Não basta investir (30/01/2000)
Até o fim da II Guerra pouco se falava em desenvolvimento econômico. A questão mais quente era como controlar as flutuações cíclicas da economia, os ciclos de prosperidade e depressão. Depois da guerra, no entanto, tudo mudou, e depressa.
Tinha havido uma enorme transformação do ambiente. Depois de 10 anos de depressão e mais seis da guerra, todos os povos queriam recuperar o tempo perdido. A palavra-chave era "reconstrução".
Isso queria dizer políticas, programas e projetos que só pareciam factíveis com recursos e liderança do setor público. Em 1936, Keynes havia feito a cabeça dos economistas - deixando sem graça, por um quarto de século, os neoclássicos tradicionalistas - com uma ideia surpreendentemente simples: a de que, numa conjuntura recessiva, em que há ociosidade de mão-de-obra e de máquinas e equipamentos, pode-se aumentar a demanda real simplesmente pela injeção de recursos para aumentar a demanda monetária. Criando dinheiro, o governo conseguiria provocar um aumento efetivo da renda e, graças a isso, reduzir o desemprego da força de trabalho.
No pensamento de Keynes, isso só ocorreria em situações recessivas, mas a tentação de esquecer esse "detalhe" seria grande demais para os políticos.
Outra novidade teórica de um brilhante economista soviético dos anos 20, N. Kovalesky, que passaria despercebida durante muito tempo, foi o uso da relação capital/produto para projetar o crescimento do país. Essa idéia manipulada décadas mais tarde por dois economistas ocidentais - R. Harrod e E. Domar - se transformou num famoso modelo, que se popularizou de modo fulminante entre os planejadores desenvolvimentistas.
Depois da guerra, todas as regiões coloniais queriam ficar independentes. Alguns partiram para a luta armada contra as metrópoles mais renitentes, como Bélgica, Holanda, França e Portugal. Outros colonizadores, Inglaterra e Estados Unidos, tiveram mais bom senso. No final de três décadas, perto de uma centena de novos Estados havia surgido, todos sequiosos por rápido desenvolvimento.
Receitas simples têm grandes vantagens. E foi o que aconteceu com o modelo Harrod-Domar. Naquele momento, era razoável supor-se que: 1) havia grande redundância de mão-de-obra na agricultura; 2) o capital (máquinas, equipamentos) era o fator mais escasso; e que 3) seus rendimentos eram lineares, isto é, diretamente proporcionais à quantidade disponível. Tornou-se irresistível a tentação de um modelo fácil: com um coeficiente capital/produto de 3, para o país crescer a 7% ao ano, digamos, bastaria ao governo promover um investimento líquido de 21% do PIB -dele próprio, dos investidores privados e de fontes estrangeiras.
Inutilmente Domar, algum tempo depois, renegou sua fórmula por simplista demais. Era exatamente esse simplismo que a popularizava. Os teóricos sérios sempre souberam que a realidade era muito mais complexa, incluindo complicadores tais como a distribuição dos recursos naturais, a posição geográfica, a tecnologia, a cultura, os valores sociais, as instituições, a segurança e estabilidade das leis, a liberdade de iniciativa e o direito aos frutos da atividade econômica. Max Weber chegou mesmo a explicar o êxito histórico do desenvolvimento capitalista do centro-norte europeu pelos valores individualistas do protestantismo.
O simplismo de Harrod-Domar fez esquecer um princípio econômico elementar, que o professor W. Easterly formulou da seguinte maneira: "As pessoas respondem a incentivos".
Em 1960, W.W. Rostow publicou um best-seller, Os Estágios do Crescimento Econômico, em que classificava cinco estágios econômicos até se chegar à "decolagem" para o desenvolvimento auto-sustentado. Este dependeria do aumento da formação de capital. E se tornaria mais ou menos automático, quando atingida uma relação adequada entre investimentos e o PIB. No contexto da Guerra Fria, quando os Estados Unidos pareciam estar perdendo a corrida tecnológica e econômica contra a falecida União Soviética, surgiram os grandes planos de ajuda externa para subsidiar o crescimento econômico. Era preciso fazer alguma coisa para ganhar a guerra, e a fórmula de crescimento automático pela intensificação de investimentos era uma arma disponível para os países ricos exportadores de capital.
