As classes sociais
As classes sociais mostram as desigualdades da sociedade capitalista. Cada tipo de organização social estabelece as desigualdades, de privilégios e de desvantagens entre os indivíduos.
As desigualdades são vistas como coisas absolutamente normais, como algo sem relação com produção no convívio na sociedade, mas analisando atentamente descobrimos que essas desigualdades para determinados indivíduos são adquiridos socialmente. As divisões em classes se dá na forma que o indivíduo está situado economicamente e sócio politicamente em sua sociedade.
Como já vimos no capitalismo, quem tinha condições para a dominação e a apropriação, eram os ricos, quem trabalhava para estes eram os pobres, pois bem, esses elementos eram os principais denominadores de desigualdade social . Essas desigualdades não eram somente econômicas mas também intelectuais, ou seja o operário não tinha direito de desenvolver sua capacidade de criação, o seu intelecto. A dominação da classe superior, os burgueses, capitalistas, os ricos, sobre a camada social que era a massa, os operários, os pobres, não era só econômica mas também ela se sobrepõe à classe pobre, ou seja ela não domina só economicamente como politicamente e socialmente.
A luta de classes
As classes sociais se inserem em um quadro antagônico, elas estão em constante luta, que nos mostra o caráter antagônico da sociedade capitalista, pois, normalmente, o patrão é rico e dá ordens ao seu proletariado, que em uma reação normal não gosta de recebê-las, principalmente quando as condições de trabalho e os salários são precários.
Prova disso, são as greves e reivindicações que exigem melhorias para as condições de trabalho, mostrando a impossibilidade de se conciliar os interesses de classes.
A predominância de uma classe sobre as demais, se funda também no quadro das práticas sociais pois as relações sociais capitalistas alicerçam a dominação econômica, cultural, ideológica, política etc..
A luta de classes perpassa, não só na esfera econômica com greves etc, mas em todos os momentos da vida social. A greve é apenas um dos aspectos que evidenciam a luta. A luta social também está presente em movimentos artísticos como telenovelas, literatura, cinema, etc..
Tomemos a telenovela como exemplo. Ela pode ser considerada uma forma de expressar a luta de classes, uma vez que possa mostrar o que acontece no mundo, como um patrão, rico e feliz, e um trabalhador, sofrido e amargurado com a vida, sempre tentando ser independente e se livrar dos mandos e desmandos do patrão. Isso também é uma forma de expressar a luta das classes, mostrando essa contradição entre os indivíduos.
Outro bom exemplo da luta das classes é a propaganda. As propagandas se dirigem ao público em geral, mesmo aos que não têm condição de comprar o produto anunciado. Mas por que isso?
A propaganda é capaz de criar uma concepção do mundo, mostrando elementos que evidenciam uma situação de riqueza, iludindo os elementos de baixo poder econômico de sua real condição.
A dominação ideológica é fundamental para encobrir o caráter contraditório do capitalismo.
A desigualdade social no Brasil
O crescente estado de miséria, as disparidades sociais, a extrema concentração de renda, os salários baixos, o desemprego, a fome que atinge milhões de brasileiros, a desnutrição, a mortalidade infantil, a marginalidade, a violência etc, são expressões do grau a que chegaram as desigualdades sociais no Brasil.
A desigualdade social não é acidental, e sim produzida por um conjunto de relações que abrangem as esferas da vida social. Na economia existem relações que levam à exploração do trabalho e à concentração da riqueza nas mão de poucos. Na política, a população é excluída das decisões governamentais.
Até 1930, a produção brasileira era predominantemente agrária, que coexistia com o esquema agrário-exportador, sendo o Brasil exportador de matéria prima, as indústrias eram pouquíssimas, mesmo tendo ocorrido, neste período, um verdadeiro “surto industrial”.
A industrialização no Brasil, a partir da década de 30, criou condições para a acumulação capitalista, evidenciado não só pela redefinição do papel estatal quanto a interferência na economia (onde ele passou a criar as condições para a industrialização) mas também pela implantação de indústrias voltadas para a produção de máquinas, equipamentos etc..
A política econômica, estando em prática, não se voltava para a criação, e sim para o desenvolvimento dos setores de produção, que economizam mão-de-obra. Resultado: desemprego.
Desenvolvimento e pobreza
O subdesenvolvimento latino-americano tornou-se pauta de discussões na década de 50. As propostas que surgiram naquele momento tinham como pano de fundo o quadro de miséria e desigualdade social que precisava ser alterado.
