quarta-feira, 24 de julho de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops julho 24 - DOMINGUINHOS





COM DOMINGUINHOS VAI-SE MAIS UM TORRÃO DO FÉRTIL SOLO DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
 Paulo Timm    - Torres julho 24          - copyleft 
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 No anúncio da morte de Dominguinhos, ontem, grande músico e poeta, uma pausa para reflexão sobre a Filosofia Tupiniquim.                                                    
 A Harmonia, para os antigos gregos, encontrava na música sua maior expressão  e se convertia numa deusa, filha de Ares e Afrodite. Evocava o amor.     E como o amor é a virtude  - por excelência – do homem,  não é por acaso que a música lhe seja companheira. A música flui como uma linguagem comum da espécie humana e para muitos será ela a via derradeira do entendimento humano.  Sabe-se, hoje, que cânticos coletivos celebravam as inscrições rupestres nas cavernas conferindo-lhes, neste ato,  sublimação e transcendência. O humano...

 Nietzche intuiu isto ao condenar o racionalismo socrático. Ele  conferia um papel extraordinário às paixões e  via na  música a percepção simbólica dionisíaca,  capaz de conferir à imagem alegórica o seu alcance mais alto:  a força criadora do Homem.

 Para Kant, antes dele, a importância desta criatividade era vital  à conquista  de uma noção apropriada do bem. 

Música, amor e ética são, pois, todos ingredientes fundamentais da condição humana, na construção  de um mundo melhor,  numa era de tanto desencanto e destruição.

O Brasil não tem uma mitologia tão inspiradora quanto a antiga Grécia. Nem filósofos universalmente reconhecidos que tratem da Harmonia e da Música. Mas vem cunhando na música sua mensagem existencial, aí plasmando  sua própria alma. Nela constrói sua devoção, sua denúncia ética, suas emoções diante do mundo. É na música que o brasileiro dá conta  e razão do seu tempo. E o faz com engenho,  encanto e arte. A música é  a nossa filosofia...Como em “Feitio de Oração”, de Noel Rosa (http://www.youtube.com/watch?v=N22KjmXhKag) :
“♫ ♪♫ Quem acha/ Vive se perdendo.. ♫ ♪♫.”
 Somos, na canção, a saudade, a perdição e a esperança, o reencontro. Sentimentos à mostra, chaga exposta, grito de dor e esperança, como na memorável “ Lata d´água na cabeça” interpretada por Marlene, em 1952:http://www.youtube.com/watch?v=0DVO78vsuiA
                               “♫ ♪♫ Lata d ´ água na cabeça - Lá vai Maria ! Lá vai Maira...! ♫ ♪♫”
 Grito de dor, sem ressentimentos. Lamento, sim , entrelaçado com  a doçura do andar, o prazer de viver: pomar, amor, cantar.

 Hoje, essa música-filosofia-encanto tem um momento de perda irreparável com a morte de Dominguinhos. Ele, com Gonzagão, romperam os punhos de renda da corte elitista e se fizeram andar.

Tudo começou no período colonial, com a internalização de modinhas e trovas portuguesas, ainda cantadas no interior de Minas, Goiás e Nordeste. Os jesuítas trariam a sofisticação dos instrumentos, que tanto encantavam, com escalas e acordes desconhecidos, os indígenas, principalmente os aldeados das Missões. Mas não tínhamos, nesta  época, nem no Império, que se seguiu à Independência,  uma canção brasileira genuína. Nem uma filosofia...

