A Crise portuguesa - 02 setembro 2011(escrita há um ano)
A
crise mostra suas garras e colhe os portugueses de surpresa nas armadilhas da
globalização financeira. Quanto ao Brasil, nossa relação distante limita-se à
presença de alguns artistas e novelas da Globo.
Voltar às origens, esta é a sensação de estar em Portugal, para onde retorno depois de dez anos, desta vez para uma longa estada de estudos. Quero ver a crise europeia de perto... Por todos os lados, um pouco de nós mesmos: no falar, na arquitetura, nos monumentos que enaltecem o périplo marítimo que marcou o segundo milênio da nossa Era Cristã fundindo nossas histórias por três séculos. A cada café parece-me encontrar em alguém o rosto meu velho avô Affonso Pereira, neto de portugueses, morto nos idos de 50, quando eu era ainda criança, mas com a suficiente lembrança de seus hábitos morigerados, rosto fino e alongado sobre o qual se lhe via um topete branco, sempre impecavelmente vestido.
Aliás, não há um tipo físico típico de
português, embora o associemos ao estilo ‘galego”, baixo, atarracado, mais
próprio dos trasmontanos do norte do país, a região mais pobre de Portugal de
onde saíram os milhares de patrícios que foram para o Brasil no século passado.
Nas ruas veem-se loiros, morenos, baixos atarracados, longilíneos, homens e
mulheres de tipo mignon, alguns poucos negros e mulatos, gente de todo tipo,
porque, já na época do descobrimento, a precoce nação, nascida em 1385, já era
extremamente miscigenada.
Mas Portugal é também muito diferente
do Brasil. Gostaríamos, aliás, que fosse mais ligado ao Brasil. Sua
incorporação à União Europeia, entretanto, sepultou esse sonho. Hoje, a
Finisterra dos tempos clássicos, para onde refluíram e se instalaram fenícios,
gregos, cartagineses e, finalmente, os romanos, senhores dos mares da
antiguidade, na sua ânsia de conhecer e dominar o mundo, além dos árabes, na
Idade Média, é apenas um pequeno elo de uma globalização intercalada pela
formação de blocos.
Centro colonial de um vasto império
que, depois das Grandes Navegações, no século XVI, ia da América à Ásia,
passando pela África, Portugal selou seu destino no início do Século XVIII ao
ter que se subordinar ao poder militar da Inglaterra, que acabará salvando sua
família real um século depois, ao retirá-la para o Brasil, a salvo da invasão
napoleônica. Sem uma “invencível armada” restou-lhe contemplar passivamente a
Pax Inglesa que vigorou até o final da I Grande Guerra, mergulhando aí num
obscurantismo colonial à outrance, na África, mantido a ferro e fogo
internamente por um regime retrógrado que subsistiu até a Revolução dos Cravos,
em 1979.
Ao abrir-se, então, para a democracia,
o histórico país confrontou-se com uma nova realidade mundial marcada, na
Europa, pela criação da União Europeia, onde iria ocupar um papel marginal em
virtude da pequena envergadura de seu mercado e baixa produtividade de sua
indústria. Vastas áreas do país foram transformadas em reflorestamentos enquanto
as cidades reduzem-se a um papel secundário como prestadoras de serviços, hoje
responsáveis por 67,8% do PIB.
Não obstante, tanto a tradicional
agricultura, produtora de grãos e frutas modernizou-se, ocupando embora 12% da
população ativa, como a indústria mais pesada também avançou no país, vindo a
alcançar perto de 30% do valor agregado da economia, graças a grandes plantas
automobilísticas e petroquímicas aqui sediadas nos últimos lustros. Em vista
disso, europeizando-se e se desenvolvendo, mesmo como apêndice econômico da UE,
Portugal foi se distanciando cada vez mais de seu filho promissor, o Brasil.
Décadas de congelamento das relações
diplomática entre os dois países, à raiz da insistência do colonialismo
português na África, anteciparam o atual isolamento, hoje reduzido à Comunidade
Lusofônica, algumas novelas da Globo e uma que outra presença de cantores
famosos. Lembre-se que foi o Brasil, mesmo sob regime militar, mas graças à
antevisão do chanceler Azeredo da Silveira, o primeiro país a reconhecer tanto
Angola como Moçambique, logo da proclamação da Independência desses países.
