Há mais de 20 anos, víamos nas ruas de Visconde do Rio Branco
crianças abandonadas, às vezes em noites de chuva, ou durante o dia vagando a
esmo, de maneira perceptível de que não tinham pais ou tutores que lhes
cobrassem presença em casa para a convivência em família, ou para a realização
de tarefas escolares, os conhecidos “deveres de casa”.
Sabíamos que aquele quadro lastimável
era um retrato do Brasil do fim do Século XX, para o qual os governantes
viravam as costas. Pelos meninos
conhecidos no nosso próprio município, dava para se fazer uma previsão de qual
seria o seu futuro. Naquele tempo, as próprias escolas já passavam pela
infiltração de agentes do narcotráfico que procuravam atrair e corromper as
mentes e a conduta dos estudantes, sobretudo os que se destacavam como
expoentes de inteligência avançada, revelada no bom desempenho das matérias
ministradas.
A Ditadura Militar que chegava ao fim
por esgotamento em si mesma havia cumprido sua missão de tirar o país dos rumos
da soberania nacional e da emancipação econômica sonhada e perseguida pelos
brasileiros que os golpistas depuseram, cassaram, prenderam, arrebentaram, mataram,
exilaram e aniquilaram.
A Ditadura explícita espirava-se
também, e principalmente, por determinações vindas de fora, das mesmas fontes
que patrocinaram o Golpe, com apoio logístico, financeiro e até de esquadras
posicionadas na costa marítima brasileira, para invadir o território e atacar,
caso a população resistisse ao golpe.
No entanto, a Ditadura tinha um
propósito que ia além de sua existência:
criar quadros dentro de um regime aparentemente democrático, que dessem
continuidade ao processo de entrega da soberania e da riqueza nacionais aos
domínios externos de caráter imperialista.
Isto implicava também em evitar o
surgimento de novas lideranças que poderiam emergir dos bancos escolares, com o
ímpeto do que fora a UNE – União Nacional dos Estudantes. Teriam então que destruir o sistema
educacional no que tivesse de pedagogia avançada e eficaz, que pudesse libertar
um povo pelo conhecimento de seus valores.
Para tanto, precisaria também desmontar o quadro docente na desqualificação
e no desestímulo dos seus profissionais.
E tornar o ensino um sistema onde
os jovens poderiam entrar, passar e concluir sem saber. Todas as medidas teriam que conduzir a um
processo de desqualificação intelectual e cognitiva das gerações seguintes. A falta de motivação da juventude pela escola
era simplesmente uma consequência natural.
Paralelamente, continuava a marcha do
arrocho salarial, a agravar as questões sociais, de maneira a colocar pais e
mães a trabalharem fora na tentativa de cobrir uma parte das necessidades de
toda a família. Esse clima, essa busca, essa ansiedade tornaram-se ingredientes
fortes para a dissolução de lares. E as crianças abandonadas foram resultado inevitável.
O imperialismo internacional
arregimentou candidatos a governantes nos seus moldes, para imposição das políticas sócio-econômicas
recessivas e entreguistas, e os congregou no famigerado Consenso de Washington,
para toda a América Latina, onde as ditaduras militares recebiam determinações de
entregar o poder à sociedade civil. Do
Brasil, subscreveram o Consenso nomes que brotavam na cena política associados
ao partido ditatorial ARENA e alguns oportunistas que antes se mascaravam de
socialistas.
Os meninos de rua tornaram-se produtos
desse estado de coisas em todo o país.
Dos que
voltaram do exílio, Leonel Brizola despontou e conquistou o governo Estado do
Rio de Janeiro em 1982, contra a vontade dos grupos dominantes. Ele e Darcy
Ribeiro faziam parte de 1.000 brasileiros que haviam tentado emancipar o país
antes do Golpe. Brizola Governador, e
Darcy Secretário da Educação, idealizaram os Centros Integrados de Educação Pública-CIEPs
e lançaram um plano ousado de implantar 500 unidades naquele estado.
“Implantado
inicialmente no estado do Rio de Janeiro, no Brasil,
ao longo dos dois governos de Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994), tinha como
objetivo oferecer ensino público de qualidade, em período integral, aos
alunos da rede estadual.
O horário das aulas estendia-se das 8 às 17 horas, oferecendo,
além do currículo regular, atividades culturais, estudos dirigidos e educação física.
Os CIEPs forneciam refeições completas a seus
alunos, além de atendimento médico e odontológico. A capacidade média de cada
unidade era para mil alunos.
O projeto objetivava,
adicionalmente, tirar crianças carentes das ruas, oferecendo-lhes os chamados
"pais sociais", funcionários públicos que, residentes nos CIEPs, cuidavam de crianças
também ali residentes.”(pt.wikipedia.org).
Enquanto
Brizola estava na vida ativa, os legisladores desaprovavam a reeleição. Os seus
sucessores, em um mandato e em outro, sempre a serviço dos grupos dominantes, destruíam
aquelas escolas e acabaram por tornar alguns prédios em esqueletos abandonados. Os que sobreviveram, regrediram ao estágio de
escola comum, de turno único.
Se
aquele plano tivesse ido adiante, cada município do Brasil poderia ter pelo
menos uma escola de tempo integral, dentro da proposta de tirar as crianças de
rua para se tornarem cidadãos e cidadãs de bem, de vida normal e digna.
Mas
predominou o abandono. Investimento em
educação saiu do dicionário dos dirigentes.
Educação de qualidade tem que ser privilégio dos endinheirados para dar lucro à
rede particular de ensino. As crianças abandonadas de vinte anos atrás se
tornaram adultos desnorteados. O mundo
do crime cresceu e prosperou. As cidades pequenas, antes tranquilas e pacíficas,
agora têm sua população dividida entre bandidos e os que não são.
Neste
ponto, chegamos a uma situação curiosa: o Crime Organizado pode prosperar,
misturar-se ao poder econômico, ao lado das eleições patrocinadas pelo capital
privado. A quem representam os eleitos?
De quem dependem?
Então
olhamos os componentes dos poderes executivo e legislativo e não temos certeza
de saber com quem estão comprometidos. Percebemos é que as leis estão cada vez
mais frouxas em relação aos criminosos.
E mais rígidas sobre os que exercem atividades comuns sob a mira do
fisco e das relações do trabalho. São relações de conflito entre os membros da
sociedade, como a provocar demandas e ações judiciais, cada vez mais
ameaçadoras do parco patrimônio de quem luta para sobreviver. Mas não cuidam da
distribuição de riqueza, nem da valorização do trabalho.
Frente
a tanta violência e conflito, os governantes alardeiam planos para altos investimentos
em segurança que compreende mais construções de presídios, maior número de
viaturas e efetivos policiais, mais avançadas tecnologias nos instrumentos,
como câmeras de vigilância por vídeo nas vias públicas.
À medida
que o tempo passa, maiores têm sido essas buscas de verbas para segurança.
Porque, à medida que o tempo passou, aniquilou-se a educação, desprezaram e
desvalorizaram seus profissionais; desqualificou-se o sistema de ensino;
deixaram as crianças crescerem abandonadas.
Deixaram de ensinar o menino, agora pensam em punir o adulto. Cada
escola a menos, requer um presídio a mais.
(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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