quarta-feira, 24 de julho de 2013

SAYONARA(QUARAÍ-RS) - EDUCAÇÃO - A QUALIFICAÇÃO DO PROFESSOR É UMA QUESTÃO DE DIDÁTICA?



A QUALIFICAÇÃO DO PROFESSOR É UMA QUESTÃO DE DIDÁTICA?

Maria de Lourdes Rocha de Lima

"vale dizer que concebemos a ciência do homem, não como um edifício a ser completado, mas como uma teoria a construir"           Edgar Morin

O objetivo deste trabalho é discutir as implicações entre a Didática e a qualidade de ensino do professor.

Para tanto, este texto inclui quatro tópicos. No primeiro, situa-se a concepção empírica de qualidade de ensino, seguida por uma análise mais crítica do conceito de qualidade, desenvolvida no segundo tópico. É importante, no entanto, tentar estudar o conceito de qualidade de ensino a partir das contribuições dos movimentos sociais da categoria docente e, dentre eles, selecionei os Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino, dos quais pincei a temática e o objetivo, que sumarizo no tópico terceiro. Finalizo o trabalho, relacionando três hipóteses sobre a afirmação e a negação da Didática e sua relação com a qualidade de ensino do professor e o projeto de sua formação docente hoje.

Quando pergunto a qualquer aluno como ele avalia seu professor de História ou de Geografia ou de outra matéria, provavelmente, dentre as respostas apresentadas, uma delas será que o curso vai mal porque o professor não tem didática.

Nesse conhecimento imediato da situação escolar, percebo que existe uma relação linear e aparente entre a qualidade do ensino e o desempenho demonstrado pelo professor.

Sei, no entanto, que a análise dessa relação linear e aparente precisa ser aprofundada para se descobrirem as múltiplas relações que permeiam a qualidade de ensino e a Didática, no sentido de oferecer alguns subsídios para a análise e reflexão dessa temática, tão importante para os cursos de formação de professores em suas mediações com a sociedade opressora e injusta em que vivemos.

1.1. Qualidade de ensino e Didática

Como se vê, o assunto é profundamente sugestivo e polêmico, e muitos são os veios para abordá-lo. No entanto, dados os limites deste trabalho, convém situá-lo dentro do âmbito de três hipóteses de estudo:

1 - a qualidade de ensino afirma a necessidade fundamental do ensino de Didática nos cursos de formação de professores;

2 - a qualidade de ensino nega o ensino de Didática como fundamental e afirma as Didáticas dos Conteúdos Específicos e a Prática de Ensino como disciplinas fundamentais nos cursos de formação de professores;

3 - a qualidade de ensino afirma a não-exclusividade da Didática na formação de professores e inclui um projeto e outros lugares sociais em que essa formação se amplia e faz avançar a qualidade.

Antes de discutir cada uma dessas hipóteses, acho necessário explicitar a concepção de qualidade de ensino que postulo nessa análise e a fonte de dados que serão utilizados para fundamentar a discussão crítica de tais pressupostos.

1.2. Qualidade de ensino: repensando um conceito

Que conceito de qualidade de ensino estou, então, assumindo?

A qualidade de ensino está em crise. É o que vem apontando as pesquisas e, principalmente, as informações que a imprensa faz circular em outros segmentos da sociedade.

Obviamente, não é só o ensino que está em crise. Estamos participando de um momento histórico que faz emergir agudamente não só as contradições internas de nosso país, mas também uma crise de identidade dos modelos econômicos e políticos do mundo capitalista.

A crise sobre a qualidade do ensino é uma construção histórica, e os que elaboram o discurso sobre ela fazem-no a partir de suas próprias opções ideológicas. Num país com tantos analfabetos e miseráveis, o poder do discurso competente e a correspondente tomada de decisão são privilégios dos que pensam, não incluindo os que fazem o ensino: professores e alunos.

Já que a reflexão sobre a qualidade do ensino é analisada pela elite pensante e gestores que constituem a menor parcela da sociedade, e ainda tentam impedir a compreensão do grau em que as contradições da sociedade marcam a Educação, torna-se necessário nortear, então, minha análise da qualidade do ensino a partir das necessidades situadas pelas lutas das forças sociais e não a partir do diálogo restrito entre a qualidade de ensino e a formação do professor, ou a partir das opções ideológicas, o que não me permitirá avançar no estudo da questão.