Solow, cujo modelo foi o sucessor do de Domar, chamou atenção para o princípio que ficou conhecido como "produtividade total dos fatores". Ou seja, a produção não é função apenas do capital e do trabalho, mas também da tecnologia. Disso tirou o resultado surpreendente de que o crescimento a longo prazo é função apenas das mudanças tecnológicas e não da taxa de investimento, a qual determina só o nível do produto. Ultimamente, houve uma inovação teórica importante. A lei dos rendimentos decrescentes só se aplicaria aos setores convencionais. Nos setores de alta tecnologia, como a Internet, os rendimentos seriam crescentes, pois a ampliação indefinida dos usuários reduziria os custos de transação, aumentando a produtividade global.
Dois exemplos ilustram a importância da qualidade e eficiência do investimento. Um deles é o da União Soviética, que experimentou estagnação econômica na década dos 80, apesar de taxas de investimento da ordem de 30% do PIB. Outro é o do Brasil em seus investimentos sociais. Nossos gastos sociais são bastante elevados como proporção do PIB, mas os resultados são pífios, colocando-nos em posição desonrosa em matéria de índice de desenvolvimento humano.
Na ânsia de descobrirem o milagre do desenvolvimento, os economistas vêm sempre acrescentando novas variáveis explicativas. No final, talvez aprendam que não podem prever trajetórias tão exatas como a física permite em relação aos foguetes. Voltamos sempre aos velhos fundamentos conhecidos desde Adam Smith: governo pequeno e honesto, tributação moderada, respeito ao direito de propriedade e melhoria do agente econômico pela competição e pela educação. Não basta investir. É preciso investir bem.
*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.
fonte:
TRÊS CAMINHOS PARA O PLENOEMPREGO<http://www.
 
* M .KALECKI – 1944*
 
O propósito deste artigo é discutir os métodos para atingir e manter o pleno
emprego numa sociedade capitalista. Vamos considera-Ios num sistema
econômico fechado. Isto não significa que negligenciamos os problemas do
comércio exterior na discussão do pleno emprego, os quais apresentam talvez
as maiores dificuldades práticas. Eles serão tratados num estudo à parte.
Aqui, entretanto, vamo-nos abstrair deles, para poder deixar claros os
problemas teóricos fundamentais do pleno emprego. De forma semelhante,
vamo-nos abstrair da questão da mobilidade da mão-de-obra, que também é
examinada num artigo específico. No momento, podemos supor que a jornada de
trabalho é variável dentro de certos limites, o que proporciona elasticidade
suficiente à oferta de força de trabalho no curto prazo, enquanto no longo
prazo pode-se contar com o treinamento da mão-de-obra para restaurar o
equilíbrio quando a estrutura da demanda se altera.
Primeiro, e principalmente, vamos tratar neste artigo da geração da adequada
demanda efetiva para assegurar e manter o pleno emprego.
Em segundo lugar, teremos de considerar o problema do investimento privado
nesse sistema, no curto prazo e no longo prazo.
Como o título indica, vamos distinguir três caminhos para atingir e manter o
pleno emprego:
1) pelo dispêndio do governo em investimentos públicos (por exemplo,
escolas, hospitais, rodovias, etc.) ou em subsídios ao consumo popular
(auxílio às famílias, redução da tributação indireta, subsídios para manter
baixos os preços dos bens de subsistência) – entendido que esse dispêndio é
financiado por empréstimos. Chamaremos esse método abreviadamente de
Dispêndio Deficitário;
2) pelo estímulo ao investimento privado (através de uma redução na taxa de
juros, diminuição do imposto de renda, ou outras medidas que auxiliem o
investimento privado);
3) pela redistribuição de renda das classes de mais alta para as de mais
baixa renda.
Mostraremos que o segundo método, isto é, o estímulo ao investimento
privado, não é satisfatório, mas que tanto o primeiro método quanto o
terceiro são meios adequados de se manter o pleno emprego.
I. Dispêndio deficitário
O dispêndio deficitário gera demanda efetiva da seguinte maneira.
