quarta-feira, 22 de maio de 2013
Saúde: negócio ou direito da população?
O que incomoda às elites corporativistas e mercantilistas não é o médico cubano, mas a vitoriosa medicina livre da máfia dos interesses insaciáveis
Quando na primavera de 1980 fui trabalhar para uma tradicional rede de óticas do Rio de Janeiro, já em concordata, assumindo a sua house agency, deparei-me com uma situação insólita que explicaria toda essa celeuma doentia que ergueu uma muralha de indignidades contra a vitoriosa medicina cubana para esconder a patética submissão das rotinas médicas ao bilionário complexo industrial, comercial e de serviços que torna a saúde um dos mais lucrativos negócios do nosso país.
Clique no gráfico para vê-lo maior |
A ótica, administrada por um dos filhos do fundador, havia sido a grande marca do ramo, mas padecia da doença do envelhecimento e precisava de uma carga de oxigênio que curasse todos os seus males.
Fiz então um plano associando-a ao nascente movimento ecológico e oferecendo meios para o resgate da velha clientela junto com a busca de novos nichos do mercado. O filho gostou muito, mas o patriarca que ganhara muito dinheiro ao longo de meio século, desprezou tudo o que escrevi com a seguinte alegação:
- Falta o principal. Falta a comissão dos oftalmologistas que direcionam seus clientes para nossas lojas.
Não gostava do que estava ouvindo, mas era aquilo mesmo. Como naquela época, apesar de ser um delito ético, ainda existe uma certa relação de interesses entre médicos com consultórios montados em sociedades ocultas e a comercialização de produtos óticos, que todo ser humano tem de comprar, mais dia, menos dia.
Recusei-me a incluir esse expediente no projeto; a ótica em seguida foi comprada por uma multinacional que fabricava óculos e limitei-me a fazer o registro da minha indignação para mim mesmo, embora amigos médicos garantissem que esse tipo de prática era restrito a algumas especialidades.
Omissão diante de abortos ilegais e do charlatanismo
Clique no gráfico para vê-lo maior |
De fato, os conselhos de medicina criados em 1951 por Getúlio Vargas especificamente para proceder os registros dos médicos e aplicar o seu código de ética extrapolaram a sua modesta função original para ocupar até mesmo os espaços dos sindicatos, embora, com toda essa empáfia, e com um orçamento total de meio bilhão de reais por ano, jamais tenham pleiteado seguir as pegadas da OAB, que só permite o exercício da profissão de advogado mediante prestação de exames a ela, independente dos diplomas fornecidos por faculdades e balcões de “ensino”. (Em geral, passam nos exames da OAB menos de 20% dos formados).
Esses conselhos, dotados hoje de tantas funções, parecem desconhecer que existem clínicas de endereços conhecidos responsáveis pela prática ilegal de 1 milhão de abortos por ano – com estimativa de 10 mil mortes maternas em consequência das condições precárias em que acontecem.
Parecem não estarem ligando para o charlatanismo de pastores que fazem “curas milagrosas de doenças graves” transmitidas pela televisão ao vivo e a cores.
Parecem que não sabem do uso de médicos em “serviços sociais” precários de políticos clientelistas, que empregam os profissionais "informalmente" com objetivos nada éticos, aproveitando-se do sucateamento da saúde pública.
Insistem em admitir um monte de faculdades de medicina em condições precárias, com resultados sofríveis no Enade, as quais jogam centenas de novos médicos na rua, sem que os mesmos sejam submetidos a qualquer prova de “validação” dos seus diplomas.
Qualquer cidadão de mediana inteligência percebe que essa reação das máquinas profissionais contra os cubanos não é contra eles, mas contra a medicina que praticam, cujos resultados são EXALTADOS por órgãos como a Organização Mundial de Saúde e até pela mídia especializada que não depende da grana dos laboratórios e da indústria de equipamentos.
Enfim, são muito atuantes quando querem mostrar as deficiências do sistema público de saúde, mas calam diante das péssimas condições de hospitais particulares conveniados ou não com o SUS e com a grade precária de atendimento mesmo dos usuários dos caríssimos planos privados.
Bandeira de campanha eleitoral nos conselhos
Clique no gráfico para v|ê-lo maior |
E está agindo a bangu, sem escolher companhias, nem argumentos. Em seu site, oferece apoio a um movimento Revalida liderado pelo estudante Juracy Barbosa dos Santos, da Faculdade de Medicina do Planalto Central, a mesma que figurou no Diário Oficial da União em abril de 2010 para sofrer processo administrativo do MEC, juntamente com outras cinco pilhadas por ensino de baixa qualidade.
Por razões que qualquer um pode supor, das seis faculdades relacionadas no diário, apenas o curso de medicina da Universidade de Nova Iguaçu foi punido. No mesmo dia da publicação do DOU, o então ministro da Educação, Fernando Haddad, cedeu e aplicou a ela apenas o corte de algumas vagas para permitir que continuasse funcionando.