Ao desenvolver tal análise, não tomei qualidade do ensino no sentido de recobrar o perdido, ou adquirir "a competência" novamente, ou reabilitá-la, porque esse parece ser o eixo do discurso das elites e gestores. Assumi, porém, como projeto em discussão, que a qualidade do ensino é uma construção, que se dá no bojo das lutas de classes, quando demandam a Educação como instrumento de libertação e de conquistas dos trabalhadores em geral e, especialmente, dos do ensino. Tais conquistas ocorrem principalmente pela caminhada coletiva dos movimentos organizados, como partidos políticos, associações e grupos, tais como a ANPED, a ANFOPE, a SBPC, a ANDE, sindicatos de professores e outros, que lutam pela melhor qualidade da educação para o trabalhador e por condições mais justas de trabalho para o professor. Não se degrada o professor apenas pelo salário, mas também a partir de sua formação.

Reafirmo, neste trabalho, a concepção de MAGNANI (1992: 168) de que
"... as perspectivas para a construção da qualidade de ensino que queremos não passam somente por condições necessárias, como bons salários e atualização docente, porque são estas insuficientes. Mudar é muito mais do que acompanhar a moda; mudar é ter atuação articulada à consciência da necessidade, superação gerada pela compreensão das contradições sociais em suas múltiplas evidências. E atualizar-se é ação de sujeitos para apreender o movimento dessas contradições e buscar caminhos mais adequados para superá-las, a partir dos princípios que iluminam o perfil da sociedade que queremos e que a educação pode ajudar a construir".

Considerando-se que a questão da qualidade do ensino não se resolve no universo das decisões políticas e internas do escolar, mas relaciona-se a mediações muito mais amplas entre a escala e o projeto de sociedade brasileira desigual e injusta, selecionei, como campo de análise dessa questão, um dos segmentos das lutas políticas desempenhadas pelos Encontros Nacionais de Professores de Didática e Prática de Ensino, iniciados em 1982, conforme descreverei no tópico a seguir.

1.3. Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino; objetivos do estudo

Os Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino têm sido realizados a cada dois anos, em média, tendo ocorrido, até o momento, sete encontros.
Os três primeiros Encontros Nacionais foram realizados separadamente, sendo que os referentes à Didática (os dois primeiros), denominados "A Didática em Questão", aconteceram na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1982 e 1983, e o terceiro realizou-se em São Paulo, em 1985. Os Encontros Nacionais de Prática de Ensino ocorreram, o primeiro, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 1979; o segundo em São Paulo, coordenado pela USP, e o terceiro também ocorreu em São Paulo, coordenado pela PUC/SP.s tr^OsOs

A partir do quarto encontro, em 1985, Didática e Prática de Ensino vêm caminhando juntas, sendo que o IV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino aconteceu no Recife, em 1987, o V Encontro em Belo Horizonte, em 1989, o VI Encontro e I Encontro de Países do Cone Sul sobre Formação de Professores ocorreu em Porto Alegre, em 1991, e o VII Encontro aconteceu em Goiânia, em 1994.
O I Encontro, denominado "A Didática em Questão", realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1982, bem como o II Encontro, também denominado "A Didática em Questão" e realizado na PUC/RJ, em 1983, pretenderam promover uma revisão crítica do ensino e da pesquisa em Didática, no sentido de redefinir qual o objeto, a natureza e conteúdo dessa disciplina e qual a sua relevância na formação do professor.

Entre os vários trabalhos apresentados, assinalo o de CANDAU (1986: 24-8), no qual ela traça o diagnóstico sobre o ensino da Didática e conclui com um desafio:
"é prioritário buscar a superação de uma Didática exclusivamente instrumental e tentar a construção de uma Didática Fundamental".

O III Encontro, ainda intitulado "A Didática em Questão", foi realizado na USP/SP, em 1985. Aí questionou-se a raiz do objeto da Didática, seu campo e conteúdo, bem como as relações da Didática como disciplina com as outras disciplinas pedagógicas do currículo de formação dos professores.

