José Luiz Lopes Gomes(De Viçosa-MG) - A crescente desnacionalização da indústria no Brasil
A crescente
desnacionalização da indústria no Brasil·
Política Industrial
Em entrevista ao Clube de Engenharia, Adriano
Benayon fala sobre a crescente desnacionalização da indústria brasileira
Adriano Benayon.
Foto: ArquivoO Portal da Engenharia publica, a seguir, entrevista exclusiva com o
economista e diplomata Adriano Benayon, autor de Globalização versus
Desenvolvimento, 2ª edição, da Editora Escrituras/SP. Benayon é consultor em
finanças e em biomassa, Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo,
bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
diplomata de carreira, com postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha,
Estados Unidos e México, e delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas
áreas econômica tecnológica. Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal na área de economia, professor da Universidade de Brasília
(Empresas Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e
Desenvolvimento no Brasil), Adriano Benayon tem muito a acrescentar ao
movimento nacional que o Clube de Engenharia fez avançar ao lançar, em 2011, o
manifesto em defesa da engenharia e da empresa brasileira de capital nacional.
Clube de Engenharia - Qual processo socioeconômico nos trouxe até o atual quadro de
alarmante desnacionalização? Em que diferimos do resto do mundo? Quais
especificidades fazem o país ser vítima desse processo?Adriano Benayon - Antes de resumir
o processo da desnacionalização, falemos da
anterior construção da indústria nacional.
Até a derrubada de
Getúlio Vargas, em 1954, através de um golpe militar orientado pelos serviços
secretos das potências hegemônicas (EUA e Reino Unido), o Brasil vinha
formando, desde os primeiros decênios do século XX, expressiva
industrialização, principalmente no Estado de São Paulo, com empresários
nacionais, boa parte deles imigrantes e seus descendentes. Foi a fase em que a
substituição de importações foi feita principalmente por empresas de capital
nacional.
Para isso houve uma
combinação favorável de fatores: a) dificuldades na exportação do café,
devidas à depressão mundial dos anos 30, com desvalorização de nossa moeda; b)
os fabulosos recursos naturais do País, inclusive a excelente dotação de terras
férteis, suscitando interação entre a demanda do campo e a dos centros urbanos
com as novas indústrias, não limitada aos bens de consumo; c) a 2ª Guerra
Mundial, quando exportações foram reativadas, mas houve menos oferta de
produtos estrangeiros; d) o crescimento natural da população, incrementado pela
entrada de mais imigrantes, em número mais baixo que o anterior à 1ª Guerra
Mundial, mas, com gente, na média, melhor qualificada, ao aproximar-se a 2ª
Guerra e durante ela; e) a criação, por Vargas, de serviços e
empresas estatais de grande porte em áreas estratégicas, o controle do subsolo,
os institutos de previdência etc.
O potencial do País
e sua promissora industrialização não eram do agrado das potências
anglo-americanas, as quais, mal terminada a 2ª Guerra Mundial, promoveram a
primeira derrubada de Vargas, em 29.10.1945, embora este já estivesse por sair,
não sendo candidato às eleições de 03.12.1945. Eleito o Mal. Dutra, apenas pelo
apoio de Vargas, que, assim derrotou o Brig. Eduardo Gomes, candidato de seus
opositores, Dutra, ex-simpatizante dos regimes fascistas, aderiu aos desígnios
do império anglo-americano, que usava o anticomunismo como instrumento para
mais facilmente dominar o País.
Ainda assim, a
industrialização nacional, embora prejudicada, de 1946 a 1949, não foi de todo
interrompida, uma vez que, em menos de um ano, a abertura comercial desbragada
levou a enorme desequilíbrio nas contas externas, fazendo que a própria taxa de
câmbio se encarregasse de propiciar alguma proteção à indústria local.Getúlio Vargas, em
1951, retorna à presidência, eleito pelo voto direto do povo, retoma e amplia
medidas tomadas antes de 1945. Vem a criação da Petrobrás (no período anterior
fora a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional
de Motores), o projeto de fundação da Eletrobrás, o BNDES e um sem número de
políticas pró-desenvolvimento preparadas por sua assessoria financeira, sob a
direção de Rômulo de Almeida.
Estava, portanto,
bem encaminhada a plena e verdadeira industrialização do País, pois somente com
predominância de capital nacional e desenvolvimento de tecnologia dentro das
empresas nacionais é viável que ela dure e se desenvolva.Passo à desnacionalização. Ela começa
com o que muitos pensam erroneamente ser a intensificação da industrialização,
notadamente no quinquênio de JK (1956-1960) e nos mandatos de Médici e Geisel
(os falsos milagres econômicos). Porém, isso foi uma industrialização
inconveniente, porque dependente do exterior, financeira e tecnologicamente. Na
realidade, ela conduziu o País para a desindustrialização, evidente desde os
anos 90.
