segunda-feira, 25 de março de 2013

EDUCAÇÃO - Sayonara(QUARAÍ-RS) - O PODER DA INTERPRETAÇÃO





O PODER DA INTERPRETAÇÃO
Mabel Pessoa Spindola (UERJ)
 
Introdução

Visando ao despertar do leitor para o imaginário poético e para a sua participação enquanto “autor” no momento da interpretação; este trabalho aborda o aspecto prático do ato de interpretar e retrata a importância de se saber chegar às entrelinhas fomentando a consciência crítica na construção de um leitor em potencial.

Ao interpretar o universo de cada autor e obra, assim como, a leitura de uma notícia; o leitor interage com o texto e deixa sua posição passiva de receptor da mensagem passando a construtor de novos saberes.

É esta interação; é o papel do leitor na recriação do texto que chamaremos aqui de interpretação.

E o poder? O poder é a capacidade que o texto tem de levar o pensamento do indivíduo (o leitor em potencial) que a cada nova leitura se torna um novo homem, um novo ser enriquecido de experiências que após a leitura interpretativa deixam de ser do autor para tornarem-se suas.
 
Desenvolvimento

Em sala de aula, constatamos que uma das grandes dificuldades do aluno é o fato de não saber ler. É verdade. Muitos alunos chegam ao ensino médio e até superior sem saber ler. Entendemos por leitura mais que a simples decodificação dos sinais gráficos, mais que a simples compreensão ou reconhecimento da história. Trataremos da terceira etapa deste processo de leitura: a interpretação.

O aluno não consegue muita das vezes compreender a mensagem e muito menos chegar às entrelinhas. Devemos fazer com que ele consiga viajar pelas inúmeras possibilidades de significação da palavra.

Como?

Questionando a nossa condição de educador e refletindo a nossa prática diária em relação ao nosso aluno. Devemos acreditar no que fazemos e só assim o aluno também acreditará.

Uma sugestão seria resgatarmos a origem.

“No princípio era a palavra e a palavra se encarnou”

“E o Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós” #[1]

No princípio, não existia a matéria, o corpo da palavra. Só existia a Vontade divina#[2]. Não havia delimitações. A palavra era infinita, pertencia ao mundo da abstração. Mas foi por Vontade divina que a palavra se fez carne, foi neste momento que a palavra passou à mortalidade da matéria. O corpo da palavra é o seu cárcere. Como comportar um elemento infinito dentro de um corpo físico? Muito se perde nesta transubstanciação.

A palavra forma-se por dois constituintes: um material e outro imaterial.

Entramos no aspecto lingüístico da palavra. Sabemos que a palavra é um signo formado pela relação estabelecida entre o significante e o significado#[3]. Não há signo lingüístico sem essa relação.

Percebemos então, que ao ser tolhida a palavra perde muito de sua essência por não ser possível conter o infinito dentro do finito.

Tracemos um paralelo entre a natureza da palavra e a natureza humana. Nós somos espíritos infinitos aprisionados neste corpo perecível e mortal. Somos formados também da relação entre o material e o imaterial. Perdemos muito de nossa essência e deixamos de compreender a nossa própria existência devido a nossa condição humana.

Se em um determinado momento somos tomados por um sentimento de raiva, ou de angústia, ou de dor, sabemos que ele é real; que esse sentimento é concreto para nós. Uma vez que sejamos tomados por algum outro sentimento, o primeiro seria substituído e deixaria de existir. Mas suponhamos que quiséssemos eternizar aquela raiva, aquela angústia ou dor. Qual seria o nosso procedimento? Como o tornaríamos eterno, concreto também para o outro? Visível, paupável? Através da palavra escrita. Através do texto. Ao tocarmos o texto estaremos tocando o sentimento.

O texto é para nós a tentativa desesperada de nos reconhecer como imortal. A obra literária transgride o tempo. Através dela, hoje, temos acesso à natureza do homem do século passado ou de qualquer outra época. Conhecemos os defeitos, as paixões, os amores, os medos, os pensamentos que se eternizaram na história da Literatura.

É essa visão personificada da palavra que poderíamos transmitir ao nosso aluno para que ele se aproxime do universo da palavra como quem se aproxima de si mesmo. Podemos criar essa identificação. A palavra como espelho do “eu” e ou do “nós”.

Um exemplo: quando um aluno lê uma questão de Química e não consegue saber o que está sendo pedido, quando lê um conto e não entende nada é porque a palavra se fez mais esperta que ele. Assim como o homem, a palavra também se veste. Para cada ocasião temos um traje apropriado. Se vamos à praia; usaremos o biquíni, o maiô, a sunga. Se vamos a uma cerimônia festiva; vestidos longos, saltos altos, fraques, ternos. O mesmo processo se dá com as palavras. Para cada momento, para cada texto temos uma roupagem diferente E esse é o grande causador das dificuldades de interpretação do nosso aluno que não consegue reconhecer o traje da palavra naquele determinado contexto.

