sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

As exéquias de um poder sem compostura


BLOG DO PEDRO  PORFÍRIO



As exéquias de um poder sem compostura

A volta de Renan à Presidência mostra que o Senado é mais do que inútil: é perigosamente trapalhão


“Esta é uma eleição que ainda não tem candidato e já tem o eleito. Lembra as antigas eleições comandadas pelos coronéis de interior, com a diferença que os eleitores são senadores. O que joga a culpa sobre os eleitores”.
Senador Cristovam Buarque, em comentário sobre nossa matéria Retrato Pálido de um Congresso sem Pudor.

Como  não há tantos como Cristovam, o Senado perde a razão de existir
(Clique na foto para vê-la maior)
Todo mundo conhece a fábula do escorpião que picou o sapo na travessia do rio, causando o afogamento dos dois:
- É da minha natureza, admitiu.

Nossa classe política parece indiferente à letalidade do seu desgaste, com um agravante explosivo: a perda da dignidade das casas legislativas afeta e fragiliza esse arremedo de sistema democrático, que, apesar de tudo, consagra o dito popular: ruim com ele, pior sem ele.

Nos últimos dias, a mídia tem sido farta em revelações que expõem os futuros presidentes do Senado e da Câmara como  emblemas da delinquência política. No caso do sr. Renan Calheiros, é só rever tudo o que se apurou a seu respeito e que o levou a renunciar ao cargo para o qual vai retornar gloriosamente numa articulação que levou o senador Cristóvam Buarque, da plêiade de raridades em extinção, à comparação aos piores hábitos no processo de escolha política.

O documento do senador pedetista é uma peça para a história do parlamento brasileiro, embora a tendência seja o desprezo da esmagadora maioria dos seus pares  ante ponderações tão ousadas e marcantes. De tal pequenez é o perfil dos senadores que paira sobre  as cabeças mais otimistas a amarga sensação do tempo perdido. Essa casa está tão bestializada que o retrato capturado por Cristovam parece compor as exéquias de um poder  sem compostura.


Claro que ele não está tão solitário quanto deseja a quadrilha de reincidentes que vai  homologar sem discutir, sem ponderar, sem avaliar, aquele que é o mais desqualificado para estar à frente de uma casa legislativa federal.

Conhecido por sua lucidez, o senador Pedro Simon foi na veia:
— Eu acho que o Congresso tinha de achar um nome. O Renan já foi presidente do Senado e em meio a um processo de cassação ele renunciou à Presidência para não ser cassado. Não seria a hora de um nome como o dele. Seria o momento de o PMDB apresentar um nome que integrasse todo mundo. Se for ele, eu não voto nele — afirmou.
E mais:
— O que se quer, dentro do possível, é fazer um movimento de Congresso revigorado. O manifesto do Cristovam Buarque é uma proposta muito clara de mudança.

Eu vou mais longe, com todo respeito a próceres como Cristovam e Pedro Simon. A meu ver, o Senado não tem mais jeito. É o supra-sumo da indecência, a começar pela fórmula marota como pendura os suplentes, nos quais votamos compulsoriamente sem mesmo saber quem são, e pela injunção peculiar que permite que votemos ao mesmo tempo em dois  senadores.

Sobre essa casa que passou da explícita inutilidade aos abusos que  prejudicam de forma letárgica o tripé dos clássicos poderes,  tenho escrito  de quando em vez, lembrando que na maioria dosa países o sistema parlamentar é unicameral.

Em 24 de junho de 2009, escrevi Não se Iluda, o Senado é um Caso Perdido.Depois de apontar suas mazelas estruturais, disse com todas as letras:
Para que serve afinal essa casa que se lastra na anacrônica “representação dos Estados”, um estratagema velhaco que foi buscar razão de ser nas priscas eras, como se o Brasil não fosse de fato um regime unitário, com a União arrecadando e repassando a parte gorda dos tributos? Dispensam esse pleonasmo países como Portugal, Grécia, Suécia, Dinamarca, Islândia, Venezuela, Finlândia, Turquia, Israel, Síria e Noruega, de um total de 112 que têm parlamentos unicamerais, contra 75 que ainda conservam a duplicidade, alguns destes com poderes restritos, como na Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Bélgica, e Índia. Para você, que não é obrigado a manjar de todos os sofismas políticos, parece que a existência de duas casas do Legislativo – que, ao contrário dos Estados Unidos, só ocorre no plano federal – é condição pétrea do sistema democrático representativo. Nos Estados Unidos, ressalve-se, o Senado veio primeiro, após a guerra da independência, por iniciativa dos líderes das 13 ex-colônias, que mantinham (e mantêm) autonomias reais, configurando uma federação de fato e de direito. Estudos da própria (e competente) Consultoria Legislativa do Senado apontam: na Europa, berço da civilização democrática, há 30 países unicamerais para 17 bicamerais; na Ásia milenar, 23 unicamerais para 16 bicamerais; na África, 33 unicamerais para 19 bicamerais; na Oceania, 11 unicamerais para 3 bicamerais. Só nas Américas, ainda pela influência norte-americana, o número de bicamerais é maior: 20 contra 15 unicamerais.
Essa restauração do “império Renan” reforça a minha convicção de como é desnecessário essa “câmara alta” do sistema bicameral, agora magistralmente exposto no manifesto do senador Cristovam Buarque.





