sexta-feira, 19 de julho de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops julho 19 - VIOLENCIA E DESORDEM



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VIOLENCIA E DESORDEM

Paulo Timm – Torres julho 19 - copyleft

"Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos."
Anaïs Nin
“Toda as manifestações do Brasil podem ser resumidas no repúdio ao pornográfico vestido de noiva (da Dona Baratinha) de R$ 3 milhões. Chocante e imoral”
Juremir Machado da Silva
 


Meu primeiro professor de Teoria Sociológica foi o notável  João Guilherme, no Curso de Ciências Sociais da UFRGS, em meados do século passado. Sou um sobrevivente daquele tempo. Quando conto aos alunos que conheci pessoalmente Getúlio Vargas e que isso marcou minha adesão ao Trabalhismo a vida inteira, ficam perplexos.  Como...?  Pois bem, João Guilherme tem um incrível senso de humor. Começou a aula com uma boutade:
“ La sociologia é uns zienza con laquale,  per laquale e senza laquale , Il mondo va tal-e-quale...”
( o mau italiano é por minha conta...)

Belo começo. Todos os cursos nas áreas de Humanas deviam começar assim, mesmo com a exasperação dos positivistas e neo-positivistas.  A razão, as teorias e as ciências sociais podem ajudar muito a humanidade, mas não resolvem os conflitos. São instrumentais.

Mais tarde, estudamos, lá com o João Guilherme, ao lado da Mercedes Canepa, André Foster, Benicio Schmidt e Enio Silveira,  Durkheim. Com o Enio, fraterno e saudoso amigo,  quando ele fazia o Mestrado na USP (1968-69), que lá , sob a batuta do Mestre Florestan Fernandes, confirmei  que tudo começava por Durkheim e pela diferenciação dele com Weber e Marx. O professor Luiz Pereira, aliás, também saudoso - faleceu muito cedo- , me ajudou muito, mandando-me ler mais Raymond Aron e menos Manuais, caso eu quisesse entrar lá.

  Pois bem, Emile Durdkeim, é o fundador da Sociologia, que definiu como o estudo do fato social, e mostrou em Les Formes Elementaires de la Vie Religieuse que a sociedade não é a soma dos indivíduos que a compõem, mas a representação que ela faz de si mesma. Este, o seu cimento, como, aliás, o cimento das suas instituições (Marx) e até das próprias pessoas individualmente (Freud):
“É o que permite a postulação de uma sociologia ou de uma antropologia das representações e parece ser o melhor ponto de partida para o estudo e a compreensão do Brasil contemporâneo.”
( Juremir Machado da Silvam – Os Anjos da Perdição – pg 11 – Ed. Sulina – POA,1996)

Estas representações, aliás, acabam se cristalizando como paradigmas de ordem e do bem. E tratamos até de reforçá-las, para que nos tornemos, individual, institucional e socialmente melhores.

Tudo começa muito simplesmente, como um mero hábito, uma herança do nosso ancestral mundo animal, que não é senão um sintoma. Criamo-los e os aperfeiçoamos com esmero, como defesa contra o meio, contra os outros, contra nós mesmos. Como diria, porém,  Otto Lara Rezende: O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Um homem prefere a cruz a mudar de hábitos: “ Eu sou assim! ” Vemo-nos e nos vemos através deste olhar turvo e ai de quem tente nos convencer do contrário.

Consagrados os hábitos, os convertemos em convenções sociais, obedecendo, claro, à hierarquia da autoridade, do poder e do sistema social ao qual pertencemos. Quem pode mais, obriga os outros – e principalmente as outras – a engolir o “hábito” , desenvolvido como estratégia de conforto e segurança para a reprodução da espécie.  Então, aí, estamos prontos para construir a regra e erigi-la em Lei, a que todos se curvarão. Compulsoriamente, seja pelo poder da autoridade ou pela autoridade do poder, dependendo da complexidade do grupo social.  Ambas, contudo, com a capacidade de produzir resultados, pela fiel obediência e disciplina aos cânones estabelecidos. Começa, então, e imagem de eternidade de toda e qualquer sociedade. Ai de quem ouse...! Aí se instaura a violência, que tanto pode ser a palmada do pai na criança desobediente, em ambiente doméstico,  até o terror institucionalizado do Estado contemporâneo, passando pelas mais diversas categorias de dominação social tão bem descritas por Max Weber: tradicional, racional ou carismática. As ideologias externas, entretanto, são apenas, segundo Hana Arendt, no seu célebre estudo sobre o julgamento de um dos principais responsáveis pelo holocausto, em Israel, a razão externa. Internamente, observou ela, tudo se passa pelo inexplicável comodismo diante da “ordem”.

O coletivo (a nação, o partido, o sindicato, a torcida, a gangue, o grupo adolescente de amigos, a própria família) não oferece apenas ideologias e desculpas: ele fornece uma função para cada um de seus membros. Com isso, não preciso pensar para decidir minha vida --preciso apenas preencher minha função. É bom o que é funcional ao grupo -ruim, o que não é.
Qualquer crepúsculo do indivíduo é um crepúsculo da moral. Pensemos nisso, por favor, quando torcemos, agitamos bandeiras ou falamos, misteriosamente, na primeira do plural.

Retomo a questão da violência em decorrência das recorrentes manifestações de rua no último mês, no Brasil, e que não raro, descambam para o que se vem se chamando de violência de baderneiros, as mais recentes, em formas distintas, mas igualmente “chocantes” , as de quarta à noite na Zona Sul do Rio de Janeiro, e as da ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, principalmente depois da divulgação dos nus dos manifestantes no Plenário da Casa.