Desde agosto de
1954, após a derrubada de Vargas, a desnacionalização foi promovida por
governos egressos de golpes militares sob direção estrangeira, ou de eleições
comandadas pela pecúnia, no quadro de instituições políticas adrede
constituídas.
Ela se deu por meio
de cooptação e de corrupção e também por efeito da dependência cultural,
formada pela mídia e por universidades. Foi reforçada pelo deslumbramento
diante dos requintes da “civilização” dos países imperiais e da difusão das
realizações destes, sem se cogitar que muito dessas “maravilhas” resultou
do saqueio das periferias.
O governo
militar-udenista, de 1954/1955, instituiu vantagens absurdas em favor do
capital estrangeiro, inauguradas com a Instrução 113 de 17.01.1955, da SUMOC
(Superintendência da Moeda e do Crédito).
Essa Instrução
propiciou às multinacionais importar máquinas e equipamentos usados, sem
cobertura cambial, registrando o valor a eles atribuído pela multinacional,
como investimento estrangeiro direto, em moeda.
Desse modo, os bens
de capital entraram, no Brasil, mais que amortizados com as vendas em vários
mercados, de dimensões, cada um dos quais, dezenas de vezes maior que o
brasileiro.
Em consequência,
as promissoras indústrias de capital nacional, formadas na 1ª metade do
Século XX, foram sendo dizimadas, impossível que era concorrer com
grandes empresas transnacionais, ainda por cima, operando no Brasil com
capital e tecnologia a custo zero.
Assim, a Volkswagen
apossou-se de mais de 50% do mercado de automóveis, com o Fusca, de tecnologia
desenvolvida nos anos 30, produzido para o mercado europeu, vinte anos antes de
o ser no Brasil. Ora, a amortização dos equipamentos ocorre em cerca de cinco
anos.
Tal é a
desinformação reinante no País, que a maioria dos brasileiros associa JK ao
desenvolvimento. Ele se proclamava desenvolvimentista, mandava tocar obras, mas
não entendeu ou não quis entender como se chega ao desenvolvimento.JK não só manteve,
mas ampliou os subsídios e facilidades para os investimentos diretos
estrangeiros (IEDs). Eleito, antes de tomar posse, visitou diversos países em
missão para atrair esses “investimentos”.
Assim, o País posto
nos trilhos do modelo dependente, continuado sob os governos militares, e
acentuado pelo filo-norte-americano Castello Branco (1964-1966), ao dar a
Roberto Campos a posição de czar da economia. Esse fez devastar grande número
de empresas de capital nacional, restringindo gastos e investimentos públicos,
limitando e encarecendo o crédito, para inviabilizar as indústrias e as outras
empresas nacionais.
A implantação da
Fiat, nos anos 70, com recursos do governo de Minas e incentivos federais, é um
dos exemplos escandalosos do modelo de dependência tecnológica, financeira e
cultural prevalecente no Brasil. A “proeza” está sendo repetida, pois mais de
70% da nova fábrica da Fiat em Pernambuco é montada com dinheiro público. Como
essa, n outras montadoras transnacionais têm sido implantadas em outros
Estados com subsídios, incentivos e doações inimagináveis. O mesmo ocorre em
outros setores.
Tem havido
devastadora guerra fiscal para atrair investimentos estrangeiros, na qual
governadores e prefeitos oferecem a empresas transnacionais estrangeiras
vantagens cada vez mais desmedidas, às custas dos contribuintes e da economia
brasileira, as quais se somam aos subsídios fiscais federais e a financiamento
subsidiado por bancos estatais, como o BNDES.
Aí está a origem da desnacionalização, a
qual resultou na desindustrialização e, em suma, no
subdesenvolvimento. Essa é a confrangedora situação atual do País, sem indústrias
próprias, sem tecnologia, nem marcas próprias, apanhando
de dez a zero de países pequenos e antes paupérrimos, como a Coreia do Sul e
Taiwan, sem falar na potência mundial em que se transformou a China.
Clube de Engenharia - Em que diferimos do resto do mundo? Quais as especificidades e as
diferenças em relação a outros países.
Adriano Benayon - Elas ficam
claras, comparando o que resumi da história econômica do Brasil, com o que
aqueles países fizeram. Vamos situar isso no contexto histórico e
político. Coreia do Sul e Taiwan estavam na linha de frente da guerra
fria, que já havia estado mais que quente. Seus regimes eram fechados e
militaristas, mas isso lhes possibilitou adotar as políticas públicas
necessárias ao desenvolvimento.