O governo realiza investimentos públicos que não concorrem com o
empreendimento privado (por exemplo, constroem escolas, rodovias, hospitais,
etc.) ou subsidia o consumo popular (pagando auxílios às famílias, reduzindo
os impostos indiretos ou dando subsídios para manter baixos os preços dos
bens de subsistência). Este dispêndio é financiado por empréstimos, e desta
forma não implica a redução do investimento privado (desde que a taxa de
juros seja mantida constante) nem do consumo não-subsidiado, e cria,
portanto, demanda efetiva adicional.
Deve-se notar que o aumento das rendas provoca, depois de algum tempo, uma
elevação da receita tributária, de modo que o déficit orçamentário final é
menor do que o incremento das despesas governamentais.
As questões fundamentais relacionadas à criação de emprego através do
dispêndio deficitário têm sido amplamente discutidas nos últimos anos.
Apesar disso, parece útil recolocar os principais pontos da discussão. São
eles: 1) De onde vem o dinheiro? 2) Tal política não elevará inevitavelmente
a taxa de juros, afetando, portanto adversamente o “investimento privado? 3)
Se a taxa de juros não se elevar, o dispêndio deficitário não criará
inflação? 4) Se o déficit do orçamento é uma característica permanente, como
podem ser manejados os encargos da crescente Dívida Pública?
Problemas fundamentais
De onde vem o dinheiro?
Embora se tenha afirmado repetidamente nas recentes discussões que o déficit
orçamentário sempre financia a si mesmo isto é, o seu aumento sempre provoca
tal elevação nas rendas e mudanças na sua distribuição que isso aumenta as
poupanças exatamente na medida para financiá-Io, esse ponto ainda é
freqüentemente mal entendido. Vamos, portanto, demonstrar este teorema
fundamental da teoria do déficit orçamentário por meio de um diagrama. A
coluna da esquerda do diagrama representa a Despesa Nacional, isto é, a soma
do gasto do governo, do gasto privado em investimento de reposição e
expansão do capital (todas as aquisições de novo capital fixo, mais as
variações do capital de giro e dos estoques), e despesa com consumo pessoal.
É fácil perceber que numa economia fechada este dispêndio deve ser igual à
soma de salários, ordenados, lucros 1 (brutos, compreendendo depreciação) e
tributação indireta. Pois o preço de qualquer mercadoria adquirida será
composto por esses quatro itens. Dessa forma, a coluna da direita,
representando a soma desses quatro itens para a economia como um todo, é
igual à coluna da esquerda que representa a Despesa Nacional. A coluna da
direita está dividida conforme a utilização que é feita das rendas. Há
primeiro a tributação, tanto direta quanto indireta, paga pelas firmas e
indivíduos; há depois o consumo pessoal; e o resíduo é a poupança incluindo
depreciação. Pois se da renda bruta agregada mais tributação indireta
deduzimos todos os tributos e o consumo pessoal, o remanescente é a poupança
bruta incluindo depreciação. A área sombreada na coluna da esquerda
representa o excesso dos gastos do governo.com relação à receita tributária,
isto é, o déficit orçamentário, e segue-se diretamente da observação do
diagrama que o déficit orçamentário mais o investimento privado bruto é
igual à poupança bruta 2. Se deduzirmos de ambos os lados desta equação a
depreciação, veremos que a equação permanece verdadeira: estaremos
substituindo poupança bruta por poupança líquida e investimento bruto por
investimento líquido. Em outras palavras, a poupança líquida é sempre igual
ao déficit orçamentário mais o investimento líquido: qualquer que seja a
situação econômica geral, qualquer que seja o nível de preços, de salários e
da taxa de juros, todo montante de investimento privado e de déficit
orçamentário sempre produzirá um montante igual de poupança para financiar
estes dois itens. Assim, a questão de como é possível aumentar os gastos do
governo, se o dispêndio em investimento privado e consumo pessoal se reduz,
é respondida pelo fato de que sempre haverá tal aumento na renda de forma a
criar um aumento da poupança igual à elevação do déficit orçamentário.