Foi só há um século, lá pelos anos 20, que viria, do  norte um sopro inspirador, com lances de inusitado nativismo. Foi quando apareceram  os TURUNAS DA MAURICÉIA, baluartes da música brasileira, que naquela década  se inaugura , no ritmo da Semana de Arte Moderna de 22.  Diz o Luiz Nassif, mix de jornalista e músico,  em antológica crônica:
"É dos idos de 1927 o clássico “SUSSUARANA”, de  HEKEL TAVARES e  LUIZ PEIXOTO. E dele , também, a mais conhecida GUACIRA   SUSSUARANA (“faz três semanas/ numa festa de Santana/ Que Zezé Sussuarana me chamou pra conversar’’). HEKEL é também autor de “GUACIRA”, com letra de JORACI CAMARGO ( GUACIRA(“Adeus Guacira/ meu pedacinho de terra’’).
Sua  música mais conhecida era o “Certa vez de montaria/ eu desci o Paraná / o caboclo que remava/ não parava de falar...”. Mas tinha uma ufanista, que meu tio LÉO cantava com paixão: ‘’ó meu Brasil tão grande e amado/ é meu país idolatrado...’’.
Do grupo fazia parte também  HENRIQUE VOGELER autor de um dos clássicos definitivos do século, “Ai ioiô’’, letras de LUIZ PEIXOTO (“ ai ioiô, eu nasci pra sofrer/ fui olhar pra você/ meus oinhos fecho.u’’) .
Do sul veio  um  paraense, VALDEMAR HENRIQUE , que lá pelos 58 , destacar-se-ia com a composição de  “Morte e Vida Severina”.
 Mas ainda no final dos anos loucos – década de 1920 - ,  quando emergia o cambalache século XX - , nos embalávamos em  terno, embora matreiro,   romantismo. Começava a germinar  o samba, que seria nossa matrix filosofal. Enquanto nos Estados Unidos o Charleston dominava os salões  e se projetava freneticamenbte pela Europa como inspiração liberadora de corpos e espíritos, mostrando mulheres   com  cabelos curtos e vestidos escorridos em  franjas sobre os joelhos, nós subíamos o morro carioca.  DONGA e SINHÔ e, ainda, NOEL, olham pra lá, com admiração e espanto . Sem medo , sem preconceitos, até com certa de provocação .  “Palpite Infeliz” , de Noel,  desafia Wilson Martins :
                                   ♫ ♪♫  Quem é Você/ que não sabe o que diz? ♫ ♪♫ 
 CARTOLA cria, então,  a mais s bela entre todas as canções do século  ,  “Meu coração” :–
♫ ♪♫ Bate outra vez/Com esperanças o meu coração/Pois já vai terminando o verão, enfim. Desço ao jardim/ Na certeza que devo chorar/ Pois bem sei que não queres voltar/Para mim/Queixo-me às rosas/ Mas que bobagem as rosas não falam/Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti... ♫ ♪♫
E o choro, de PIXINGUINHA,  emana do clássico para se derramar popularmente em escala nacional,   impressionando pela vitalidade musical, ainda contagiante,  no seu  renascimento a partir dos anos 1980  em várias cidades do país,  principal  e paradoxalmente em Brasília, que viria a se notabilizar, a partir desta data além da artes plásticas, pela música e poesia.
  Luiz Nassif destaca, na crônica citada:
Entre o erudito e o popular,  nos bons tempos, chama atenção um  carioca-mineiro:  JOUBERT DE CARVALHO (1900- 1977), autor de uma das mais conhecidas músicas em todo o Brasil:“MARINGÁ” (“foi numa leva/ que a cabocla Maringá...’’), de uma marchinha inesquecível (“Taí, eu fiz tudo Pra você gostar de mim”), de um cateretê maravilhoso (‘’de papo pro ar’’).

Todos eles foram pioneiros de gêneros que nos distinguiriam como cultura musical, coincidindo com a publicação das três obras clássicas  que assinalam o redescobrimento do Brasil, logo depois da Revolução de 1930. Nascia o Brasil Moderno. GILBERTO FREIRE,  em “Casa Grande e  Senzala” , 1933),  redime o mulato e os trópicos; CAIO PRADO JR , em “ História Econômica do Brasil” , assinala a persistência histórica da matriz colonial ; SERGIO BURQUE DE HOLANDA, em “ Raízes do Brasil”, 1936 ,  traz à tona os aspectos centrais da história da cultura brasileira.

Nesta fase inaugura-se a indústria fonográfica e  são gravados os primeiros discos de música “caipira”, com Zé Barreirinho e Tião Mulato, Tonico e Tinoco,  aos quais se somariam outros plasmadores da alma rural  e ribeirinha do país , como, por exemplo  F.Zani, autor de “A Chalana”:
♫ ♪♫ La vai a chalana/Bem longe se vai Seguindo o remando  do Rio Paraguay/A chalana sem querer,/ tu aumentas minha dor/Nestas  águas tão serenas /promessa de minha dor/Vai levar o meu amor/ E assim ela  se foi magoada/Nem de mim se despediu /A chalana vai sumindo/La na curva do Rio/E ela vai magoada/Eu pensei que tem razão/Fui  ingrato, Eu feri /o seu pobre coração ♫ ♪♫

É um período áureo dos primórdios da música popular brasileira e que encontrarão eco nos programas de radio, recém inaugurado.