A doença como negócio, como previa um certo Ivan Ilitch
Ilitch abalou a medicina em 74 |
Em sua obra, o ex-padre, físico e filósofo austríaco escreveu:
“O sistema médico cria incessantemente novas necessidades terapêuticas. Mas quanto maior a oferta de saúde, mais
as pessoas crêem que têm problemas, necessidades, doenças. Elas exigem que o progresso supere a velhice, a dor e a morte. Isso equivale à própria negação da condição humana”.
Foi exatamente nos anos 70 que a medicina começou a ser hegemonizada no Brasil pelo complexo de interesses mercantis, alavancado pelo sucateamento da saúde pública de qualidade que tínhamos até então e pelo aparecimento dos planos de saúde e da indústria de equipamentos de alta tecnologia.
Cuba foi do nada aos melhores índices de saúde
Clique na imagem para vê-la maior |
Essa mudança, inspirada na experiência chinesa dos médicos de pés descalços, EU VI COM MEUS PRÓPRIOS OLHOS, quando fui trabalhar em Havana como jornalista nos anos 1961/62. Naqueles primórdios a dignidade de um povo livre falou mais alto através da revolução incrivelmente INVICTA, que até hoje acarreta o maior trauma da super-potência imperial e dos seus áulicos, provocado por sua heroica sobrevivência por cima de pau e pedra.
A única faculdade de Medicina existente em 1959, exclusiva dos filhos dos “terratenientes” e da elite, deu lugar a uma ampla rede de ensino que sacudiu o mundo com sua didática fundada não apenas na profilaxia, mas no desenvolvimento de tecnologias tão avançadas que levou a mídia especializada dos Estados Unidos e de todo o Ocidente a inevitáveis constatações de êxito, como as publicadas na New England Journal of Medicine, a revista mais respeitada de medicina do mundo, e no programa Newsnight, da BBC de Londres, que conjugou matérias feitas na ilha com um relatório do Comitê de Saúde do Parlamento Britânico.
Graças a um investimento de 1 bilhão de dólares nos últimos 20 anos, sabe Deus a que a sacrifício, Cuba detém hoje 1.200 patentes internacionais e comercializa produtos farmacêuticos e vacinas em mais de 50 países. A biotecnologia é hoje uma das quatro principais fontes de divisas do país, junto com o turismo, o açúcar e o níquel.
No Brasil reina a medicalização mercantilista da saúde
É claro que o sucesso da medicina cubana de verniz socialista incomoda os mercantilistas brasileiros que vivem da medicalização da saúde, deformação que já mobiliza dezenas se entidades preocupadas, e na formação de mauricinhos que não seriam aprovados em provas fora dos âmbitos de suas faculdades, como aconteceu em São Paulo, onde estão as melhores escolas, em que 54% dos examinados levaram bomba, embora as questões da prova fossem de baixa e média complexidade, como admitiu o presidente do Cremesp, Reinaldo Azevedo.
Clique na imagem para vê-la maior |
O sucesso desses médicos, como já aconteceu em Tocantins, vai deixar mal na fita todo esse arcabouço de interesses privados que vive do negócio das doenças e do grande ralo para onde drenam os recursos públicos.
Mas vale considerar também o depoimento do médico Pedro Saraiva, brasileiro residente em Portugal, em opinião publicada no blog do jornalista Luis Nassif, que reproduzo na íntegra no Debate Brasil.
– Acho estranho o governo ter falado em atrair médicos cubanos, portugueses e espanhóis, e a gritaria ser somente em relação aos médicos cubanos. Será que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma? Sou médico e vivo em Portugal, posso garantir que nos últimos anos conheci médicos portugueses e espanhóis que tinham nível técnico de sofrível para terrível. E olha que segundo a OMS, Espanha e Portugal têm, respectivamente, o 6º e o 11º melhores sistemas de saúde do mundo (não tarda a Troika dar um jeito nesse excesso de qualidade). Profissional ruim há em todos os lugares e profissões. Do jeito que o discurso está focado nos médicos de Cuba, parece que o problema real não é bem a revalidação do diploma, mas sim puro preconceito.
Em dezembro de 2010 fui à Cuba para documentar um vídeo o sistema de formação de atletas, que têm os melhores desempenhos da América Latina. Passei dez dias em reportagens entrevistas, mas cometi alguns erros técnicos e espero ainda ter outra oportunidade para concluir esse trabalho.
Conheça um médico cubano
Clique na imagem para ver a entrevista |
Veja um pequeno trailer no You Tube em Fábrica de Campeões
Desse material, extraí uma entrevista com Pablo Ribeiro, um dos mais de mil especialistas em medicina esportiva. Mesmo em espanhol, vale dar uma olhada no vídeo para conhecer um pouco o perfil de um médico cubano, consciente e comprometido com uma causa muito maior do que seus interesses pessoais.
Desse material, extraí uma entrevista com Pablo Ribeiro, um dos mais de mil especialistas em medicina esportiva. Mesmo em espanhol, vale dar uma olhada no vídeo para conhecer um pouco o perfil de um médico cubano, consciente e comprometido com uma causa muito maior do que seus interesses pessoais.
Postado por Pedro Porfírio às 22:41
Nenhum comentário:
Postar um comentário