A taxa de juros
Não está errado supor que o investimento privado permanecerá o mesmo quando o déficit orçamentário aumentar? O crescimento do déficit orçamentário não pressionará a taxa de juros de tal forma que o investimento será reduzido na mesma medida em que cresce o déficit orçamentário, contrabalançando assim o efeito estimulante que o gasto do governo tem sobre o emprego? A resposta é que a taxa de juros pode ser mantida num nível estável por maior que seja o déficit orçamentário, desde que se tenha uma adequada política bancária. Ataxa de juros tenderá a se elevar se o público não absorver as apólices governamen¬tais, através de cuja venda o déficit é financiado, mas preferir aplicar suas poupanças em depósitos bancários. E se os bancos, sem uma suficiente base de caixa (papel-moeda e contas no Banco Central), não
expandem seus depósitos e compram as apólices governamentais em lugar do
público, então realmente a taxa de juros deve elevar-se o suficiente para
induzir o público a investir suas poupanças em apólices governamentais. Se,
no entanto, o Banco Central expandir a base de caixa dos bancos privados
para capacita-Ios a expandir suficientemente seus empréstimos, mantendo
simultaneamente o encaixe monetário exigido, não surgirá a tendência à
elevação da taxa de juros.
Consideramos até aqui a taxa de juros em geral. Na realidade, o assunto é um
pouco mais complicado, porque devemos distinguir entre a taxa dos
empréstimos de curto prazo, e a de longo prazo. Mesmo se os bancos
expandirem seus depósitos suficientemente para atender a demanda do público
a um nível dado da taxa de juros de curto prazo, eles podem absorver ativos
de curto prazo, enquanto o governo está emitindo obrigações de longo prazo.
A taxa de juros de longo prazo se elevaria então em relação à taxa de curto
prazo numa extensão tal que levaria o público a absorver as obrigações
lançadas correntemente pelo governo. Isto, entretanto, pode ser evitado com
facilidade por uma apropriada política de emissão das obrigações por parte
do governo. Um bom exemplo é fornecido pela política do governo britânico
durante esta guerra. O governo tem obrigações de longo e médio prazos,
ren¬dendo juros de 2,5 a 3,0%. O público compra com suas poupanças a
quantidade de obrigações que quiser e o restante do déficit orçamentário é
coberto por um aumento da dívida flutuante, isto é, pela emissão de letras
de curto prazo. Desta forma, tanto a taxa de juros de longo prazo quanto a
de curto prazo são mantidas constantes (a constância da última é baseada,
obviamente, na política do Banco da Inglaterra). Esse mesmo método para
manutenção das taxas de juros constantes pode ser utilização em época de
paz. Não há nada peculiar que torne este método mais fácil em época de
guerra do que se for utilizado para financiar investimento público ou
subsidiar o consumo popular.
Podemos assim concluir que, desde que o Banco Central expanda a base de
caixa dos bancos privados conforme a demanda pelos depósitos bancários e que
o governo emita obrigações de longo e médio prazos, tanto a taxa de juros de
curto prazo quanto a de longo prazo podem ser estabilizadas, qualquer que
seja o montante do déficit orçamentário.
O perigo da inflação
Se a taxa de juros é mantida constante, o crescente déficit orçamentário não
causará inflação, isto é, uma espiral viciosa de preços e salários? A
resposta é que a inflação somente ocorrerá se a demanda efetiva crescer
tanto que provocará uma escassez geral de força de trabalho ou equipamento
(ou ambos). Até um determinado ponto, as curvas de oferta de curto prazo são
horizontais ou levemente ascendentes para a maior parte das mercadorias. Mas
quando a demanda efetiva cresce significativamente além desse ponto, as
seções acentuadamente crescentes das curvas de oferta de curto prazo
tornam-se relevantes. Como resultado, há uma elevação geral de preços,
desproporcional aos custos primários médios, e desta forma a viciosa espiral
de preços e salários se inicia. Para evitar a inflação o governo deve,
portanto, tomar cuidado para não levar o dispêndio deficitário além do ponto
indicado de plena utilização de trabalho e equipamento.