Manifesto de Cristovam ou o último suspiro do Senado


"A principal causa da perda de credibilidade do Senado é consequência de nosso comportamento e nossa ineficiência. Nos últimos anos o Senado tem acumulado posicionamentos que desgastaram sua imagem perante o povo brasileiro, especialmente pela falta de transparência, pela edição de atos secretos, pela não punição exemplar de desvios éticos e pela perda da capacidade de agir com independência".





O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) elaborou um documento com uma espécie de plano de trabalho para o próximo presidente do Senado. Ele sugere medidas a serem aplicadas para aumentar a transparência da Casa, que nos últimos anos tem sofrido com seguidas denúncias de irregularidades.
Seu manifesto, endossado por um número muito pequeno de colegas, é o que se pode chamar uma receita extrema para um organismo terminal.  Certamente, ficará no limbo  da impotência dos raros políticos decentes que tentam evitar a débâcle da instituição parlamentar.
Mas servirá também como uma peça para a história. Se o Senado consumar a tragédia do retorno de um delinquente que renunciou à Presidência para não ser cassado, ninguém poderá alegar que todos se omitiram, que ninguém avisou.

Veja a íntegra do manifesto que o senador Cristovam Buarque escreveu:

"Uma nova presidência e um novo rumo para o Senado

Nossa Constituição prevê a igualdade entre os três Poderes da União. Mas os últimos anos mostram que o Parlamento tem sido um poder menor. Pela submissão a Medidas Provisórias, com o Executivo usando este instrumento em assuntos sem emergência, aprovando-as sem debate e em prazos vergonhosamente curtos, passando por cima das normas.
Pela judicialização da política, com a clara intervenção da Justiça, impondo legislações e contestando decisões tomadas no Parlamento, muitas vezes respondendo a iniciativas dos próprios parlamentares descontentes com o resultado das votações.
Mas, a principal causa da perda de credibilidade do Senado é consequência de nosso comportamento e nossa ineficiência. Nos últimos anos o Senado tem acumulado posicionamentos que desgastaram sua imagem perante o povo brasileiro, especialmente pela falta de transparência, pela edição de atos secretos, pela não punição exemplar de desvios éticos e pela perda da capacidade de agir com independência.
Os últimos dias de 2012 mostraram claros exemplos disto.
A opinião pública (e nós próprios senadores) ficou perplexa com nossa inoperância ao saber que temos 3.060 vetos presidenciais sem serem analisados ao longo de quase duas décadas; e indignada com nossa ridícula tentativa de organizar a votação de todos estes vetos em uma tarde, como forma de passar por cima de decisão do Supremo. Mostramos uma cara de ineficiência por décadas e de ridículo em uma tarde. Passamos a ideia de estarmos brincando com a República de uma maneira incompetente e inconsequente, tanto seja por decisão política dos líderes da Casa, seja por análises frágeis de nossa consultoria jurídica.
Mais uma vez encerramos as atividades legislativas sem votar o orçamento para o ano fiscal que se inicia em 1º de janeiro. A população será a principal prejudicada e os motivos para o adiamento não se tornaram explícitos para aqueles que sustentam nossos mandatos.
Depois de três anos de prazo dado pelo Supremo, não conseguimos definir o funcionamento do Fundo de Participação dos Estados, jogando as finanças dos Estados em um abismo. Este fato se reveste de maior gravidade quando lembramos a essência da existência de um Senado em nossa República, ou seja, mostramos falta de zelo com o federalismo cooperativo inscrito na Carta Magna e penalizamos as unidades federadas mais frágeis, contribuindo para permanência das enormes desigualdades territoriais.
Nos mesmos dias ainda passamos pelo ridículo, inoperância e suspeitas ao terminamos vergonhosamente a CPI do Cachoeira. O fim melancólico da CPMI, com um relatório de duas laudas e nenhum indiciamento, passou a idéia de que prevaleceu o espírito de corpo do nosso parlamento, o que teria escondido debaixo dos tapetes escândalos que maculam nossa imagem.
Cabe lembrar o constrangimento de que a Administração do Senado passou anos cometendo o equívoco de não descontar Imposto de Renda de parte do salário dos senadores e, ao ser surpreendida pela Receita Federal, decidiu pagar com recursos públicos, o que era dívida pessoal de cada senador, embora provocada por erro da Administração da Casa. Todos sabemos que nosso comportamento no dia a dia não está bem.
Nossos plenários vazios, nossos discursos apenas para a televisão, a falta de debates de ideias e de propostas mesmo nas Comissões, o voto com o corpo – “os que estiverem de acordo permaneçam como estão” – sem o compromisso de pronunciamento ou com a cobertura do voto secreto. Tudo isso exige que a eleição de um novo presidente seja feita com debates entre nós senadores para, antes da eleição sabermos quais as propostas do novo presidente para recuperar a eficiência e a credibilidade do Senado, ajudando a recuperar a de todo o Parlamento.
Mas não é isso que se vê.
Ao contrário, saímos para o recesso, cada um em seu Estado, sem saber quais seriam os candidatos (diferentemente dos Deputados que há meses estão no processo eleitoral para escolha de seu próximo presidente). Voltaremos apenas para ratificar o nome, nomeado sem apresentar qualquer proposta que mude o nosso funcionamento. Votaremos como os eleitores que iam às urnas na Primeira República, levando a cédula sem conhecer o nome do candidato escrito nela pelos antigos Coronéis de Interior. Diante disto, o mínimo que nós, como eleitores, podemos fazer é apresentar sugestões para serem debatidas e, se aprovadas, postas em prática no Senado, sob a coordenação do novo presidente. É neste sentido que apresentamos abaixo algumas idéias que podem permitir transformar as próximas eleições em momento de reflexão sobre mudança de rumos na administração e no funcionamento da Casa.
1. Fazer um esforço para que em poucas semanas o Senado se reúna em sessões ordinárias de segunda a sexta, para limparmos a pauta de assuntos importantes tais como:
a) os vetos presidenciais.
b) a reforma política.
c) o código civil.
d) reformas no regimento e na estrutura do Senado.
e) as relações com os demais poderes, inclusive como tratar as MPs e como evitar a judicialização da política.
f) o novo Plano Nacional de Educação, que já tramita há dois anos no Congresso Nacional.
g) a revisão dos critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados.
h) criar um funcionamento que impeça o rolo compressor nas votações, reconhecendo opiniões pessoais, partidárias e de blocos minoritários.

