terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Nem tudo está perdido

BLOG DO PEDRO  PORFÍRIO


Nem tudo está perdido


Num pequeno país vizinho, há um presidente que  não abre mão de uma vida austera e modesta

"O poder não muda as pessoas, apenas revela quem elas são verdadeiramente”.
José Alberto Mujica Cordano, agricultor, ex-guerrilheiro tupamaro e atual presidente do Uruguai.


Baqueado por um gripão enervante,  passei alguns dias de pernas pro ar, sem ter como produzir nada de palatável. Não sei se pela minha idade, mas a gripe consegue me tirar do sério e me remeter da sala para o fundo do quarto.

Voltando à tona de mansinho, precisava de um energético cavalar, pois a minha compleição física e  minhas pretensões intelectuais  exigem sempre, depois do caos,  compensações mais da conta.
Não é que encontrei?

"Agora estamos mais humildes, modestos, e percebemos que 
devemos semear  muita cultura, porque a cultura e o
 conhecimento  só podem construir uma sociedade melhor."
Que coisa linda, que orvalho de esperanças: você precisa partilhar da mesma emoção que me possuiu ao viajar pela internet ao Uruguai a partir de uma reportagem do The New Iork Times  sobre o presidente José Mujica, um poço de sabedoria, cuja vida monástica é a mais lúcida resposta aos maus hábitos inerciais dos podres poderes.   
  
Eu já sabia das virtudes desse ex-preso político, que amargou 14 anos de cadeia na ditadura uruguaia, jamais se rendeu e, depois de ser deputado,  senador e ministro, chegou à Presidência do seu país nas eleições de 2009, em nome da“Frente Ampla”, uma coalizão progressista. Alguém que pelo sofrimento pretérito me faz lembrar de Nelson Mandela, o herói sul-africano, que passou 28 anos no cárcere do apartheid. 


Mas a matéria do dia 4 de janeiro do NY Times,republicada pela FOLHA DE SÃO PAULO nesta segunda-feira tem o sabor do inusitado e a verve de um insólito desafio:

“Vários líderes mundiais vivem em palácios. Alguns gozam de regalias como ter um mordomo discreto, uma frota de iates ou uma adega com champanhes vintage.

E há José Mujica, o ex-guerrilheiro que é presidente do Uruguai.

Ele mora numa casa deteriorada na periferia de Montevidéu, sem empregado nenhum. Seu aparato de segurança: dois policiais à paisana estacionados em uma rua de terra.

Em uma declaração deliberada a essa nação pecuarista de 3,3 milhões de pessoas, Mujica, 77, rejeitou a opulenta residência presidencial de Suárez y Reyes, com seus 42 empregados, preferindo permanecer na casa onde mora há anos com a mulher, num terreno onde eles cultivavam crisântemos para vender em mercados locais”.

O que mais me tocou não foi sua opção franciscana, que já é admirável: ele não mudou nada ao se tornar presidente da República do seu país: nem trocou a chácara simples pelo palácio suntuoso, nem mudou seus hábitos.E nem por isso perdeu a autoridade de Chefe de Estado. 

Mas seu modo despojado de ser me revelou em carne viva a certeza implícita do trato rigorosamente honesto com o dinheiro público; a certeza cristalina de uma vocação inarredável, que funde os rebeldes sonhos juvenis com a sabedoria anciã, num exemplo para todos, principalmente para aqueles que ganharam fama no bom combate e depois, uma vez no mando, misturaram-se a corruptos e corruptores, adotando as mesmas práticas permissivas que antes abominavam.

A admiração cresce mais ainda pelo convívio diário com a prática institucionalizada de péssimos hábitos na vida política brasileira, comuns a todos os governantes, de todas as esferas e de todos os partidos. Pior: comuns em todos os pilares dos nossos podres poderes.

Modéstia como recado

Segundo sua última declaração de renda, de abril passado, seu patrimônio e o de sua esposa, a senadora Lúcia Topolansky, é de 4,2 milhões de pesos (cerca de US$ 212 mil) e inclui três terrenos, três tratores e dois carros de 1987.

O governante doa cerca de 90% de seu salário como presidente, de cerca de 12 mil pesos (US$ 9,3 mil), para a construção de casas sociais, através de entidades como o Fundo Raul Sendic (para apoiar os pequenos produtores dos setores mais pobres) e para o "Plan Juntos" destinado à construção de casas para uruguaios em extrema pobreza.

Quando não está realizando trabalhos oficiais, o chefe de Estado anda sem motorista em seu automóvel e faz suas próprias compras no bairro, ao mesmo tempo em que é comum vê-lo comendo em restaurantes populares com seus colaboradores no entorno da sede do Governo, no centro de Montevidéu.

"Se tenho poucas coisas, preciso de pouco para sustentá-las. Portanto, meu tempo de trabalho que dedico é o mínimo. E para que me resta tempo? Para gastá-lo nas coisas que eu gosto. Nesse momento acho que sou livre", disse recentemente em uma entrevista à "BBC" na qual explicava o porquê de sua austeridade.

Muitos se sentem agredidos com esse modo modesto de ser presidente da orgulhosa República Oriental do Uruguai. Mas essa é, seguramente, a forma mais incisiva de mandar o seu recado na defesa do exercício da atividade pública com o mínimo de recato e dignidade. De dizer aos cidadãos que nem tudo está perdido, que ninguém é obrigado a ser ladrão.

Será muito desconfortável para um aproveitador corrupto ser pego com a mão na massa. Porque o seu presidente é INCORRUPTÍVEL e certamente jamais recorrerá a expedientes imorais de sedução para garantir sua governabilidade.

Como não podia deixar de ser, enveredei pela internet para saber mais desse que é conhecido hoje como “o presidente mais pobre do mundo”. Encontrei muito material, inclusive uma reportagem da BBC de Londres e uma da repórter brasileira Delis Ortiz, exibida no Fantástico. 


Mas é pouco, em havendo oportunidade, e tratarei de criá-las, pretendo ir pessoalmente ao Uruguai para saber da influência desse modo honesto de ser presidente da República nessa população de menos de 4 milhões de habitantes, mas de uma tradição política e cultural admiráveis.

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