Deste modo, é evidente que um pré-requisito para o pleno emprego é uma
relação adequada entre o equipamento existente e a força de trabalho
disponível. O volume de equipamento deve ser adequado para empregar a
mão-de-obra disponível e permitir ainda capacidade de reserva. Se a
capacidade máxima do equipamento é insuficiente para absorver a mão-de-obra
disponível, como é o caso dos países atrasados, a imediata obtenção do pleno
emprego é certamente impossível. Se não existe capacidade, e de reserva ou é
insuficiente, a tentativa de assegurar o pleno emprego a curto prazo pode
facilmente levar a tendências inflacionárias em amplas seções da economia,
pois a estrutura do equipamento não se combina necessariamente com a
estrutura de demanda. E mesmo se a estrutura do equipamento combinar com a
estrutura de demanda de pleno emprego no momento inicial, a deficiência de
reservas causará subseqüentemente problemas quando ocorrerem deslocamentos
na demanda.
Numa economia onde o equipamento de capital é insuficiente, é necessário
haver um período de industrialização ou reconstrução durante o qual o
equipamento existente seja expandido a uma taxa um tanto mais elevada. Neste
período pode ser necessário exercer controles semelhantes aos utilizados em
época de guerra. Somente depois que o processo de expansão do capital tenha
sido levado adiante suficientemente, é possível uma política de pleno
emprego do tipo descrito acima.
Outro fenômeno pode ocorrer no pleno emprego que, embora não sendo inflação
no sentido acima, resulta da desproporção entre a demanda e a oferta de bens
de consumo, e pode provocar uma contínua elevação de preços. Numa situação
de pleno emprego o poder de barganha dos sindicatos será fortemente
intensificado. Assim, pode haver uma tendência espontânea à elevação das
taxas de salários nominais, que conduz à elevação dos preços e do custo de
vida; isto por sua vez leva a uma elevação posterior dos salários e assim
sucessivamente.
Na medida em que a elevação das taxas salariais é igual ao aumento da
produtividade do trabalho, o problema da “espiral viciosa” não aparece,
porque o custo de salário por unidade de produto permanecerá estável e assim
não haverá razão para uma elevação de preços. Se, no entanto, as taxas
salariais crescerem mais do que a produtividade do trabalho, devem ser
tomadas medidas para impedir que os preços disparem. Se não se tomarem tais
medidas, os trabalhadores como um todo não serão beneficiados; pois o
aumento nas taxas de salários nominais será contrabalançado pela conseqüente elevação de preços. Além disso, um rápido movimento ascendente de preços será um fator de perturbação numa economia de pleno emprego. Como os salários nominais podem ser elevados sem causar um aumento dos preços é indicado mais adiante, na seção sobre Redistribuição de Renda. Por enquanto é suficiente mencionar que uma elevação das taxas de salários reais, maior que uma elevação paralela na produtividade numa economia de pleno emprego, deve implicar redução de investimento ou do consumo dos não-assalariados.
TRÊS CAMINHOS PARA O PLENOEMPREGO<http://www.
* M .KALECKI – 1944*
O propósito deste artigo é discutir os métodos para atingir e manter o pleno
emprego numa sociedade capitalista. Vamos considera-Ios num sistema
econômico fechado. Isto não significa que negligenciamos os problemas do
comércio exterior na discussão do pleno emprego, os quais apresentam talvez
as maiores dificuldades práticas. Eles serão tratados num estudo à parte.
Aqui, entretanto, vamo-nos abstrair deles, para poder deixar claros os
problemas teóricos fundamentais do pleno emprego. De forma semelhante,
vamo-nos abstrair da questão da mobilidade da mão-de-obra, que também é
examinada num artigo específico. No momento, podemos supor que a jornada de
trabalho é variável dentro de certos limites, o que proporciona elasticidade
suficiente à oferta de força de trabalho no curto prazo, enquanto no longo
prazo pode-se contar com o treinamento da mão-de-obra para restaurar o
equilíbrio quando a estrutura da demanda se altera.
Primeiro, e principalmente, vamos tratar neste artigo da geração da adequada
demanda efetiva para assegurar e manter o pleno emprego.
Em segundo lugar, teremos de considerar o problema do investimento privado
nesse sistema, no curto prazo e no longo prazo.