A Cepal (Comissão econômica para a América Latina, criada nessa década) acreditava que o aprofundamento industrial e algumas reformas sociais criariam condições econômicas para acabar com o subdesenvolvimento.
Acreditava também que o aprofundamento da industrialização inverteria o quadro de pobreza da população. Uma de suas metas era criar meios de inserir esse contingente populacional no mercado consumidor. Contrapunha o desenvolvimento ao subdesenvolvimento e imaginava romper com este último por maio de industrialização e reformas sociais. Mas não foi isso o que realmente aconteceu, pois houve um predomínio de grandes grupos econômicos, um tipo de produção voltado para o atendimento de uma estrita faixa da população e o uso de máquinas que economizavam mão-de-obra.
De fato, o Brasil conseguiu um maior grau de industrialização, mas o subdesenvolvimento não acabou, pois esse processo gerou uma acumulação das riquezas nas mãos da minoria, o que não resolveu os problemas sociais, e muito menos acabou com a pobreza.
As desigualdades sociais são enormes, e os custos que a maioria da população tem de pagar são muito altos. Com isso a concentração da renda tornou-se extremamente perceptível, bastando apenas conversar com as pessoas nas ruas para notá-la.
Do ponto de vista político esse processo só favoreceu alguns setores, e não levou em conta os reais problemas da população brasileira: moradia, educação, saúde etc.. A pobreza do povo brasileiro aumentou assustadoramente, e a população pobre tornou-se mais miserável ainda.
A pobreza absoluta
Quando se fala em desigualdade social e pobreza no Brasil, não se trata de centenas de pessoas, mas em milhões que vivem na pobreza absoluta. Essas pessoas sobrevivem apenas com 1/4 de salário mínimo no máximo!
A pobreza absoluta apresenta-se maior nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Para se ter uma ideia, o Nordeste, em 1988, apresentava o maior índice (58,8%) ou seja, 23776300 pessoas viviam na pobreza absoluta.
Em 1988, o IBGE detectou, através da Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios, que 29,1% da população ativa do Brasil ganhava até l salário mínimo, e 23,7% recebia mensalmente de l a 2 salários mínimos. Pode-se concluir que 52,8% da população ativa recebe até 2 salários mínimos mensais.
Com esses dados, fica evidente que mais da metade da população brasileira não tem recursos para a sobrevivência básica. Além dessas pessoas, tem-se que recordar que o contingente de desempregados também é muito elevado no Brasil, que vivem em condições piores que as desses assalariados.
As condições de miserabilidade da população estão ligadas aos péssimos salários pagos.
A extrema desigualdade social
Observou-se anteriormente que mais de 50% da população ativa brasileira ganha até 2 salários mínimos. Os índices apontados visam chamar a atenção sobre os indivíduos miseráveis no Brasil.
Mas não existem somente pobres no Brasil, pois cerca de 4% da população é muito rica. O que prova a concentração maciça da renda nas mãos de poucas pessoas.
Além dos elementos já apontados, é importante destacar que a reprodução do capital, o desenvolvimento de alguns setores e a pouca organização dos sindicatos para tentar reivindicar melhores salários, são pontos esclarecedores da geração de desigualdade social.
Quanto aos bens de consumo duráveis (carros, geladeiras, televisores etc.) são destinados a uma pequena parcela da população. A sofisticação desses produtos, prova o quanto o processo de industrialização beneficiou apenas uma pequena parcela da população.
Geraldo Muller, no livro Introdução à economia mundial contemporânea, mostra como a concentração de capital, combinado com a miserabilidade, é responsável pelo surgimento de um novo bloco econômico, onde estão Brasil, México, Coréia do Sul, África do Sul são os chamados “países subdesenvolvidos industrializados”, em que ocorre uma boa industrialização e um quadro do enormes problemas sociais.
O setor informal é outro fator indicador de condições de reprodução capitalista no Brasil. Os camelôs, vendedores ambulantes, marreteiros etc. são trabalhadores que não estão juridicamente regulamentados, mas que revelam a especificidade e desigualdade da economia brasileira e de seu desenvolvimento industrial.
A diversidade cultural refere-se aos diferentes costumes de uma sociedade, entre os quais podemos citar: vestimenta, culinária, manifestações religiosas, tradições, entre outros aspectos. O Brasil, por conter um extenso território, apresenta diferenças climáticas, econômicas, sociais e culturais entre as suas regiões.