Saliento, aqui, as contribuições de SOARES (1985: 34-42). Analisando o redirecionamento da Didática, a autora diz que ela deveria começar o seu redirecionamento a partir "... do seu próprio objeto de estudo, isto é, da aula, tal como ocorre e transcorre". Quero ressaltar também as contribuições de ANDRÉ (1989: 33-45), que
"... alertam para que a Didática leve em conta a realidade concreta de nossas escolas, seus problemas e suas descobertas, a importância do estudo do cotidiano escolar para a redescoberta da Didática, orientando para a articulação entre a Didática vivida e a Didática pensada, trazendo para a discussão o problema nuclear da relação teoria e prática, nos cursos de formação de professores".
Em 1987, a Universidade Católica de Pernambuco realizou o IV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, estudando a temática da prática pedagógica e a educação transformadora na sociedade brasileira. Foi aprofundada a reflexão sobre a relação entre a Didática e a Prática de Ensino na transformação da prática pedagógica das escolas de 1o. e 2o. Graus, e como essa relação deve nortear a nova dinâmica, os novos processos e pesquisas dos cursos de formação de professores. Destaco, dos trabalhos apresentados, duas exposições: em primeiro lugar, a de LIBÂNEO (1987: 9), que afirmou ser a "Didática a ponte mediadora entre a teoria pedagógica e a prática escolar". A segunda, a de LUCKESI (1987), que propôs a articulação de um paradigma pedagógico. Para o autor,
"... o paradigma pedagógico, de um lado, deve estar sempre sendo dimensionado e avaliado do ponto de vista de seu compromisso teórico e, de outro lado, a prática diária deverá ser a forma viva de atualizar o compromisso que direciona a ação, tendo como elemento estruturante a práxis transformadora".

Em 1989, as Universidades federais mineiras e a PUC/MG realizaram, na Universidade Federal de Minas Gerais, o V Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, o qual tive a satisfação de coordenar, e que teve como temática central: a organização do processo de trabalho docente. Assim, segundo o documento-base do V ENDIPE:
"... é na direção de tentar compreender os processos de organização que permeiam o trabalho docente, objeto de estudo das áreas de Didática e Prática de Ensino, e de buscar a sistematização teórica a partir dessa organização, conquistada pelos professores no cotidiano da sala de aula, que se pretende nortear o trabalho do V ENDIPE" (LIMA, 1988: 8).

Segundo OLIVEIRA (1992: 127), o que se pôde concluir do encontro é que:
"... houve a tentativa efetivada pelo V ENDIPE de ampliar o espaço de uma nova abordagem do saber didático, pela qual este é entendido no cerne dos processos de produção, em oposição ao seu entendimento no cerne dos processos de inculcação".

A apresentação de ARROYO (1989: 3) sobre o tema: "O trabalho docente como síntese: da prática empírica à construção de uma nova prática", é um dos fundamentos da análise que faz OLIVEIRA (1992: 127) que assim se exprime:
"... poderemos compreender os processos de formação-educação como processos de produção e não de inculcação. O que estamos sugerindo é que é impossível descolar a pedagogia escolar da pedagogia mais ampla, dos processos educativos pelos quais os seres humanos se formam, se constituem a si mesmos".

Em 1991, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul desenvolveu o VI Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, tendo como temática central as perspectivas do trabalho docente para o ano 2000.

Fundamentalmente, o VI ENDIPE fez uma análise do estado atual do ensino da Didática e da Prática de Ensino e de como essas disciplinas vêm influenciando os cursos de formação de professores, seja para consolidar as condições sociais, políticas e materiais da nossa sociedade, seja para concretizar, no nível institucional, práticas pedagógicas capazes de "contribuir para a construção da sociedade justa e igualitária, desejada para o nosso século" (Documento Preliminar, VI ENDIPE/I ENCOSUL - Educação, 1991).

O VI ENDIPE analisa e estimula a perspectiva interdisciplinar como proposta de formação profissional de docentes, em oposição à de conteúdos arrolados em temáticas e formas tradicionais.

O VII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino centrou sua temática na questão da produção de conhecimento e trabalho docente, analisando, em torno desse centro, os problemas de ensino e da pesquisa nessas áreas de saber numa perspectiva interdisciplinar, visando à formação de professores.