Como o título indica, vamos distinguir três caminhos para atingir e manter o
pleno emprego:
1) pelo dispêndio do governo em investimentos públicos (por exemplo,
escolas, hospitais, rodovias, etc.) ou em subsídios ao consumo popular
(auxílio às famílias, redução da tributação indireta, subsídios para manter
baixos os preços dos bens de subsistência) – entendido que esse dispêndio é
financiado por empréstimos. Chamaremos esse método abreviadamente de
Dispêndio Deficitário;
2) pelo estímulo ao investimento privado (através de uma redução na taxa de
juros, diminuição do imposto de renda, ou outras medidas que auxiliem o
investimento privado);
3) pela redistribuição de renda das classes de mais alta para as de mais
baixa renda.
Mostraremos que o segundo método, isto é, o estímulo ao investimento
privado, não é satisfatório, mas que tanto o primeiro método quanto o
terceiro são meios adequados de se manter o pleno emprego.
I. Dispêndio deficitário
O dispêndio deficitário gera demanda efetiva da seguinte maneira.
O governo realiza investimentos públicos que não concorrem com o
empreendimento privado (por exemplo, constroem escolas, rodovias, hospitais,
etc.) ou subsidia o consumo popular (pagando auxílios às famílias, reduzindo
os impostos indiretos ou dando subsídios para manter baixos os preços dos
bens de subsistência). Este dispêndio é financiado por empréstimos, e desta
forma não implica a redução do investimento privado (desde que a taxa de
juros seja mantida constante) nem do consumo não-subsidiado, e cria,
portanto, demanda efetiva adicional.
Deve-se notar que o aumento das rendas provoca, depois de algum tempo, uma
elevação da receita tributária, de modo que o déficit orçamentário final é
menor do que o incremento das despesas governamentais.
As questões fundamentais relacionadas à criação de emprego através do
dispêndio deficitário têm sido amplamente discutidas nos últimos anos.
Apesar disso, parece útil recolocar os principais pontos da discussão. São
eles: 1) De onde vem o dinheiro? 2) Tal política não elevará inevitavelmente
a taxa de juros, afetando, portanto adversamente o “investimento privado? 3)
Se a taxa de juros não se elevar, o dispêndio deficitário não criará
inflação? 4) Se o déficit do orçamento é uma característica permanente, como
podem ser manejados os encargos da crescente Dívida Pública?
Problemas fundamentais
De onde vem o dinheiro?
Embora se tenha afirmado repetidamente nas recentes discussões que o déficit
orçamentário sempre financia a si mesmo isto é, o seu aumento sempre provoca
tal elevação nas rendas e mudanças na sua distribuição que isso aumenta as
poupanças exatamente na medida para financiá-Io, esse ponto ainda é
freqüentemente mal entendido. Vamos, portanto, demonstrar este teorema
fundamental da teoria do déficit orçamentário por meio de um diagrama. A
coluna da esquerda do diagrama representa a Despesa Nacional, isto é, a soma
do gasto do governo, do gasto privado em investimento de reposição e
expansão do capital (todas as aquisições de novo capital fixo, mais as
variações do capital de giro e dos estoques), e despesa com consumo pessoal.