“Com o fim da escravidão, Brasil e
Angola viveram um período de afastamento que só foi alterado com o início dos
movimentos de independência angolanos. Durante esse período, grandes nomes da
Diplomacia brasileira, tais como Gibson Barboza e Azeredo da Silveira, se
mostraram preponderantes na defesa da importância do restabelecimento de
relações mais próximas com o continente africano, e com Angola em especial, e
trabalharam no sentido de romper com o tradicional alinhamento a Portugal no
caso das colônias africanas. Essa mudança de posição levou o Brasil a ser o
primeiro país a reconhecer a independência de Angola, o que foi um fator
determinante para as relações exteriores brasileiras.A decisão brasileira não
só aproximou enormemente os dois países como modificou e fortaleceu a imagem do
Brasil no exterior, principalmente entre os países ditos periféricos” (Suhayla
Mohamed Khalil Viana in A posição brasileira diante da independência angolana:
antecedentes e desdobramentos)
Hoje, enfim, mudaram os tempos, mas nós
fizemos, para os portugueses, apenas uma longínqua referência lusofônica. Agora, porém, a crise mostra suas garras e
colhe os portugueses de surpresa nas armadilhas da globalização financeira. O
país é, do ponto de vista geral, muito
parecido com o Rio Grande do Sul, com uma grande diversidade geográfica
assinalada por Eça de Queiroz em A Cidade e as Serras, um vasto e prazeroso
litoral que deliciava as cortes europeias nos invernos dos séculos XVIII e XIX,
uma população aferida no Censo de 2011 de 10. 555. 583[4] habitantes, com uma
renda per capita de US$ 22026USD[6] , perfazendo um PIB, em 2009, na ordem de
US$ 233,4 bilhões*[5] (34.º), relativamente pequeno, mas suficiente para tornar
a qualidade de vida em Portugal uma das 20 melhores do mundo:
Indicadores sociais :
- Gini (2009) 33.7[7] – médio
- IDH (2010) 0,795[8] (40.º) – muito elevado
- Esper. de vida 78,1 anos (39.º)
- Mort. infantil 3,3/mil nasc. (26.º)
- Alfabetização 94,9% (68.º)
- IDH (2010) 0,795[8] (40.º) – muito elevado
- Esper. de vida 78,1 anos (39.º)
- Mort. infantil 3,3/mil nasc. (26.º)
- Alfabetização 94,9% (68.º)
Sobre esse pano de fundo é que se abate
a atual crise em Portugal, exigindo do governo conservador medidas de
saneamento verdadeiramente assustadoras. O desemprego é superior 12%, o
endividamento público, superior a 100% do PIB com uma variação na taxa de juros
média nos últimos três meses de 16,6% - uma das mais altas do mundo - e o risco
(CDS) também elevado, de 640 pontos base, quando Espanha está com 240 pontos,
Itália com 146 e Alemanha, o gigante europeu, com 37 pontos.
Todos, aqui, com exceção dos detentores
de grandes patrimônios estão, como dizem, “a pagar a conta” da crise. Na quarta-feira
passada o governo anunciou a sobrecarga de um adicional do imposto de renda,
por dois anos, sobre as empresas com lucro superior a 1,5 bilhão de euros, bem
como sobre as pessoas com rendimento superior a 3,4 euros mensais, algo próximo
a oito mil reais, agravando a situação da classe média. O próprio governo
reitera, entretanto, que tais medidas não pretendem taxar o capital nem inibir
eventuais investidores, debitando-se mais ao esforço de socializar os custos
sociais da superação da crise do que a qualquer argumento ideológico.
O grande problema da crise, porém, não
se resume a países isolados. Todos os especialistas são unânimes em reconhecer
que os recursos estritamente europeus para enfrentar a crise de endividamento
público que ameaça a estabilidade dos mercados em toda a zona do Euro são
insuficientes. Na primeira semana de setembro, José Manuel Durão Barroso, o
chairman da União Europeia enviou uma carta a todos os líderes do bloco na qual
apela para uma “reavalição urgente... (dos fundos) para aguentar os riscos do
contágio da dívida.” Mas Angela Merkel, da Alemanha, ainda se esforça para
segurar a escalada dos juros e da crise na Espanha e Itália, acreditando poder,
com isto, evitar o efeito dominó sobre
todo o continente.
A urgência solicitada por Durão
Barroso, porém, faz sentido. A União Europeia dispõe, hoje de 500 bilhões de
euros para as emergências, sendo 440 bilhões do Fundo Europeu de Estabilização
Financeira (FEEF) e 60 bilhões do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira.
Deste montante, 170 bilhões já foram alocados em ajudas à Grécia, Irlanda e,
agora, Portugal. Sobram apenas 320 bilhões até 2013, quando o Mecanismo Europeu
de Estabilidade Financeira passará a ter um acréscimo orçamentário para 750
bilhões de euros.
Mas, segundo estimativas do Deutsch
Bank, um socorro eventual à Espanha custaria 300 bilhões e outro, à Itália, não
ficaria por menos de 490 bilhões.
Estes dois pesos pesados da economia
europeia representam, respectivamente, 12% e 18% do PIB da zona do euro, quando
os atendidos até agora , Grécia + Irlanda + Portugal, não passam, juntos, de 6%
desse total. A crise do euro, portanto, ainda está muito longe de ser
devidamente avaliada e muito mais longe ainda de ser superada.
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