Alguns pontos mais enfatizados, seja nos simpósios ou conferência magna, seja nos painéis, comunicações e grupos de estudo, serão apresentados a seguir.
- A epistemologia das Ciências da Educação e a interdisciplinaridade no campo do ensino e da pesquisa em Didática e Prática de Ensino.
- A produção e a organização do conhecimento escolar e a formação de professores.
- A integração ensino e pesquisa no trabalho docente.

De forma bastante resumida, são esses alguns dados retratados sobre os avanços, retrocessos, consensos e discursos que têm permeado o pensamento, as idéias e as práticas sobre a Didática e a Prática de Ensino, áreas significativas da formação de docentes.


1.4. Hipóteses em discussão

Sobre esses dados recolhidos dos Encontros de Didática e Prática de Ensino, procurei trabalhar as três suposições inicialmente colocadas.

Hipótese 1

A qualidade de ensino afirma a necessidade fundamental do ensino de Didática nos cursos de formação de professores.

Essa suposição, enraizada na Didática Tecnicista, corresponde ao espaço da história do ideário pedagógico entre os anos 60 e 70, em que se priorizam os métodos e técnicas de ensino dicotomizados de seus conteúdos específicos.

A prática educacional brasileira desse período acirra a contradição do capitalismo entre trabalho manual e trabalho intelectual, contradição esta que se manifesta em todos os âmbitos sociais, dentro eles, nos currículos de formação profissional no 3o. Grau (Lei 5.540/68) e no 1o. e 2o. Graus (Lei 5.692/71).

Nessa perspectiva, todos os recursos humanos e materiais do sistema objetivam a eficiência e a racionalidade técnicas. Os alunos formados são transformados em produtos do sistema, que lutam por um espaço no mercado de trabalho, também organizado pela mesma lógica de busca da produtividade e do "lucro".

A qualidade do ensino nesse jogo de forças recai sobre os ombros do professor, que, para fazer face às suas responsabilidades técnicas, ingressa em cursos de treinamento de Didática, buscando, nas decisões abstratas da teoria estéril, respostas para os múltiplos problemas da prática cotidiana.

Assim, os estudantes de nossas Universidades estudavam as teorias, em tais e tais autores, mas não sabiam para que servia esse saber e, muito menos, o que a produção desse saber tinha a ver com a afirmação ou negação de interesses e necessidades fundamentais de uma dada formação social. Era um saber ilusório, frágil, fragmentado em relação à realidade concreta da escola e da sociedade no seu todo.

A concepção de relação entre teoria e prática, estabelecida no bojo desse modelo, e o papel da Didática na formação de professores passam a ser entendidos como um meio de favorecer a aquisição de conhecimentos sistematizados sobre o processo escolar, de modo a selecionar, abstratamente, os melhores métodos e técnicas para uma situação prática de ensino, a fim de atingir os objetivos fixados pelo currículo. Por mais paradoxal que pareça, essa Didática se afirma como a Didática que nega a competência do professor.

É principalmente contra esse estado de coisas que os professores de Didática se reúnem, em 1982 e 1983, constituindo um grupo de profissionais que denunciam o lugar que a Didática vinha assumindo na política de formação de professores, qual seja, o de negação da competência para o trabalho escolar. Daí, as novas investigações sobre o objeto, o campo e a nova função da Didática na formação do professor.

Pode-se, então, tentar relacionar a crise de qualidade da educação tecnicista como a possível perda de espaço da Didática como área prioritária da formação do professor, uma vez que, a prática dessa Didática tecnicista fabrica a incompetência, desqualificando o profissional de ensino, porque lhe nega saberes específicos para fazer o ensino.

Possivelmente, essa Didática com ênfase no instrumental, debatida nos Seminários de "A Didática em Questão", contraditoriamente nega a competência de trabalho ao professor, ao mesmo tempo em que afirma essa competência e eficiência.

Hipótese 2

A qualidade do ensino nega o ensino da Didática como fundamental, e afirma as Didáticas dos Conteúdos Específicos e a Prática de Ensino como disciplinas básicas nos cursos de formação de professores.

