Quando as usinas de açúcar se
encontravam em plena atividade, ficava a impressão de que os canaviais ocupavam
terras onde deveriam ser cultivados gêneros alimentícios. Curiosamente, naqueles tempos havia os
produtores de grãos(arroz, feijão, milho) hortaliças e frutas. Esses produtos cobriam os terrenos, onde não
houvesse cana, desde o alto dos morros até a beira das estradas. Criadores de
galinha atravessavam uma vara no ombro e traziam a pé, ou de bicicleta, várias
cabeças para vender de porta em porta, ou no meio da rua a quem se habilitasse.
E traziam ovos em cestas cuidadosamente preparadas com palhas e outros meios
para evitar a quebra.
Muitos
usavam charrete e traziam no porta-bagagem caixas de tomate. Carros de bois transportavam sacos de arroz,
feijão, milho. Havia os moinhos para
transformar o milho bruto em fubá grosso, fubá fino e até creme. Laranjas, banana e hortaliças eram oferecidas
em dúzias ou em poções rusticamente amarradas por fitas de embira de bananeira
e por meios semelhantes a barbante.
Pudera! Em
1970, metade da nossa população morava na zona rural. E quanto mais distante no tempo, maior era a
porcentagem dos habitantes da roça. Depois houve a migração para as grandes
cidades, sobretudo São Paulo, e o campo ficou vazio. A busca por melhores condições de vida, com
emprego e gozo dos direitos trabalhistas, a proximidade aos centros de saúde, à escola provocou o
êxodo rural. Era um fenômeno
nacional. O pleno emprego principalmente
na indústria automobilística atraía. Quem
ia, ficava bem e influenciava para a ida de parentes e amigos esquecidos no
campo. Depois, aconteceu o inchaço nas
capitais, juntamente com a robotização das grandes indústrias. As máquinas substituíram a mão de obra
humana. Muita gente desempregada perdeu o encanto pela cidade grande. Quem pôde, voltou. Pegou as indenizações, vendeu casa e outros
valores acumulados durante os bons momentos, e procurou o caminho de
volta. Mas não para a roça, onde as
pequenas propriedades haviam sido vendidas para os grandes proprietários de
terra e passavam a fazer parte dos latifúndios. O jeito era empatar os recursos
na compra de um lote e construir uma casa na cidade mesmo. Abria-se um mercado para a criação de novos bairros,
o que fez crescer o perímetro urbano sem critério e sem planejamento. Os altos
dos morros foram ocupados, lado a lado com as margens dos rios Chopotó(Xopotó)
e Piedade. Surgiram muitas áreas de
risco.
Resultado: menos de 20% da população se
encontram na zona rural, em alguns aglomerados populacionais ou em habitações
isoladas, muito distantes uns dos outros. Poucas são as famílias que ainda
cultivam suas terras para plantar e colher o necessário para seu consumo, e ter
um excedente para vender e gerar recursos para adquirir outros bens que não
saem da terra: roupa, sapatos, eletrodomésticos e tudo aquilo necessário a
qualquer grupo familiar. Grandes extensões de terras férteis se encontram
ociosas por falta das condições básicas de bancar os custos com o cultivo e
esperar a colheita para gerar receita. E
ainda há a incerteza do tempo: chuva e sol na hora certa quando as sementes plantadas
precisam de irrigação na medida para germinar.
Cada produto com suas características específicas.
O fenômeno migração atingiu principalmente
os pequenos municípios que, de produtores, passaram a consumidores desses bens
primários. Ficou a produção reservada
apenas para o agronegócio que, como todo negócio tem o objetivo do lucro,
oriundo da rentabilidade, dos baixos riscos, da produtividade e dos menores
custos. Para atingir essas metas, via
de regra, buscam meios em desequilíbrio com a garantia da saúde dos
consumidores. Recorrem avidamente aos
agrotóxicos e à adubação química. Os
insumos orgânicos, naturais, são descartados.
Vem o paradoxo: os municípios com terras férteis não cultivadas têm de
consumir produtos vindos de longe, sob temperaturas incompatíveis com sua
conservação e sujeitos aos choques inevitáveis das longas viagens. Devido aos custos de transportes, à busca do
lucro de produtores e intermediários, e ao risco de deterioração rápida a
porcentagem sobre os custos é muito alta
e os alimentos chegam muito caros aos consumidores. Feijão com alta de 25,85% apenas na primeira semana de abril,
puxa o arroz e demais grãos para cima.
Tomate que esteve a R$ 10,00 em
nosso mercado, mesmo estando em baixa, nunca voltará aos patamares
anteriores. As pesquisas mostram que a
inflação tem sido mais cruel com as camadas populares de menor renda, porque
sua base de consumo está nos alimentos.
E neste ano estamos vendo, mês a mês, que o salário mínimo tem perdido
valor na comparação real com o mesmo mês do ano anterior.
Imagem: oregionalpr.com.br
Os poderes do Município precisam
colocar em sua agenda uma política voltada para a produção de alimentos na sua
própria base territorial, para arrefecer os preços e melhorar a qualidade
desses produtos primários na defesa não só da economia popular, como da saúde
das pessoas. Tem de haver uma ação que
leve as terras ociosas a produzir, em parceria com seus proprietários, com o
fornecimento de mão de obra, máquinas, insumos e garantia de preços mínimos.
Para os proprietários que não desejarem
cultivar seus terrenos, os poderes municipais podem propor o arrendamento de
suas terras e assumir o cultivo desde a plantação até a distribuição. São formas de atingir dois objetivos:
aproveitar a mão de obra ociosa, desempregada, dar-lhe trabalho, garantir o
sustento dessas pessoas e agregar a produção de cada propriedade à de todo o
município. Isto garantirá maior oferta e fartura,
distribuída em feiras, no comércio e até nas portas dos consumidores.
Os poderes públicos podem e devem tomar
essa iniciativa com o uso de mecanização e da mão de obra direta. Nossa
topografia é pouco favorável para a lavoura mecanizada. E, em um sistema
socialmente justo, a máquina produz para o ser humano, e não por ele. Nunca o homem deve ser excluído da produção.
Tem que ser o beneficiário. Toda terra
que produz matagal, produz alimento. O
trabalho inteligente determina seu melhor aproveitamento.
(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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