Rádio Nacional do Rio de Janeiro é uma emissora de rádio brasileira gerida pela Empresa Brasil de Comunicação.
A emissora foi a primeira a ter alcance em praticamente todo o território do Brasil. Tinha, então, o prefixo PRE-8, com o qual também era identificada pelos ouvintes.
Quando foi criada, em 12 de setembro de 1936, a transmissão teve início às 21 horas, com a voz de Celso Guimarães, que anunciou: "Alô, alô Brasil! Aqui fala a Rádio Nacional do Rio de Janeiro!". Depois, vieram os acordes de "Luar do Sertão" e uma bênção do Cardeal da cidade.1
Tornou-se um marco na história do rádio brasileiro.
(...)
Dos anos 1930 até o final dos anos 1950, o rádio possuía um enorme "glamour" no Brasil. Ser artista ou cantor de rádio era um desejo acalentado por milhares de pessoas, especialmente os jovens. Pertencer aos "cast" de uma grande emissora como a Rádio Nacional era suficiente para que o artista conseguisse fazer sucesso em todo o país e obtivesse grande destaque e prestígio.
(Wikipédia)

A música popular tinha , então, um centro, onde imperava o samba  - e logo depois o samba-canção- , no Rio de Janeiro, um epicentro sertanejo em Piracicaba, São Paulo, ambos com projeções nacionais, e diversas contribuições regionais ainda  balcanizadas.
Foi aí que despontou, em 1940,  no centro do país,  LUIZ GONZAGA, com o baião nordestino, onde se encontrou com outro grupo regional extremamente talentoso, os IRMÃOS BERTUSSI, do Rio Grande do Sul. Ambos deram imensa contribuição ao enriquecimento das raízes da nossa música, deles germinando várias gerações de talentos regionais de sucesso. Gozagão e os Bertussi tinham, curiosamente, no Acordeón, seu instrumento musical de excelência, no qual eram verdadeiros virtuoses.  E deram à complexidade social do país, que se acentuava na urbanização,  o tempero musical  indispensável à cimentação cultural do país.  Estávamos prontos para adentrar  os Anos Dourados da década de 50, que nos traria outro e soberano  gênero, a Bossa Nova. Mas nada se eclipsou ao longo das décadas seguintes.

Luiz Gonzaga foi mais feliz do que os Irmãos Bertussi na confirmação do gênero nordestino no amplexo musical em formação.