Os principais disseminadores da cultura brasileira são os colonizadores europeus, a população indígena e os escravos africanos. Posteriormente, os imigrantes italianos, japoneses, alemães, poloneses, árabes, entre outros, contribuíram para a pluralidade cultural do Brasil.
O termo diversidade diz respeito à variedade e convivência de idéias, características ou elementos diferentes entre si, em determinado assunto, situação ou ambiente. Cultura (do latim cultura, cultivar o solo, cuidar) é um termo com várias acepções, em diferentes níveis de profundidade e diferente especificidade. São práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço/tempo. Se refere a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e "preenchem" a sociedade. Explica e dá sentido à cosmologia social, é a identidade própria de um grupo humano em um território e num determinado período.
Educar para a cidadania é, antes de tudo, educar para viver em sociedade. Educar de modo que todos entendam que a realidade vai muito além daquilo que vemos em nossas casas, nas ruas de nosso bairro, nos espaços de lazer que frequentamos. Há dois mundos distintos que separam os alunos das escolas públicas e privadas espalhadas pelo mundo. Afinal, o Brasil não é um país com o “privilegio” de ter pobreza, miséria e grandes diferenças sociais. Elas estão por toda parte, em todos os contextos sociais, sob qualquer regime político.
Afinal, o que sensibiliza nossos jovens e crianças para o respeito às diversidades e a cidadania ? A briga entre adolescentes incentivada por uma mãe e filmada por um colega?
A professora hospitalizada por conta de um bloco de concreto jogado no para-brisas de seu carro? Os moradores das cidades do sul e sudeste do país que tiveram suas casas destruídas pela chuva, enchentes e tornados? Trabalhadores que invadem o lixão das cidades durante a madrugada, enfrentando baixas temperaturas e risco de contaminação, em busca de lixo reciclável? A doença provocada pela contaminação das águas das enchentes? A falta de recursos para uma educação melhor? A fome?
Podemos dizer que a linha que separa os “mundos escolares”, enquanto divisão de classes e realidades, tem o nome de aceitação ou conformismo. Isto é, a não indignação para o modo como cada um dos seres humanos vive ou sobrevive.
Aceitar ou conformar-se de que a realidade da fome é, para algumas crianças, satisfazer-se com o que é colocado á sua frente sem questionar se tem “cebola”, “molho de tomates” ou com que tempero foi preparado. Sem direito ao “não gosto, não quero!”
Que a realidade da educação é para muitos, sentar-se em bancos quebrados numa sala com goteiras, usar livros usados, ir de chinelo furado para a escola e ficar muito feliz quando ganham um lápis novo sem o direito de escolha : “quero o caderno com a capa do herói da TV , mochila de rodinhas da Hello Kitty e tênis Nike”. E para muitos outros é a merenda ou o vale-leite ao qual terão direito.
A violência não é fruto deste século, nem nos anteriores. Ela existe desde que o homem sente fome: fome do poder, fome de direitos, fome de feijão com arroz, fome de conhecimento, fome da aceitação, fome de respeito, fome de reconhecimento.
Educar para a cidadania é antes de tudo educar para o desenvolvimento das inteligências “inter e intrapessoal“ , conhecimento de si mesmo –quem sou? Como sou? Minhas possibilidades e limites? Meus valores ?- E colocar-se no lugar do outro, sensibilizar-se, contribuir para a transformação positiva da realidade que o cerca.
Um desafio para o educador e para as famílias que, muitas vezes preocupados com a segurança de seus filhos, os enclausura em cúpulas superprotetoras, impedindo a visão mais ampla do mundo que o rodeia.
.A fim de auxiliar nesta tarefa selecionei alguns materiais que podem ser úteis para o desencadeamento de projetos de estudos no que diz respeito à Educação para a Cidadania . Vale lembrar que este é um tema que não se ensina, mas que são aprendidos a partir da oportunidade de questionamentos, de vivência e do convívio com modelos positivos.
Minha sugestão é sensibilizar o grupo com um destes curta-metragens (ou com ambos):.
“Ilha das Flores”
Diretor: Jorge Furtado
Ano: 1989
Duração: 13:00
Discute, de modo didático e bem humorado a formação da sociedade de consumo. Acompanha a trajetória de um “tomate” desde a sua plantação até virar lixo. Neste percurso dá pistas da geração de riquezas e desigualdades sociais.
