quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

EDUCAÇÃO - Sayonara(QUARAÍ-RS) - Por que competências e habilidades, hoje?




....Por isso, segundo Piaget, o método pedagógico que promove a cooperação é mais construtivo do que um método que não a promove. Sem cooperação é muito difícil construir alguma coisa.


Continuação:

Um tabuleiro chamado escola



No tabuleiro chamado escola, a organização espacial das atividades pedagógicas é fundamental. Onde estão os materiais? Onde acontecem as atividades? Como é que um acontecimento se relaciona com outro do ponto de vista espacial? Quais são os deslocamentos proibidos e permitidos? Como se organizam os deslocamentos dos alunos na escola? Como é que se delibera sobre isso? Como é que se constroem e se administram as regras na escola? 

As questões formuladas acima e tantas outras que se poderiam fazer encaixam-se no tema gestão da sala de aula.

Infelizmente, há professores que são "maus gerentes" na sala de aula, apesar de seu conhecimento dos conteúdos. Não sabem administrar o tempo, nem o espaço das atividades, selecionam mal os objetos. Gastam muito tempo em uma atividade, depois não têm tempo para outra, igualmente importante. Não sabem dosar o conteúdo. Falta-lhes competência relacional. Hoje, espera-se que o professor seja um gerente, um gestor da sala de aula. E uma das grandes queixas dos professores é que não se sentem competentes para isso. Dizem não saber administrar o tempo da aula, os ritmos dos alunos, a narrativa desse acontecimento, com suas paradas, obstáculos, com seu desenrolar, com seus imprevistos. Falta-lhes, insisto, competência relacional.

De fato, localizar a questão espacial e temporal, bem como a seleção de materiais como orientação didática é reconhecer que a gestão de sala de aula é tão importante quanto o domínio dos conteúdos que se ensinam, porque a aprendizagem desses conteúdos depende da qualidade dessa gestão. Por isso, hoje, a avaliação tornou-se também relacional, no sentido de que se refere a um instrumento que possibilita qualificar, regular para mais ou para menos, os diferentes aspectos a serem considerados na dinâmica da sala de aula.

A competência relacional é muito importante em uma visão construtivista do processo de aprendizagem escolar. Para essa visão, a interação caracteriza-se por trocas que podem gerar, por sua própria realização, uma tensão, uma perturbação. 

Voltando ao tema acima comentado, a administração do tempo na sala de aula é um bom adversário da transmissão de conteúdo. Como explicar em vinte minutos certo tema, incluindo aí questões ou dificuldades dos alunos em acompanhar a explicação? Na visão construtivista, como em termos de competência relacional, não interessa o que marca as diferenças, mas o que as coordena. Há outras formas de interação em que o interessante é o que afasta, dificulta. Não o que, reconhecendo o impasse, constrói formas de convivência ou superação. Por isso, justificar que faltou tempo para dar uma aula eficiente não é uma boa razão, pois os limites do tempo já estavam lá. Como dar uma "mesma aula" em cinco minutos, cinco meses, cinco anos? O desafio, do ponto de vista relacional, é como comunicar, em um desses tempos, algo que seja pertinente e interessante sobre o assunto. Esse é o desafio em uma perspectiva relacional.

Quando só se dispõe de dez minutos para expressar algo significativo em uma relação, como bem aproveitar esse tempo? Se alguém é significativo ou representa algo significativo para nós e esse alguém está para morrer nos próximos dois meses, o que pode ser feito? Nem sempre se tem vinte anos para estar com alguém, às vezes são apenas vinte minutos. O que fazer ou dizer que seja significativo de um ponto de vista humano, relacional? Uma coisa é valorizar o que falta, aquilo de que não se dispõe, outra é valorizar o que pertence a ela, é possível, pois, estar dentro da relação.

Competência relacional é um convite para considerar a multiplicidade dos aspectos que possibilitam o ser, ou não, de algo. Penso que somos ainda muito marcados pelas duas outras formas de competência (a relativa ao sujeito e ao objeto). 

Ainda nos é difícil, mormente para certos conteúdos e em certos contextos, considerar o que é comum, o que respeita mutuamente os diferentes aspectos de uma situação. Ainda nos é difícil aceitar o "melhor argumento", aquele que produzido em um contexto relacional resulta da contribuição de todos, ainda que em diferentes proporções ou formas, e que não decorre de competência expressa de um único sujeito ou único objeto.

Tomemos como exemplo, uma discussão em sala de aula sobre os diferentes resultados para uma mesma conta e os argumentos ou procedimentos que as crianças utilizam para justificar ou produzir tais resultados. O melhor argumento, o melhor procedimento (no sentido aritmético), mesmo que produzido por um único aluno, há de ser considerado como produção coletiva, como acordo tirado de uma discussão em que todos de algum modo contribuíram para ela.

O que é comum a diferentes formas de calcular? Como decidir pela melhor forma e tornar seu argumento ou procedimento compreensível, aceitável, para aqueles que utilizaram outras formas? Como reunir as diferenças em favor de algo comum? Ou seja, há diferenças que separam, há diferenças que aproximam. Na competência relacional, são as diferenças possíveis de serem integradas, coordenadas, não importa em que nível, que interessam.

Em uma sala de aula, todos podem, de algum modo, contribuir. Mesmo aquele que fala ou realiza algo muito discrepante ou sem sentido pode ajudar. O problema, de natureza relacional, é como incluir sua participação. Ou seja, a questão é como aproveitar uma expressão humana em favor de algo que é superior a ela. Insisto, o melhor argumento nunca vem só de um lado, nunca é exclusivo das qualidades excepcionais de um sujeito ou objeto. A competência relacional é, por isso, um convite para esquecermos nossa arrogância, para deixarmos de ignorar os ignorantes, os excluídos, os que muitas vezes só podem contribuir de uma forma negativa, perturbadora, desajeitada.

Mas, essa qualidade de pensar de forma relacional supõe autonomia, cooperação, supõe a coordenação de valores que exigem tempo para sua construção.


* Diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, autor da Matriz de competência do ENEM.
- Seminário ENEM - 1999




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