O aluno tem dificuldades de traçar relação entre o texto, ele e a própria realidade. É essa relação que devemos promover para que a interpretação seja possível.

Consideremos a Literatura como um prolongamento do corpo humano, ou melhor, tendo o homem sido fragmentado em sua origem, ele busca incessantemente a imortalidade perdida e a arte nada mais é que essa transcendência, essa aspiração à eternidade. A arte dribla a morte. Dribla o fim, a finitude humana.

O aluno teme o que desconhece, assim como nós. Em meio a um mundo de concepções individualistas e consumistas, um mundo em que beiramos a superfície e nunca chegamos ao fundo, ao centro, a essência é difícil travar um conhecimento que exija sensibilidade, reflexão e leitura.

O aluno teme mostrar-se, revelar-se e teme conhecer e desvendar o outro. Precisamos romper o medo e fazer fluir o interesse do aluno por si e pelo outro, fazer fluir o interesse pela existência das coisas. Uma existência bela no que diz respeito ao encontro entre sua fração mortal e sua fração imortal. Esse encontro se dá em nível de leitura, em nível de arte literária.

Enquanto professores, muita das vezes, agimos de forma equivocada considerando o nosso aluno como uma folha de papel em branco a ser preenchida pelo conhecimento que transmitimos. Isso é educar? É para isso que nos tornamos professores? Não. Devemos encarar a relação ensino-aprendizagem como uma relação mesmo. Existe uma interatividade entre o educador e o educando, entre o professor e o aluno, e mais, entre o conhecimento, o saber acadêmico e o saber do aluno constituído por suas experiências particulares, sua vivência enquanto ser.

Tudo está intimamente ligado. É esta ligação que deve ser feita para alcançarmos junto ao aluno o estágio da interpretação.

Muitos estudos já foram realizados a respeito da Leitura e da interpretação, Temos três eixos centrais: O texto, o autor e o leitor. O nosso momento pede que centremos nossa atenção no leitor, afinal, é para ele que o autor escreve sua obra.

A obra pronta, fechada dentro do livro, não estabelece nenhuma relação com o leitor#[4]. O aluno não vê interesse em mergulhar naquela história, pois a considera distante demais de sua realidade, de seus interesses. O que deve ser feito é mostrar para o aluno que tudo é um, que participamos do mesmo universo e que existe um inconsciente coletivo regendo nossa convivência e evolução e que por este motivo, aquela obra tem e terá muito de nós mesmos e que a sua leitura irá nos proporcionar autoconhecimento, seria provável que este aluno passasse a buscar na leitura a identificação do seu “eu”, com o “eu” do outro e com o “eu” do mundo.

Ao abrir o livro, ao passar os olhos no texto, o leitor inicia uma relação íntima de construção mútua do próprio texto e de si.

Será que o leitor participa diretamente do ato da criação da obra? Ele estava lá quando o autor teve a idéia e a traduziu em palavras? Não. O autor ao criar a obra literária deixa de ser simples criatura para tornar-se o criador. A literatura tem esse dom de elevar homens à condição divina do Criador. O autor é o criador, ele é onisciente, onipresente e onipotente dando vida ao que antes era só vontade. Mas depois da obra feita ela percorre uma trajetória que irá rumo a sua reformulação.

Será que o texto lido é o mesmo texto escrito pelo autor? A mensagem que o leitor recebe é a mesma mensagem que o autor transmitiu ao escrever a obra? Para respondermos a essa indagação iremos utilizar uma dinâmica com o texto:

 
O tempo lá fora



[Autor desconhecido]

Dentro de minha casa o vento não penetrava, somente lá fora era frio e o vento assobiava. Mas veio alguém e abriu a porta. Meus pés gelaram e meus ouvidos escutaram os gemidos do vento. Agora não posso deixar que fechem a porta. De que modo, gozarei o calor e o silêncio de minha casa, sabendo como está frio e como venta além destas paredes?

A dinâmica se dá pelo levantamento do campo semântico e de todas as possíveis significações que os alunos irão atribuir a aqueles significantes do texto.

Teremos, então, diversos textos a partir do primeiro. O que temos são vários textos, várias leituras, de acordo com a recepção, e o espírito de cada leitor.

É na teoria da receptividade que iremos buscar soluções para a dificuldade do aluno em interpretar. O leitor não é um receptor passivo da mensagem textual. Ele é parte integrante do texto e no ato da leitura torna-se co-autor, pois o texto que chega ao leitor não é o mesmo que saiu do autor. O leitor é ativo, é interativo na medida em que atribui àquelas palavras a importância que lhe convir, a emoção que lhe couber. O leitor não é estéril.