É fácil perceber que numa economia fechada este dispêndio deve ser igual à
soma de salários, ordenados, lucros 1 (brutos, compreendendo depreciação) e
tributação indireta. Pois o preço de qualquer mercadoria adquirida será
composto por esses quatro itens. Dessa forma, a coluna da direita,
representando a soma desses quatro itens para a economia como um todo, é
igual à coluna da esquerda que representa a Despesa Nacional. A coluna da
direita está dividida conforme a utilização que é feita das rendas. Há
primeiro a tributação, tanto direta quanto indireta, paga pelas firmas e
indivíduos; há depois o consumo pessoal; e o resíduo é a poupança incluindo
depreciação. Pois se da renda bruta agregada mais tributação indireta
deduzimos todos os tributos e o consumo pessoal, o remanescente é a poupança
bruta incluindo depreciação. A área sombreada na coluna da esquerda
representa o excesso dos gastos do governo.com relação à receita tributária,
isto é, o déficit orçamentário, e segue-se diretamente da observação do
diagrama que o déficit orçamentário mais o investimento privado bruto é
igual à poupança bruta 2. Se deduzirmos de ambos os lados desta equação a
depreciação, veremos que a equação permanece verdadeira: estaremos
substituindo poupança bruta por poupança líquida e investimento bruto por
investimento líquido. Em outras palavras, a poupança líquida é sempre igual
ao déficit orçamentário mais o investimento líquido: qualquer que seja a
situação econômica geral, qualquer que seja o nível de preços, de salários e
da taxa de juros, todo montante de investimento privado e de déficit
orçamentário sempre produzirá um montante igual de poupança para financiar
estes dois itens. Assim, a questão de como é possível aumentar os gastos do
governo, se o dispêndio em investimento privado e consumo pessoal se reduz,
é respondida pelo fato de que sempre haverá tal aumento na renda de forma a
criar um aumento da poupança igual à elevação do déficit orçamentário.
A taxa de juros
Não está errado supor que o investimento privado permanecerá o mesmo quando o déficit orçamentário aumentar? O crescimento do déficit orçamentário não pressionará a taxa de juros de tal forma que o investimento será reduzido na mesma medida em que cresce o déficit orçamentário, contrabalançando assim o efeito estimulante que o gasto do governo tem sobre o emprego? A resposta é que a taxa de juros pode ser mantida num nível estável por maior que seja o déficit orçamentário, desde que se tenha uma adequada política bancária. Ataxa de juros tenderá a se elevar se o público não absorver as apólices governamen¬tais, através de cuja venda o déficit é financiado, mas preferir aplicar suas poupanças em depósitos bancários. E se os bancos, sem uma suficiente base de caixa (papel-moeda e contas no Banco Central), não
expandem seus depósitos e compram as apólices governamentais em lugar do
público, então realmente a taxa de juros deve elevar-se o suficiente para
induzir o público a investir suas poupanças em apólices governamentais. Se,
no entanto, o Banco Central expandir a base de caixa dos bancos privados
para capacita-Ios a expandir suficientemente seus empréstimos, mantendo
simultaneamente o encaixe monetário exigido, não surgirá a tendência à
elevação da taxa de juros.
Consideramos até aqui a taxa de juros em geral. Na realidade, o assunto é um
pouco mais complicado, porque devemos distinguir entre a taxa dos
empréstimos de curto prazo, e a de longo prazo. Mesmo se os bancos
expandirem seus depósitos suficientemente para atender a demanda do público
a um nível dado da taxa de juros de curto prazo, eles podem absorver ativos
de curto prazo, enquanto o governo está emitindo obrigações de longo prazo.
A taxa de juros de longo prazo se elevaria então em relação à taxa de curto
prazo numa extensão tal que levaria o público a absorver as obrigações
lançadas correntemente pelo governo. Isto, entretanto, pode ser evitado com
facilidade por uma apropriada política de emissão das obrigações por parte
do governo. Um bom exemplo é fornecido pela política do governo britânico
durante esta guerra. O governo tem obrigações de longo e médio prazos,
ren¬dendo juros de 2,5 a 3,0%. O público compra com suas poupanças a
quantidade de obrigações que quiser e o restante do déficit orçamentário é
coberto por um aumento da dívida flutuante, isto é, pela emissão de letras
de curto prazo. Desta forma, tanto a taxa de juros de longo prazo quanto a
de curto prazo são mantidas constantes (a constância da última é baseada,
obviamente, na política do Banco da Inglaterra). Esse mesmo método para
manutenção das taxas de juros constantes pode ser utilização em época de
paz. Não há nada peculiar que torne este método mais fácil em época de
guerra do que se for utilizado para financiar investimento público ou
subsidiar o consumo popular.
Podemos assim concluir que, desde que o Banco Central expanda a base de
caixa dos bancos privados conforme a demanda pelos depósitos bancários e que
o governo emita obrigações de longo e médio prazos, tanto a taxa de juros de
curto prazo quanto a de longo prazo podem ser estabilizadas, qualquer que
seja o montante do déficit orçamentário.