Condenar a violência destes “ baderneiros” é fácil. Tanto que as imagens se repetem amiúde. Pensá-la, entretanto, é, necessariamente, trazê-las à borda dos acontecimentos quando ocorrem, submetendo-as à sua problematização, de forma a não categorizá-las pelo senso comum do Poder que acaba violentando ainda mais o fenômeno investigado.
La Strega said...
Mas, como diriam os políticos sociais e historiadores: existem os factos e esses são inegáveis... Creio que a essência desta discussão,  então, não é tanto se a violência existe ou não, mas como ela é usada, recriada, extrapolada (ou minimizada), e assim por diante.
Assim como a historia e sempre a versão dos vencedores... As noticias também são a versão dos interesses políticos.
Por cada violência que vemos, creio que existem mil ou mais invisíveis e que passam despercebidas. Depende das agendas e dos poderes.
Por isso e sempre interessante não só aquilo que se vê e diz, mas precisamente e essencialmente tudo o que não se vê e não se ouve.

 Ou seja, temos que dar conta e razão, como quem faz Filosofia, que não é senão uma (outra) razão que se expressa, tantos das manifestações de rua no Brasil, em todos os seus aspectos, como desdobramentos. Para tanto, é claro, se faz mister abandonar a torcida do Corintians, “ afastar os ídolos da razão” e outros tantos, e se por a pensar.
Por outras palavras, a violência é, muitas vezes, senão sempre, um produto da forma como a concebemos

Vejamos, primeiro, qual o significo de “ violência” e como ela se distingue da “força” , ambos com a mesma origem (vis) . A violência é uma atitude, além da força,  que causa intencionalmente, a outrem,  dano ou intimidação física, sexual ou moral .

Enquanto que força designa, em sua acepção filosófica, a energia ou "firmeza" de algo, a violência caracteriza-se pela ação corrupta, impaciente e baseada na ira, que convence ou busca convencer o outro, simplesmente o agride.

Existe violência explícita quando há ruptura de normas ou moral sociais estabelecidas a esse respeito: não é um conceito absoluto, variando entre sociedades

No pensamento político o uso da violência tem uma dupla face. De um lado, ele corresponde ao consagrado  Direito Natural de Resistência à opressão e que está inscrito na tradição desde a Velha China, quando os súditos destronavam um Rei pela sua incapacidade de prover-lhes a sobrevivência. Modernamente, desde a Revolução Francesa, ele está registrado em quase todas as Constituições. De outro lado, desde Hobbes, este direito individual  à violência é transferido pelo Contrato ao soberano, que o monopoliza no Estado para o cumprimento da Lei. Daí se origina a máxima de que a Sociedade necessita de Lei para fazer Justiça a Justiça, através de Estado necessita da força – e mesmo violência – para impor a Lei. Há, entretanto, sempre uma tensão entre Conservadores e Não Conservadores, sobre a linha divisória deste limite. E não há ciência capaz de eliminar esta tensão que corresponde não só a interesses concretos aí em jogo, mas às representações correspondentes. Devemos a N.Bobbio a compreensão de que esta pugna, subsistente ainda hoje, nos divida em torno da liberdade e da igualdade, dela sobrevivendo o corte ideológico entre direita e esquerda.

Hirschman deixou-nos uma profunda reflexão sobre esta divisão, evidenciando como os conservadores, fiéis a uma concepção hierárquica da ordem, criam uma ordem de terrores contra a mudança, aos quais a esquerda procura contrapor mostrando a necessidade histórica das transformações e a importância de levá-las a cabo gradualmente para que as tensões não desemboquem em conflito aberto. O fundamento destas tensões e suas projeções no espaço público dependerão, sempre do grau maior ou menor das diferenças sociais e dos níveis de não sublimação dessas diferenças.

Aí, então, chegamos ao Brasil, um dos países com as maiores diferenças sociais no mundo, com péssimos indicadores de Desenvolvimento Humano, e com metade dos trabalhadores ganhando até meio salário mínimo por mês (Censo 2010), aglomerado em subúrbios metropolitanos  em condições sub-humanas de vida.

Ora, tais condições sociais, herdadas de uma estrutura colonial escravista que jamais se confrontou com os dilemas de uma verdadeira mudança estão na origem do mal estar na sociedade brasileira. Os últimos 30 anos de redemocratização, associados aos ganhos de rendimentos familiares nos últimos 20, associados às Políticas Sociais de inclusão social do Governo petista deram um novo alento de informação e consciência ao povo brasileiro. 

Metade de seus mais de cem milhões de eleitores já têm nível secundário ou superior e 70% dos domicílios já contam com INTERNET. Ora, isto é nitroglicerina pura no caldeirão de iniqüidades que caracterizam a sociedade brasileira. De tempos em tempos, ela explode e o sistema político e suas instituições não dá conta de canalizá-los para alternativas consensuais. 

Então, há irrupções espontâneas, as quais, assentes numa era de instantâneos e espetáculos, se convertem em suposta desordem. São elas, entretanto, que demarcam o momento de ruptura. Como diz Juremir: “ Se não houver o recurso ao simbólico, as manifestações passam despercebidas.”  Coisa aliás, que a empregada de meu filho confirma: _ “ Doutor, se não queimar uns dois ou três ônibus ninguém olha pro nosso lado. Somos invisíveis.”

Portanto, o que devemos ver nos “ desordeiros” da Câmara dos Vereadores de Porto Alegre e da Zona Sul do Rio, não são desvios de uma personalidade doentia, mas de uma sociedade que grita, através deles, seu desejo de parição de algo novo.  Não se trata, é claro, nem de estimular, nem de participar destas supostas desordens. Apenas de compreendê-las mais além das imagens  de cordialidade fabricada do homem brasileiro ou do discurso conservador da ordem.

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