Numa abordagem antropológica, a identidade é uma construção que se faz com atributos culturais, isto é, ela se caracteriza pelo conjunto de elementos culturais adquiridos pelo indivíduo através da herança cultural. A identidade confere diferenças aos grupos humanos. Ela se evidencia em termos da consciência da diferença e do contraste do outro.
Ao longo de nossa história, na qual a colonização se fez presente, a escravidão e o autoritarismo contribuíram para o sentimento de inferioridade do negro brasileiro. A ideologia da degenerescência do mestiço, o ideal de branqueamento e o mito da democracia racial foram os mecanismos de dominação ideológica mais poderosos já produzidos no mundo, que permanecem ainda no imaginário social, o que dificulta a ascensão social do negro, pois este é visto como indolente e incapaz intelectualmente.
A política de branqueamento que caracterizou o racismo no Brasil foi gerada por ideologias e pelos estereótipos de inferioridade e/ou superioridade raciais. A ideologia do branqueamento teve como objetivo propagar que não existem diferenças raciais no país e que todos aqui vivem de forma harmoniosa, sem conflitos (mito da democracia racial). Além desses aspectos, projeta uma nação branca que, através do processo de miscegenação, irá erradicar o negro da nação brasileira, supondo-se, assim, que a opressão racial acabaria com a raça negra pelo processo de branqueamento. Essa tese é apresentada pelo Brasil ao mundo.
Sustentar uma “igualdade” que respeite as “diferenças” é o eixo paradigmático da chamada política inclusiva que assim constrói sua diferença em relação à política anterior, dita “integrativa”, cujo paradigma seria mais, como denuncia o próprio nome “íntegro”, o de criar a “coesão”, assim como se diz da integridade física para indicar que todas as partes de um corpo funcionam integradamente.
De fato, não é a mesma coisa tentar formar “um Todo” coeso e agir para que o “que está fora entre”. Estas duas posições representam duas formas distintas de tratar a questão das diferenças.
Na primeira a diferença é, sobretudo, sentida como “disfunção” para um sistema que passa a correr riscos em seu funcionamento caso não “restitua” ou “re-medie” (termo que indica a perspectiva normatizante de trazer de novo para o nível médio, normal) o que não está integrado.
Segundo esta lógica a diferença teria que ser “eliminada” uma vez que representa a causa de uma disfunção e a atitude geral que poderíamos assim chamá-la de “reparadora”.
Conhecemos as propostas de trabalho que esta perspectiva animou e ainda anima, sempre baseadas no “tratamento restitutivo” daquela função que se apresenta “deficiente”, o que se pode ser mensurado, é claro, quando se tem convicção acerca do que constitui o funcionamento “normal” de uma determinada coisa.
Assim as pessoas que se encaixavam neste campo foram convidadas a se tornar “objeto” de tratamentos variados: psicológico, fonoaudiológico, psicomotor, fisioterápico etc. cuja finalidade era “corrigir”, ou pelo menos diminuir a restrição que tal deficiência acarretava.
Num tal modelo a regra é “intervir” para criar as condições mínimas de convivência coletiva e a perspectiva científica ocupa aí um lugar de destaque na estratégia de trabalho dado que esta intervenção restauradora segue a leitura que cada ciência envolvida (a Psicologia, a Fonoaudiologia, a Fisioterapia, etc.) faz do que é “normal”, além dos recursos que põe em ação para trabalhar. Perspectiva científica esta que agora envida também seus esforços, via pesquisa genética, na tentativa de descobrir meios de agir sobre a concepção ou sobre a gestação que “erradiquem” a deficiência da face da Terra.
Não é de se estranhar que um grupo de portadores de deficiência tenha se organizado para combater esta iniciativa, lembrando que a questão da deficiência é mais “Ética do que médica”. Lembrando que a deficiência, diríamos em sintonia com Freud, é um “dos destinos possíveis do humano” e propor sua erradicação é imbuir-se do mesmo “eugenismo” que alimentou, por exemplo, o nazismo em seu projeto enlouquecido de fazer “excluir” do mundo a raça impura.
Talvez o principal mérito da perspectiva inclusiva, especialmente no âmbito das chamadas deficiências, tenha sido o de pôr em discussão este modelo baseado na normalização de funções físicas ou psíquicas, na “objetalização de sujeitos típica da condição de tratamento que no fundo está sem o saber comprometido com uma lógica “Totalitária”.
