Mas, de que diferenças culturais nós falamos?
Muitas vezes reduzidas à questão da etnicidade (condição ou consciência de pertencer a um grupo) ou, em alguns casos, reduzidas até mesmo à "questão racial", as diferenças culturais não concernem apenas aos particularismos de origem ou de tradição (religiosas ou linguísticas).
As reivindicações se enraízam cada vez mais sobre no particularismo dos mores (preferências sexuais, por exemplo), de idade, de traços ou de deficiências físicas (obesos, cegos, paraplégicos). O multiculturalismo combate o que ele considera como uma forma de etnocentrismo, ou seja, combate a visão de mundo da sociedade branca dominante que se toma – desde que a ideia de raça nasceu no processo de expansão europeia – por mais importante do que as demais. A política multiculturalista visa, com efeito, resistir à homogeneidade cultural, sobretudo quando esta homogeneidade afirma-se como única e legítima, reduzindo outras culturas a particularismos e dependência.
Um detalhe importante nesta discussão é que, em nossos dias, um cidadão raramente "esquece" sua condição particular para encarnar um pretenso universalismo. O universalismo combina dificilmente com as condições da modernidade. Com a liberação dos mores e a emancipação sexual, a vida privada foi maciçamente reconstruída revestindo-se de grande potencial político. Nesta perspectiva, identidade e individualidade quase se sobrepõem. Isto pode parecer paradoxal, mas a reivindicação cultural está claramente associada ao individualismo moderno, ao primado do "sujeito individual". Ela emana da subjetividade pessoal daqueles que se reconhecem neste ou naquele particularismo e resolvem se engajar coletivamente em reivindicações indenitárias.
O debate de ideias entre monoculturalismo e multiculturalismo funciona, de certa forma, em duas vertentes de pensamento. Ele se organizou, primeiramente, em torno de uma querela de filosofia política norte-americana: os liberais, ou individualistas, sustentavam que o indivíduo é mais importante e antecede à comunidade. Liberais recusam a idéia de que direitos minoritários possam ferir a preeminência legítima do indivíduo. O comunitarismo ou coletivismo, ao contrário, acredita que os indivíduos são o produto das práticas sociais e que é preciso proteger os valores comunitários ameaçados por valores individuais e, principalmente, reconhecer as diferenças culturais.
Tal debate, contudo, já é coisa do passado. Pensadores como Charles Taylor e Michael Walzer avançaram posições mais nuançadas. Inúmeros teóricos acreditam que os direitos minoritários podem promover as condições culturais de liberdade potencial dos membros de grupos minoritários. Na Europa, este "multiculturalismo liberal" parece ter se imposto por falta de alguma idéia melhor. Abandonou-se, então, o modelo que prevalecia desde a Revolução Francesa e que propugnava o cidadão unificado.
Vejamos, num exemplo, como procede esta vertente: a sopa passada no liquidificador transforma tudo num todo homogêneo, no qual não se distinguem mais os elementos que a compõem. Apenas um paladar avisado poderá adivinhar, no sabor, cada um dos ingredientes. Na salada composta, por outro lado, cada ingrediente se distingue dos outros, conservando sua aparência, seu gosto e sua textura.
Nos EUA, o mito do "melting-pot", ou seja, da encruzilhada na qual todas as culturas se fundem ao adotar o "american way of life" – jeito americano de viver –, sucedeu o modelo do mosaico, ou da "salada", imagem possível do multiculturalismo: uma justaposição um pouco heterogênea de grupos étnicos e minorias culturais coabitando num mundo de concordância.
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