O perigo da inflação
Se a taxa de juros é mantida constante, o crescente déficit orçamentário não
causará inflação, isto é, uma espiral viciosa de preços e salários? A
resposta é que a inflação somente ocorrerá se a demanda efetiva crescer
tanto que provocará uma escassez geral de força de trabalho ou equipamento
(ou ambos). Até um determinado ponto, as curvas de oferta de curto prazo são
horizontais ou levemente ascendentes para a maior parte das mercadorias. Mas
quando a demanda efetiva cresce significativamente além desse ponto, as
seções acentuadamente crescentes das curvas de oferta de curto prazo
tornam-se relevantes. Como resultado, há uma elevação geral de preços,
desproporcional aos custos primários médios, e desta forma a viciosa espiral
de preços e salários se inicia. Para evitar a inflação o governo deve,
portanto, tomar cuidado para não levar o dispêndio deficitário além do ponto
indicado de plena utilização de trabalho e equipamento.
Deste modo, é evidente que um pré-requisito para o pleno emprego é uma
relação adequada entre o equipamento existente e a força de trabalho
disponível. O volume de equipamento deve ser adequado para empregar a
mão-de-obra disponível e permitir ainda capacidade de reserva. Se a
capacidade máxima do equipamento é insuficiente para absorver a mão-de-obra
disponível, como é o caso dos países atrasados, a imediata obtenção do pleno
emprego é certamente impossível. Se não existe capacidade, e de reserva ou é
insuficiente, a tentativa de assegurar o pleno emprego a curto prazo pode
facilmente levar a tendências inflacionárias em amplas seções da economia,
pois a estrutura do equipamento não se combina necessariamente com a
estrutura de demanda. E mesmo se a estrutura do equipamento combinar com a
estrutura de demanda de pleno emprego no momento inicial, a deficiência de
reservas causará subseqüentemente problemas quando ocorrerem deslocamentos
na demanda.
Numa economia onde o equipamento de capital é insuficiente, é necessário
haver um período de industrialização ou reconstrução durante o qual o
equipamento existente seja expandido a uma taxa um tanto mais elevada. Neste
período pode ser necessário exercer controles semelhantes aos utilizados em
época de guerra. Somente depois que o processo de expansão do capital tenha
sido levado adiante suficientemente, é possível uma política de pleno
emprego do tipo descrito acima.
Outro fenômeno pode ocorrer no pleno emprego que, embora não sendo inflação
no sentido acima, resulta da desproporção entre a demanda e a oferta de bens
de consumo, e pode provocar uma contínua elevação de preços. Numa situação
de pleno emprego o poder de barganha dos sindicatos será fortemente
intensificado. Assim, pode haver uma tendência espontânea à elevação das
taxas de salários nominais, que conduz à elevação dos preços e do custo de
vida; isto por sua vez leva a uma elevação posterior dos salários e assim
sucessivamente.
Na medida em que a elevação das taxas salariais é igual ao aumento da
produtividade do trabalho, o problema da “espiral viciosa” não aparece,
porque o custo de salário por unidade de produto permanecerá estável e assim
não haverá razão para uma elevação de preços. Se, no entanto, as taxas
salariais crescerem mais do que a produtividade do trabalho, devem ser
tomadas medidas para impedir que os preços disparem. Se não se tomarem tais
medidas, os trabalhadores como um todo não serão beneficiados; pois o
aumento nas taxas de salários nominais será contrabalançado pela conseqüente elevação de preços. Além disso, um rápido movimento ascendente de preços será um fator de perturbação numa economia de pleno emprego. Como os salários nominais podem ser elevados sem causar um aumento dos preços é indicado mais adiante, na seção sobre Redistribuição de Renda. Por enquanto é suficiente mencionar que uma elevação das taxas de salários reais, maior que uma elevação paralela na produtividade numa economia de pleno emprego, deve implicar redução de investimento ou do consumo dos não-assalariados.
Pois de outra forma a demanda agregada excederia a oferta agregada, e assim
ou os preços iriam finalmente se elevar, ou, se os preços são controlados,
resultaria em escassez e distribuição desordenada.
 

 
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