E ela o faz quando ressalta justamente que a questão da deficiência é, sobretudo, uma questão Ética e que como tal deve exigir um envolvimento social, uma atitude em face de estes sujeitos, mais do que um combate a suas deficiências.
Segundo este ponto de vista o centro da discussão deveria se deslocar do raciocínio médico para o social, de um modelo basicamente “organicista” no qual parece mais simples definir o funcionamento “normal” de um órgão ou de uma função, para um outro onde a questão do humano entre em pauta e, portanto, com ela a preocupação com o lado existencial, a significação e a variabilidade de destinos que portar uma deficiência vai desencadear.
Quer dizer, tratou-se de incluir na discussão o “sujeito” que porta a deficiência, como bem demonstra o esforço, por si só insuficiente, da mudança de nomenclatura proposta de “pessoas deficientes”, para “pessoas portadoras de deficiência”. O destaque aqui é que se ressalta que a deficiência não é “Toda-a-pessoa”, que a deficiência é uma de suas características.
Mas é importante que se diga se queremos ser consequentes com nossos atos e, então, não deveríamos ficar só analisando intenções, mas também os efeitos das medidas que tomamos, que isto levou a uma série de visões artificiais e “politicamente corretas” que não foram capazes de inventar senão jargões que só fazem mostrar mais claramente a dificuldade de uma tal empreitada. Ouvimos com frequência, que “no fundo todos temos a nossa deficiência”, que “quem sofre é que sabe valorizar, por isso os deficientes são pessoas melhores” etc.. como tentativas de inverter a tendência em diminuí-los “aumentando-os”.
São frases que mal escondem seu caráter preconceituoso e artificial e que revelam que a velha atitude de inferiorização do outro aparece aqui sob sua forma mais cruel: “a piedade”. De fato, a piedade é a maneira mais cruel, porque a mais sincera de dizer ao outro que “de cima” o vemos “por baixo”.
Mas incluir o sujeito, tarefa Ética, implica tratar a questão da existência das “diferenças” como “normalidade”. Quer dizer, enquanto no modelo integrativo a diferença seria o sinal de anormalidade e que justificaria uma desigualdade, a ideia de inclusão, num certo sentido sustenta que as diferenças são a regra e como tal se trata de construir no sistema as condições para que estas “diferenças não representem como de hábito ocorre, desigualdade”.
Mas eis aqui um paradoxo interessante e pleno de riscos dado seu caráter de difícil administração: Conciliar “diferença e igualdade”.
O embaraço que é pleno de riscos vem da confusão entre igualdade e “equidade”, o primeiro significando mais que todos são iguais entre si, ou seja, “subjetivamente”, e o segundo indicando mais que todos são iguais perante algo, quer dizer “objetivamente”.
Mas aqui é que valeria a pena não tomarmos o embaraço e a confusão frequente entre os termos como um simples equívoco de entendimento. Este é o caminho que em geral nos faz apostar todas as fichas na estratégia da “conscientização” das pessoas, esperando que desta percepção venha a transformação.
A insistência na ideia de “igualdade” em vez de equidade, insistência esta que nos faz ter que lembrar a diferença que existe entre estes termos, revela o insidioso de uma atitude que “retorna” com sua força agora renovada pelas novas vestes.
Lacan ironizava o termo “revolução” dizendo que se encontra aí, tal como no sentido astronômico do termo, uma ideia de “re volução”, ou seja, de evoluir para voltar ao mesmo ponto.
Obviamente que não se trata de apontar para uma espécie de “no fundo nada muda”, mas de marcar, ao contrário, novo paradoxo criado pela Psicanálise, que a “repetição” precisa da novidade para renovar sua força.
Uma frase de José Saramago, citada à exaustão e ao ponto de se ter perdido a sua fonte original, sacode a forma condescendente com que temos considerado tolerância uma grande virtude: “Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação ente as pessoas, da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância”.
Educar-se é aprender sobre a vida para poder viver com relativa autonomia. É compreender a existência do outro como elemento de troca e de complementarida-de. É trazer para si a tarefa de produzir-se e aos outros com vistas a criar plataformas elevadas de compreensão de mundo. Ser livre sem eliminar a liberdade dos outros, tratar com igualdade justa aos demais sem critérios de puro interesse pessoal, usar a fraternidade como elemento chave da socialização pode parecer um propósito piegas, mas precisa estar entre nossas utopias. Equidade – as suas várias faces
A equidade diz respeito à justiça, imparcialidade, em sua acepção original. O que é justo ou não? Em que medida? Como auferir a justiça? Estas questões estão no epicentro da discussão sobre a relação equidade e igualdade.