A hipótese número 2 é fruto da crise da Didática como uma das possíveis mediadoras da desqualificação do profissional de ensino e a crítica a essa desqualificação é tão ferrenha que o ensino da Didática fica perdido. Os professores não podem mais agarrar-se às tecnologias modernas de ensino, ou às teorias tecnicistas para resgatar o campo de trabalho, esfacelado. Há cursos de Graduação que até retiram a Didática como disciplina da grade curricular ou reduzem profundamente a carga horária dessa disciplina.

Os professores de Didática vêem-se forçados a buscar novas relações com a prática cotidiana, a fim de garantir a sobrevivência do espaço perdido.

Surgem as novas pesquisas, principalmente sobre o cotidiano escolar, que vão reconstruindo o espaço de trabalho do professor. Ao mesmo tempo, os professores dos conteúdos da parte específica do currículo de formação de professores, captam novas relações com a Didática e com as Práticas de Ensino. Cresce a concepção de que o ensino de cada área do saber deve ser desenvolvida da forma como se produz historicamente o conhecimento específico das áreas de conteúdo.

Avançam as pesquisas e reflexões no campo das metodologias de ensino e as novas concepções de prática de ensino procuram superar as concepções ultrapassadas de estágio como aplicação de teorias de ensino.

Discute-se a questão da qualidade do ensino como enfatizam as contribuições do III e do IV Encontro de Didática, à luz de uma nova concepção de Prática de Ensino e uma nova compreensão entre os conteúdos específicos e as disciplinas de formação pedagógica. Formar um professor técnica e politicamente competente, significa formar um professor que integre em sua atuação os conhecimentos, habilidades, crenças, valores, emoções e compromisso com a realidade da prática social cotidiana.

Pede-se ao professor de Didática um novo saber e enfatiza-se o saber da prática educativa refletida na ação-reflexão-ação.

A crise da Didática, analisada principalmente acerca do lugar que essa disciplina ocupa na formação de professores, é colocada no âmago dos debates, e o movimento histórico das várias práticas e do ideário pedagógico acabam por dar ênfase às Metodologias Específicas e às Práticas de Ensino, colocando a Didática numa posição de inter-relação e integração com os conteúdos chamados de formação pedagógica. Essa postura dos debates sobre idéias e práticas colaboram com a suposição da segunda hipótese segundo a qual a Didática não exercerá mais o privilégio na direção política da formação dos professores para o 2o. Grau de ensino e reafirma as Didáticas Especiais e a Prática de Ensino como fundamentais à referida formação.

Hipótese 3

A qualidade do ensino reafirma a não-exclusividade da Didática na formação de professores e inclui novos campos de saber como importantes na formação do professor, além de sugerir outros lugares sociais onde essa formação ocorre com abrangência e integração entre escolas e outros espaços sociais.

As contribuições tanto do V como do VI e do VII ENDIPEs tentam fazer avançar a discussão da questão do trabalho como processo de saber, evidenciando-se os laços ideológicos que perpassam essa prática social, bem como desenvolvendo-se um esforço de reflexão para compreender a dimensão criadora da ação-reflexão-ação e de suas relações com o projeto político de sociedade.

A relação dialética entre teoria e prática é considerada como núcleo articulador da formação profissional, na medida em que a teoria é constituída a partir do conhecimento da realidade concreta, tendo a prática como ponto de partida e, também, de chegada dessa realidade.

Diz FÁVERO (1992: 65), que ninguém se forma profissional de alguma coisa apenas porque sabe sobre os conflitos da profissão, ou porque freqüentou um curso superior. É comprometendo-se como construtor de uma práxis que o professor se forma. É a partir do compromisso com a prática que se constrói a dimensão prática da teoria e a dimensão teórica da prática, demonstrando, como GRAMSCI (1978: 52), que a prática é racional e necessária e a teoria é real e racional.

Aprender o real exige mais que o olhar da Filosofia, da Sociologia, da Psicologia, da Didática ou da Antropologia. Exige a articulação das diferentes áreas do conhecimento na interdisciplinaridade, redefinindo métodos e categorias e uma nova postura de investigação.
Segundo ALVES (1992: 12)
"... um curso de formação de professores exige momentos de sínteses interdisciplinares (totalizadores) e momentos e aprofundamento de cada área do conhecimento (especificadores). A relação dialética entre estes momentos ampliará a capacidade de ler o real e de interferir sobre ele, pois se constituirá em possibilidade de criação de outras formas de conhecimento".
É ainda ALVES (1992: 22) que afirma:
"Por fim, não se pode pensar em formação simplesmente na esfera da escola, mas é preciso pensá-la na totalidade das esferas que a compõem: a da prática pedagógica cotidiana, a da prática política coletiva, a da ação governamental e a das pesquisas em educação".