Além da mostra de eficiência, esta presença dos senadores em Brasília daria um salto no exercício parlamentar, que exige a convivência entre os pares. Com a atual semana de dois dias e meio de presença em Brasília e os outros de trabalho nas bases, há muitos senadores que passam todo o mandato sem ter conversado uma única vez com quase todos seus pares, portanto, sem pleno exercício da atividade parlamentar, por falta de tempo para debate. Neste período de esforço, o tempo de “parlamentação” triplicaria graças às horas de convivência.

2. Uma reforma no funcionamento da Consultoria Jurídica, para dar-lhe mais competência e mais independência, de maneira a impedir os erros recentes seja por desconhecimento das Leis, como nos casos do IR e dos vetos; seja porque a administração política não está respeitando a opinião técnica dos consultores.
3. Definir um sistema de votação, nas Comissões e no Plenário, que exija a manifestação explícita do voto de cada um.
4. Assegurar cumprimento dos prazos regimentais, de maneira a evitar o constrangimento de termos PLS’s e análises de Vetos engavetados por longos anos, seja por falta de indicação de relator, por demora na apresentação do respectivo relatório em espera de encaminhamento pela Mesa.
5. Reduzir o número de comissões, aglutinando-as por temas afins, de maneira que os senadores possam estar de fato presentes nas reuniões, eliminando o constrangedor sistema de assinar livro de presença, sem a presença.
6. Utilizar horários extras para mais debates sobre temas que interessam ao futuro e não apenas ao imediato, seguindo os bons exemplos da Comissão de Relações Exteriores durante a presidência do Senador Collor; a de Agricultura sob o Senador Acyr; e a Comissão de Direitos Humanos sob o Senador Paim.
7. A escolha de relatores, tanto em comissões quanto no plenário deve seguir critérios republicanos pré-definidos, e não a vontade soberana do respectivo presidente. A indicação deve ser feita por rodízio e envolvendo todos os senadores, independente de alinhamento com blocos.
8. Criação de um comitê de acompanhamento e controle da gestão. Com senadores para fazer o acompanhamento e fiscalização das decisões tomadas pelos servidores e pela Mesa Diretora. Estes senadores seriam escolhidos em plenário, entre partidos diferentes, sem qualquer benefício pessoal ou assessoria adicional àquelas que já dispõe cada um.
9. Este comitê asseguraria total transparência aos processos licitatórios, inclusive com divulgação ampla pela internet de todas as receitas e gastos do Senado, mantendo os senadores permanentemente informados sobre a gestão da Casa.
10. O próximo presidente será o responsável por garantir um acordo permanente para que o Senado cumpra seu papel fiscalizador instalando automaticamente todo pedido de inquérito feito pelo número mínimo de senadores, conforme determinação constitucional.
Estas são algumas idéias que sugerimos debater, modificar, ampliar ou reduzir, esperando que outras surjam independentes destas. Sobretudo esperamos que os candidatos à Presidência adotem e divulguem suas próprias propostas, sejam estas ou outras que a critério deles possam ajudar a reorientar os rumos do Senado”.

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