Entre os autores contemporâneos, John Rawls21 é que vem tratando de forma
sistemática a relação entre justiça, liberdade, igualdade e equidade. Sua contribuição à discussão sobre a justiça social, ainda que polêmica, é inegável e vem instigando, de forma constante, novos debates sobre a temática.
Considera Rawls (1997), que uma concepção partilhada de justiça estabelece e fundamenta a convivência cívica e tem sua expressão formalizada nas cartas constitucionais. Distinguindo o conceito de justiça da concepção de justiça, considera que uma instituição social é justa quando não faz distinção arbitrária entre as pessoas.
Globalização, políticas neoliberais, segurança global, estas são realidades que estão acentuando a exclusão, em suas diferentes formas e manifestações. No entanto, não afetam igualmente a todos os grupos sociais e culturais, nem a todos os países e, dentro de cada país, às diferentes regiões e pessoas. São os considerados “diferentes”, aqueles que por suas características sociais e/ou étnicas, por serem “portadores de necessidades especiais”, por não se adequarem a uma sociedade cada vez mais marcada pela competitividade e pela lógica do mercado, os “perdedores”, os “descartáveis”, que vêem cada dia negado o seu “direito a ter direitos” ( Hanna Arendt).
Este é o nosso momento. Nele temos de buscar, no meio de tensões, contradições e conflitos, caminhos de afirmação de uma cultura dos direitos humanos que penetre todas as práticas sociais e seja capaz de favorecer processos de democratização, de articular a afirmação dos direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sócio-cultural, de modo especial os direitos sociais e econômicos, com o reconhecimento dos direitos à diferença.
Articular igualdade e diferença : uma exigência do momento
Esta é uma questão fundamental no momento atual. Para alguns a construção da democracia tem que colocar a ênfase nas questões relativas á igualdade e, portanto, eliminar ou relativizar as diferenças. Existem também posições que defendem um multiculturalismo radical, com tal ênfase na diferença, que a igualdade fica em um segundo plano.
No entanto, na minha opinião, o problema não é afirmar um polo e negar o outro, mas sim termos uma visão dialética da relação entre igualdade e diferença. Hoje em dia não se pode falar em igualdade sem incluir a questão da diversidade, nem se pode abordar a questão da diferença dissociada da afirmação da igualdade.
Uma frase do sociólogo português Boaventura Souza Santos sintetiza de maneira especialmente oportuna esta tensão: "temos direito a reivindicar a igualdade sempre que a diferença nos inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza."
Neste sentido, não se deve opor igualdade à diferença. De fato, a igualdade não está oposta à diferença e sim à desigualdade Diferença não se opõe à igualdade e sim à padronização, à produção em série, a tudo o “ mesmo”, à “mesmice”.
O que estamos querendo trabalhar é, ao mesmo tempo, negar a padronização e lutar contra todas as formas de desigualdade presentes na nossa sociedade. Nem padronização nem desigualdade. E sim, lutar pela igualdade e pelo reconhecimento das diferenças. A igualdade que queremos construir assume a promoção dos direitos básicos de todas as pessoas. No entanto, esses todas não são padronizados, não são os “mesmos”. Têm que ter as suas diferenças reconhecidas como elemento de construção da igualdade.
Considero que essa temática nos próximos anos vai suscitar uma grande discussão, um debate difícil, que desperta muitas paixões, mas que é fundamental para se avançar na afirmação da democracia. Hoje em dia não se pode mais pensar numa igualdade que não incorpore o tema do reconhecimento das diferenças, o que supõe lutar contra todas as formas de preconceito e discriminação.
Multiculturalismo na realidade latino-americana
No momento atual, a questão multicultural preocupa muitas sociedades. O debate multicultural é intenso nos Estados Unidos e também na Europa. No entanto, na América Latina a questão multicultural tem uma especificidade. Nosso continente é um continente construído com uma base multicultural muito forte, onde as relações inter-étnicas têm sido uma constante através de toda sua história, uma história dolorosa e trágica principalmente no que diz respeito aos indígenas e aos afro-descendentes.