Todas essas alternativas de ensino de Didática, surgidas no âmbito do V, VI e VII ENDIPEs, vêm gerando uma nova qualidade de ensino, que não se limita mais ao âmbito da compreensão cognitiva do processo de ensino, mas que deve inter-relacionar-se com o trabalho docente e com os processos de conhecimento conquistados nos vários espaços de prática social. Os movimentos sociais dos trabalhadores de ensino, a prática pedagógica das escolas de 1o. e 2o. Graus vêm despertando o educador para um projeto de parceria de nova postura em face da interdisciplinaridade entre os conteúdos específicos, a Didática e os movimentos da cultura do País.

Essa nova Didática nega os reducionismos das abordagens anteriores e se propõe fazer a caminhada da totalidade, inserida que está no bojo dos debates, dos antagonismos e das contradições da formação social brasileira, e caminha também em direção da terceira hipótese desta tese.

Hoje, as pesquisas em Didática, voltadas para a construção dos saberes básicos que permeiam o trabalho docente, assim como as pesquisas do cotidiano da sala de aula, que vêm trazendo um novo corpo de conhecimentos sobre os processos de sala de aula, como ainda os processos interacionistas do conhecimento, que fazem mediações não só com o racional mas também com o cultural e o simbólico, abrem novas perspectivas para uma postura de interdisciplinaridade no processo de formação de professores.

Este texto quis resumir, em pequenas pinceladas, os momentos vividos pelas disciplinas pedagógicas: Didática e Práticas de Ensino na década de 70, que repercutiram nos anos 80 e 90, fazendo emergir um quadro contraditório de práticas educativas que negam a simplificação e se abrem em busca da totalidade política. Quis mostrar, ainda, como a Didática era reducionista e, hoje, está preocupada com outras dimensões sociais, em busca de um projeto de interdisciplinaridade que, segundo FAZENDA (1994): 3)
"... procura re-indagar as certezas paradigmáticas resultantes das teorias que configura a atual Ciência Escolar, e mais, procura considerar como fundamentais à construção dessa ciência, a pesquisa criteriosa sobre as ações comprometidas ocorridas em sala de aula. Essa forma de pesquisa permitirá extrair do cotidiano de práticas bem sucedidas os fundamentos das novas teorizações (...) que poderão consolidar o jeito novo, a nova forma de conceber e fazer escola".

BIBLIOGRAFIA
ANDRE, Marli E. D. A. A evolução do ensino de Didática. Revista da Faculdade de Educação. São Paulo, v. 18, no. 2, p. 241-246, jul./dez. 1989.
ARROYO, Miguel G. O trabalho docente como síntese: da prática empírica à construção de uma nova prática. V ENDIPE, Belo Horizonte, UFMG/Faculdade de Educação, 1989 (mimeogr.).
ALVES, Nilda. (Org.). Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992.
BRASIL - Lei no. 5692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as diretrizes e bases do ensino de 1o. e 2o. Graus.
CANDAU, Vera Maria. A Didática em questão. Petrópolis: Vozes, 1986.
DOCUMENTO-Base do VI ENDIPE. Porto Alegre, VI ENDIPE, Faculdade de Educação/UFRGS, 1991 (mimeogr.).
FAZENDA, Ivani C. A. A construção de uma atitude interdisciplinar na prática docente: fundamentos para análise. Caxambu/MG, 17a. Reunião Anual da ANPEd, junho de 1994 (mimeogr.).
FÁVERO, Maria de Lourdes A. Universidade e estágio curricular: subsídios para discussão. IN: ALVES, Nilda (Org.). Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
LIBÂNEO, José Carlos. A docência e seus fundamentos pedagógico-didáticos. Recife, IV ENDIPE, 1987 (mimeogr.).

LIMA, Maria de Lourdes R. Documento-Base do V ENDIPE. Belo Horizonte, V ENDIPE, Faculdade de

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