Devemos ser francos com o nosso aluno. Tratá-lo com respeito. Ele é um leitor em potencial. Se hoje não há compreensão do texto lido, só depende dele mudar este quadro. Não devemos subestimar o nosso aluno. Devemos trabalhar com a sua auto- confiança.

– É lançado o desafio: Eis o texto. E aí? Vocês vão ceder diante às armadilhas da palavra ou vão desmascará-las?
– Como, Professor?

A pergunta será feita e caberá a nós, educadores, mostrarmos como. O primeiro passo já foi dado. Despertado o interesse do aluno pela leitura interpretativa o que alcançamos é algo muito maior. Essa busca é pela maturidade e pelo saber.

Vamos trabalhar com a realidade do aluno. Fazer dele um texto a ser lido. É um bom começo. Fazer com que o aluno leia a si mesmo e o diálogo com as palavras vai se iniciar de forma agradável e amiga; com o passar dos dias apresentaremos um texto de maior complexidade, trabalharemos o vocabulário, chamaremos a atenção para o discurso, mergulharemos na polissemia, nas alterações semânticas, nos recursos literários. Depois leremos o outro, o texto que é o outro. Iniciaremos a análise, a comparação. Estabeleceremos semelhanças e diferenças, questionaremos. Nosso leitor estará nascendo bem devagar, lentamente até que as palavras sejam desmascaradas e o contexto reconhecido. O aluno levará para a sala de aula assuntos de seu interesse e então, estaremos lendo o mundo, cada um com o seu texto. Novas descobertas, novas dúvidas, inúmeras dificuldades. Mas finalmente chegará a hora de seduzirmos o aluno leitor com a Literatura. 

Transformaremos o estudo em prazer. Ler não será mais somente travar lutas com as palavras, mas enxergá-las belas, vistosas diante de nosso olhar.

Para o aluno o domínio da arte de interpretar é a sua real participação enquanto indivíduo dentro da construção do próprio conhecimento, do pensamento de sua geração.

Nisto consistirá o poder, em fazer da interpretação uma arma contra a alienação e a ignorância. Uma arma em prol do estudante, do aluno, do leitor em potencial contra toda forma de opressão.
 
CONCLUSÃO

Dentro do corpo complexo, mas mortal, existe uma alma imortal que se traduz pelo verbo e se encarna na palavra. O homem não satisfeito com o verbo cria a palavra escrita a fim de eternizar o seu universo interno e torná-lo tão concreto quanto seu próprio corpo. Não satisfeito em criar a escrita, iluminado pelo eu espírito artístico, o homem preocupou-se em tornar belo sua parcela imortal.

Assim como o corpo, a matéria é limitada e perecível: a palavra escrita e falada também são. Não se pode exigir perfeição no plano da matéria, a perfeição só é possível na arte. A arte literária é a busca pelo belo, pela perfeição do verbo.

Ser capaz de interpretar a arte literária é intitular-se o deus do seu universo imortal. De mero leitor passa-se a criador no instante em que internaliza o objeto lido e o digere para transformá-lo, logo em seguida, repleto de si mesmo.

Ser capaz de interpretar, não só o objeto lido, mas o mundo que se esconde por trás de cada termo é comparável à ação criadora.
Gera-se uma nova vida.
 
Bibliografia
BARTHES, Rolan. Elementos de Semiologia. São Paulo : Cultrix, 1974.
CAMPOS, Dinah M. de Souza. Psicologia da Aprendizagem. Petrópolis : Vozes.
CHABROL, Claude et alii. Semiótica narrativa e textual. São Paulo : Cultrix, 1977.
CHOMSKY, N. Linguagem e Pensamento. Petrópolis : Vozes,1977.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança.
____________ e Frei Betto. Essa Escola Chamada Vida.
JAUSS, Robert Hans. A Literatura e o Leitor:textos de estética de recepção. Coordenação de Luís Costa Lima. Rio de Janeiro : Paz e Terra,1979.
LYON JUNIOR, Harold. C. Aprender a Sentir – Sentir para Aprender. São Paulo : Martins Fontes, 1977.
MEKSENAS, Paulo. Sociologia da Educação. São Paulo : Loyola, 1988.
PAULUS, Jean. A Função simbólica e a Linguagem. Rio de Janeiro : Eldorado,1975. Revista de Cultura Vozes, nº 05/1973 ano 67.
SOARES, Magda. Linguagem e Escola: Uma Perspectiva Social. São Paulo : Ática, 1987.
 


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