A nossa história está marcada pela eliminação do “outro” ou por sua escravização, que também é uma forma de negação de sua alteridade. Esses outros que são “eus” na construção da identidade latino-americana. Neste sentido, o debate multicultural na América Latina nos coloca diante dessa questão, desses sujeitos, sujeitos históricos que foram massacrados mas que souberam resistir e hoje continuam afirmando suas identidades fortemente nas nossas sociedades, mas numa situação de relações de poder assimétricas, de subordinação e exclusão ainda muito acentuadas.
É importante assinalar como fato de especial importância neste momento histórico que a UNESCO em sua última Conferência Geral, realizada em Paris, nos meses de outubro e novembro deste ano, com a presença de 185 dos 188 países membros, tenha aprovado por aclamação uma Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e que o Diretor Geral, Koïchiro Matsuura, tenha declarado que esperava que esta declaração chegasse “um dia a adquirir tanta força quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
A questão das políticas de ação afirmativa
. As políticas de ação afirmativa suscitam uma grande polêmica em todas as sociedades em que se propõem medidas concretas para sua implementação Entre nós também estão provocando intensos debates. Este fato é em si mesmo positivo, pois desvela inúmeros aspectos ligados à própria construção histórica da nossa sociedade e sua forte hierarquização, lógica de privilégios, autoritarismo, apadrinhamento e favor. São debates marcados pela emoção e a paixão, onde a indignação, a militância e o conservadorismo se fazem especialmente presentes.
No entanto, para que não se transforme em um debate estéril, é necessário, em primeiro lugar, que nos situemos diante do reconhecimento desses sujeitos históricos, que muitas vezes foram relegados e negados ao longo da nossa história, do reconhecimento da sua contribuição para a construção dos países latino-americanos, do Brasil, para configurar-nos culturalmente.
Este reconhecimento é fundamental mas não basta. Não é suficiente um reconhecimento teórico ou formal, expresso em declarações meio retóricas. Este reconhecimento tem que ser acompanhado de políticas de valorização, de políticas de acesso a oportunidades, de políticas de acesso ao poder, que são fundamentais para que esses sujeitos históricos tenham uma cidadania plena na nossa sociedade.
É neste horizonte que se situam as políticas de ação afirmativa, orientadas a favorecer determinados grupos que tiveram suas oportunidades de acesso a recursos e bens da sociedade negadas ou minimizadas ao longo da história.
Um exemplo concreto é a legislação recentemente aprovada no Rio de Janeiro, que está provocando uma grande polêmica, que obriga as universidades públicas estaduais a reservarem um porcentual de vagas para alunos oriundos das escolas públicas. Esta medida vai, evidentemente, ampliar as possibilidades de alunos e alunas oriundos das classes populares, onde o número de afro-descendentes é elevado, ingressarem no ensino superior, expandindo assim suas oportunidades educacionais.
As políticas de ação afirmativa estão voltadas para, numa sociedade marcada pela desigualdade e fortes mecanismos de exclusão, favorecer o acesso às mulheres, à população indígena, aos afro-descendentes ou outros grupos excluídos ou objeto de discriminação na nossa sociedade, a direitos básicos inerentes a todos os seres humanos.
Segundo Guimarães(1999:180),
“Não podemos continuar a dispensar um tratamento formalmente igual aos que, de fato, são tratados como pertencentes a um estamento inferior. Políticas de ação afirmativa têm, antes de mais nada, um compromisso com o ideal de tratarmos todos como iguais. Por isso, e só por isso, é preciso em certos momentos, em algumas esferas sociais privilegiadas, que aceitemos tratar como privilegiados, os desprivilegiados”.
Nesta questão o papel da educação, assim como os meios de comunicação social, é fundamental. Trabalhar a questão do imaginário coletivo, das representações das identidades sociais e culturais presentes na nossa sociedade é um aspecto especialmente relevante.
Outra dimensão desta problemática que vem adquirindo ultimamente maior atenção nesta debate, diz respeito não somente às condições de acesso de determinados grupos a direitos e recursos disponíveis na sociedade, como também às políticas orientadas a favorecer a permanência destas pessoas em contextos específicos em que têm de enfrentar muitas dificuldades. Nesta perspectiva, processos educacionais que visam o empoderamento destes grupos são de especial importância.
Multiculturalismo, políticas de ação afirmativa e construção da democracia
Consideramos estas questões fundamentais para o desenvolvimento de processos de democratização na nossa sociedade. Em geral, temos uma visão muito formal da democracia, onde a cidadania quase se manifesta exclusivamente através do exercício dos direitos políticos, da cidadania formal.
