média de 3% ao ano, o estrato do 1% mais rico teve um crescimento médio de 10,1% e os 99% restantes de apenas 1,3%. Do crescimento total no período, o 1% mais rico apropriou-se de 65%.
Por sorte, grande parte dos países da America Latina, durante a primeira década deste Século, aproveitando a situação excepcional do mercado internacional de produtos primários, juntamente com a posta em prática de políticas sociais, conseguiu alcançar taxas satisfatórias de crescimento da produção e do emprego e, por esse meio, manter a renda real de sua classe média em expansão. Alguns destes países, entre os quais se inclui o Brasil, a Argentina, a Venezuela, a Bolívia e o Equador, introduziram mudanças significativas em suas políticas econômicas, de modo a melhorar a distribuição da renda e favorecer os segmentos mais pobres da população.
A temática comum do momento, tanto nos países centrais, quanto em nossos países, é a da escolha entre maior liberdade de mercado e maior intervenção do Estado. Nos países centrais, até agora, vem predominando a ênfase em maior liberdade de mercado, com as ações sendo dirigidas à redução do papel do Estado na economia, como forma de contenção dos déficits fiscais. As classes média e pobre nesses países já estão pagando um preço altíssimo pela opção realizada. As tentativas de resolver o problema com expansão monetária (“quantitative easing”) não estão produzindo resultado internamente e podem estar lançando as bases para uma futura onda inflacionária no mundo.
Vítimas da cegueira ideológica que domina a classe média, movimentos políticos como o Tea Party, nos Estados Unidos, posicionam-se contra seus próprios interesses, ao defenderem a redução da intervenção do Estado na economia em nome da liberdade de mercado, o que leva os mais ricos a não pagarem impostos de acordo com sua capacidade contributiva.
No Brasil, a classe média vem adotando uma conduta semelhante. Sob a influência da grande imprensa tem passado a condenar abertamente a maior intervenção que o governo vem realizando na economia, supondo que com maior liberdade de mercado será possível aproveitar melhor o potencial produtivo do país, bem como diminuir a corrupção, que associam à presença de um estado forte. Essa atitude encontra apoio na suposição equivocada de que na atual etapa de nosso desenvolvimento, os interesses da classe média estão em contradição com os da população mais pobre e que uma maior participação do Estado na economia, sob o comando de lideranças ligadas às forças populares, levará a mais gastos sociais financiados com o aumento da tributação da classe média.
Ora, maior liberdade de mercado num país ainda pouco desenvolvido como o nosso, em um mundo dominado por grandes corporações internacionais, somente vai aprofundar a adaptação passiva de nossa estrutura econômica ao mercado internacional. O processo de desindustrialização que estamos sofrendo, com o aumento da participação de produtos primários em nossa pauta de exportação, sintoma desse tipo de ajustamento passivo, não assegura que possa melhorar a capacidade de nossa economia para crescer de modo sustentável e avançar tecnologicamente. Os dois últimos governos, através de maior intervenção estatal, vêm buscando exatamente reverter essa tendência, influenciando na escolha dos setores onde investir e no aprofundamento da capacitação tecnológica.
Maior intervenção estatal através de políticas sociais só, à primeira vista, pode prejudicar a classe média. A incorporação dos segmentos populares ao consumo de massa é a forma mais segura e eficiente de ampliar as oportunidades de investimento na economia e propiciar a dinamização do crescimento, o que retorna em termos de aumento de renda e oportunidades de trabalho em favor da classe média. Caso contrário, a classe média vai sofrer vai estar sujeita ao mesmo tipo de deterioração de sua renda real que está sofrendo nos países em que as grandes corporações internacionais comandam o processo de crescimento.
Em síntese, no atual contexto de uma economia internacional controlada por grandes monopólios privados, sediados em economias centrais em profunda crise, com a existência de grande capacidade ociosa de instalações modernas, deixar as decisões econômicas de um país ainda em desenvolvimento entregues às forças do mercado só pode prejudicar seu potencial de expansão econômica e avanço tecnológico.
Se assim chegar a ser, os segmentos produtivos que vão continuar se expandido serão os que interessam diretamente ao mercado internacional e aos grandes monopólios. Por exemplo: o agronegócio, o setor mineral e os bancos. Certamente, seus proprietários vão expandir os negócios e acumular riqueza, exportando produtos primários para industrialização no exterior, mas muito pouco será feito para a constituição de uma estrutura econômica dinâmica, que gere empregos de qualidade nas zonas urbanas e que responda aos interesses da maioria da população.
Os membros da classe média brasileira que se mostram simpáticos aos argumentos em favor de maior liberdade das forças de mercado e da redução do papel do Estado na Economia, não percebem que estão indo na contramão de seus próprios interesses. Na ânsia de combater as forças populares e seus governos, somente estão contribuindo para o fortalecimento das forças políticas que defendem maior subordinação às forças de mercado o que, em outras palavras, significa aumentar a dependência externa e perda de autonomia nacional para levar adiante uma política econômica que permita mobilizar o potencial produtivo do Brasil em favor da maioria de sua população.
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