A música gaúcha refluiu para o pampa, onde viria a florescer nos mananciais folclóricos das Califórnias nativas, muito embora tenha oferecido intérpretes excepcionais como o Borghetti e Yamandu Costa. Diversifica-se, tal como a música nordestina e caipira, em muitos gêneros, dentre os quais o vaneirão, de alguma repercussão nacional. Em outros casos, alia-se  à fértil tradição musical da Grande Pampa, sobre terras paraguaias, argentinas e uruguaias, na qual se destaca, o cancioneiro Payador, cujo dia, celebrou-se, curiosamente, ontem:
Dia 23 de julho -DIA DEL PAYADOR.
Se lo define academicamente como cantor repentista. Algunos historiadores creen que su nombre deriva del “payo”, la denominación con la que se conoce a los campesinos españoles de donde se cree proviene esta particular expresión artistica. Se considera también que su origen puntual pudo surgir a partir de ls Trovadores de Provenza, quienes gustaban entablar polémicas en versos . En España, los juglares, fueron los primeros cronistas de la historia, a veces magnificando hechos reales originados, generalmente gestas heróicas de esos tiempos. De alli se cree que proviene y que mas tarde llegó a America donde adquirió la formas propias de nuestra música
Este género es muy popular en toda la America de habla hispana , especialmente en Uruguay, Argentina, Chile y Cuba, pero tambíen se conocen payadores de Brasil que adiheren a las formas artísticas de sus pares de los paises mencionados
El payador posee una virtud instranferible e innata y suele ser dueño de reflexiones casi filosóficas en el breve instante en que su pensamiento se las dicta.
Se conoce como Payada el dialogo repentista -sin nada previamente escrito-, de dos o más personas. Estas tambíen pueden ser de contrapunto: realizandose preguntas sobre temas diversos entre los contrincantes de los cuales uno resulta ganador.
En Argentina y Uruguay se celebra el 23 de julio como Dia del Payador por haberse realizado en esa fecha,en Montevideo la payada entre Juan Nava y Gabino Ezeiza en el año 1884.
Aquí, Santos Vega, fue el mas legendario de todos los payadores. Hijo de padres andaluces que llegaron de Cádiz en 1770. Transitó la llanura pampeana improvisando y midiendose con los créditos de cada lugar. Con el tiempo se convirtió en el prototipo del payador, luego la fantasia literaria le dio a su existencia un tinte mitológico. Se cuenta que perdió su ultima payada con Gualberto Godoy, a quien por ser autor de tal proéza, se indicó como una personificación de El Diablo. Hilario Ascasubi, Rafael Obligado y Bartolomé Mitre realizaron obras literarias con este personaje. Lo cierto fue que Godoy tuvo exiastencia real, había nacido en Mendoza,fue polí tico y periodista de tendencia unitaria y se desempeño como enviado diplomatico a Chile.
Varios ritmos son empleados para realizar las payadas: La sextina o sextilla apareada, cuarteta, valsesitos criollos, alejandrino, cifra, estilo, cielito, vidalita, habanera, pero la forma más usada es la décima octosilábica
.
(Betty Zapata ♫ ♪♫ Aquí me pongo a cantar ♫ Sentada frente a mi ventana ♫ con el fresquete que hace ♫ no tengo ganas de hacer nadaaaa ♫ ♪ ♫)
Luiz Gonzaga, entretanto, fez-se nacional, radicalizando o próprio estilo. Trouxe o Nordeste para o Centro-Sul e impôs-se como gênero, deixando vasta descendência.
Dominguinhos foi o melhor  fruto do êxito de Luiz Gonzaga, de quem recebeu, muito jovem a primeira sanfona. Eles celebraram e consagraram a sanfona na cultura brasileira, hoje respeitada pelos críticos mais exigentes , como Ricardo Cravo Albin neste depoimento :http://institutocravoalbin.com.br/artigos/a-sanfona-e-o-brasil/
Ontem ele deixou este mundo e foi celebrar com seu velho parceiro o forró celestial. Conquistou o povão, a crítica e ainda um Prêmio Internacional : O Grammy Latino, dedicado ao álbum 'Chegando de mansinho' em 2002.


O músico, cantor e compositor Dominguinhos, nome artístico de José Domingos de Morais, nasceu em Garanhuns, Pernambuco, em 12 de fevereiro de 1941. Exímio sanfoneiro, teve como mestres nomes como Luiz Gonzaga e Orlando Silveira. Tem em sua formação musical influências de baião, bossa nova, choro, forró, xote, jazz. Com maestria, ele seguiu os ensinamentos de Luiz Gonzaga e inovou também com a sanfona, mas sem abandonar o baião de seu padrinho. O trabalho de Dominguinhos é mais uma prova de que pouco importa os sotaques ou origens quando trata de fazer música. Seu primeiro disco gravado foi Fim de Festa (1964). E ao longo desses anos, Dominguinhos tem uma extensa discografia (ver abaixo). Entre seus trabalhos, já gravou com a cantora Elba Ramalho. Em 2012 lança pela primeira vez em 50 anos de carreira um disco todo gravado ao vivo. A gravação aconteceu em dois espetáculos que lotaram o concorrido teatro Sesc Pompéia, na capital paulista. O CD Dominguinhos ao Vivo traz a excelência do forró nacional em 25 músicas armazenadas em 16 faixas, contando inclusive com orquestra, trompete, trombone e violino. Em 2002, Dominguinhos foi vencedor do Grammy Latino com o CD Chegando de Mansinho. Após cinco anos sem lançar um trabalho solo, ele voltou em 2006 a gravar pela Eldorado na qual Conterrâneos 2006, agraciado no Prêmio TIM (2007) na categoria Melhor Cantor Regional. Em 2008, foi o grande homenageado do Prêmio Tim de Música Brasileira. Em 2010, foi o vencedor do Prêmio Shell de Música 2010. Em 2012 foi o vencedor do Grammy Latino na categoria Raízes Brasileiras com o disco Iluminado.
Site Oficial: 
http://www.dominguinhos.art.br/v2/

Foto: Agência Brasil
Adeus, Dominguinhos! Já com saudade no coração e uma lágrima contida no canto do olho...Contigo se vai mais um capítulo de nossa fértil filosofia tupiniquim, que não erra em falsa premissa, porque direta ao enredo; nem pelo excesso de razões, que substitui pela só emoção; nem muito menos pela falta de jeito, já que exímia dançarina. 

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