Evidentemente estes são elementos fundamentais mas, hoje em dia, temos que ampliar o sentido da cidadania e incorporar a reflexão sobre a cidadania cultural, uma cidadania que desnaturalize o “mito da democracia racial”, ainda tão presente no nosso imaginário coletivo, reconhece as diferentes tradições culturais presentes numa determinada sociedade, é capaz de valorizá - las e fazer com que estas diferentes tradições tenham espaços de manifestação e representação na sociedade como um todo. Nesse sentido, é fundamental para uma democracia plena o reconhecimento da cidadania cultural.
Chauí (1999:14-15) afirma que cidadania cultural significa,
“antes de tudo, que a cultura deve ser pensada como um direito do cidadão – isto é, algo de que as classes populares não podem ser nem se sentir excluídas (como acontece na identificação popular entre cultura e instrução) e que a cultura não se reduz às belas-artes - como julga a classe dominante. (....)
A Cidadania Cultural define o direito à cultura como:
- direito de produzir ações culturais, isto é, de criar, ampliar, transformar símbolos, sem reduzir-se à criação nas belas artes;
- direito de fruir os bens culturais, isto é, recusa da exclusão social e política;
- direito à informação e à comunicação, pois a marca de uma sociedade democrática é que os cidadãos não só tenham o direito de receber todas as informações e de comunicar-se, mas têm principalmente o direito de produzir informações e comunicá-las. Portanto, a cidadania cultural põe em questão o monopólio da informação e da comunicação pelos mass media e o monopólio da produção e fruição das artes pela classe dominante;
- direito à diferença, isto é, a exprimir a cultura de formas diferenciadas e sem uma hierarquia entre essas formas”.
Multiculturalismo e perspectiva intercultural
O multiculturalismo é um dado da realidade. A sociedade é multicultural. Pode haver várias maneiras de se lidar com esse dado, uma das quais é a interculturalidade. Esta acentua a relação entre os diferentes grupos sociais e culturais.
Na nossa sociedade os fenômenos de apartheid social e também de apartheid cultural, em forte interrelação, se vêm multiplicando. Neste contexto, a perspectiva intercultural se contrapõe à guetificação e quer botar a ênfase nas relações entre diferentes grupos sociais e culturais. Quer estabelecer pontes. Não quer fechar as identidades culturais na afirmação das suas especificidades. Promove a interação entre pessoas e grupos pertencentes a diferentes universos culturais.
A perspectiva intercultural não é ingênua. É consciente de que nessas relações existem não só diferenças, como também desigualdades, conflitos, assimetrias de poder. No entanto, parte do pressuposto de que, para se construir uma sociedade pluralista e democrática, o diálogo com o outro, os confrontos entre os diferentes grupos sociais e culturais são fundamentais e nos enriquecem a todos, pessoal e coletivamente, na nossa humanidade, nas nossas identidades, nas nossas maneiras de ver o mundo, a nossa sociedade e a vida em sua totalidade.
Esta é uma questão difícil. Em geral temos muita dificuldade de lidar com as diferenças. A sociedade está informada por visão cultural hegemônica de caráter monocultural. Especialmente a educação está muito marcada por esse caráter monocultural. O “outro” nos ameaça, confronta e nos situamos em relação a ele de modo hierarquizado, como superiores ou inferiores. Muitas vezes não respeitamos “outro”, ele é negado, destruído, eliminado, algumas vezes fisicamente e outras no imaginário coletivo, no âmbito simbólico.
A interculturalidade aposta na relação entre grupos sociais e étnicos. Não elude os conflitos. Enfrenta a conflitividade inerente a essas relações. Favorece os processos de negociação cultural, a construção de identidades de “fronteira”, “híbridas”, plurais e dinâmicas, nas diferentes dimensões da dinâmica social.
A perspectiva intercultural quer promover uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural. Uma educação capaz de favorecer a construção de um projeto comum, onde as diferenças sejam dialeticamente integradas e sejam parte desse patrimônio comum. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade.
Direitos Humanos e multiculturalismo nos colocam no horizonte da afirmação da dignidade humana num mundo que parece não ter mais esta convicção como referência radical. Neste sentido, trata-se de afirmar uma perspectiva alternativa e contra-hegemônica de construção social e política.
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