Quais? Fomentar empresas nacionais, suscitar a
formação de grandes empresas e conglomerados de capital nacional, apoiados por
estatais na infra-estrutura e por bancos estatais. No Brasil, ao
contrário, as empresas transnacionais foram as favorecidas pela política
econômica e são escandalosamente subsidiadas até hoje.
A China, saqueada e
ocupada militarmente, desde 1840, com a criminosa guerra do ópio, movida pelo
império britânico, envolvida em guerras civis, instaurou, com a vitória da
revolução em 1949, um regime comunista, com a economia quase totalmente
estatizada, e restante vinculado ao poder público.
Construiu, durante
o período maoísta (1949-1976) importantes infra-estrutura e indústria e
tornou-se potência militar e nuclear. Quando Deng modificou o curso e admitiu
as transnacionais nas zonas costeiras e voltadas para a exportação, suscitou,
ao mesmo tempo, a formação de poderosas empresas privadas de capital nacional.Além disso, a China
é praticamente o único país do mundo que consegue levar vantagem com as
transnacionais, aproveitando capital e principalmente tecnologia, que absorve.
Isso porque seu regime político não decorre de eleições dependentes de dinheiro
para as campanhas
Foi consequência do
nacionalismo, decorrente da dura experiência de agressões imperiais sofridas e
da herança maoísta, associado à cultura milenar taoísta e confucionista,
em que o mérito é completamente valorizado na ascensão dos quadros econômicos e
políticos.
Desse modo, as
transnacionais só foram admitidas sob condições estritas e, em função do regime
político, insuscetíveis de serem contornadas. Entre elas, diretores chineses em
paridade numérica e salarial com os enviados pela matriz da transnacional, e
transferência de tecnologia (expressão no Brasil, esvaziada de sentido).
Coreia e Taiwan
copiaram o modelo japonês, inclusive opondo intermináveis dificuldades
burocráticas para limitar a presença das transnacionais em seu setor produtivo.
Obtiveram tecnologia estrangeira, capacitando seus nacionais a absorvê-la, o
que só pode ser feito em empresas de capital nacional. Impossível nas
subsidiárias das transnacionais.
Que fizeram para
isso? Contratos de transferência de tecnologia, principalmente com empresas
europeias, pagando-lhes percentual sobre as vendas da produção local. Não
cometeram, como o Brasil, o suicídio econômico de entregar o mercado interno
(de resto muito mais promissor que o daqueles países) às transnacionais, através
dos investimentos diretos estrangeiros.
Ainda mais incrível
que entregar o mercado (o trunfo para realizar contratos de transferência de
tecnologia), foi subsidiar – e como! – a entrada desses “investimentos”, dos
quais o Brasil não tinha a menor necessidade.
Primeiro, as
transnacionais usaram quase que só capital local, inclusive lucros de
operações comerciais anteriores, e principalmente os subsídios governamentais.
Segundo, havia no País capital mais que suficiente (além disso, ele pode ser
criado por emissões do Tesouro e pelo sistema bancário). Comparem-se os
recursos do Brasil em 1955 com os dos então miseráveis asiáticos.
Os investimentos
diretos estrangeiros (IEDs) são considerados remédio para “equilibrar” o
Balanço de Pagamentos – BP, mas agravam enormemente a doença: o desequilíbrio
do BP, decorrente dos próprios IEDs. Como? Devido às transferências de seus
lucros oficiais ao exterior e ainda mais dos disfarçados, remetidos através de
outras contas, com superfaturamento de importações e subfaturamento de
exportações, pagamentos por serviços superfaturados e até fictícios (juros,
comissões, assistência técnica, uso de marcas etc.)
Os déficits
nas transações correntes (TCs) com o exterior vêm-se avolumando. Somaram
US$ 204,1 bilhões de 2008 a 2012 (US$ 54,2 bilhões só em 2012). Eles estão em
aceleração: US$ 18 bilhões, ou seja, 83% a mais que no mesmo período de 2012.Num círculo
vicioso, os déficits nas TCs, por sua vez, fazem acelerar ainda mais a
desnacionalização, a qual, de novo, produz déficits nas TCs, e estas levam a
mais endividamento.
Desde os anos 90 -
com Collor e FHC - a desnacionalização cresceu ainda mais através das
privatizações, em que a União, em vez de receber, gastou centenas de bilhões de
reais para entregar estatais de grande porte.
Clube de Engenharia - Em 2012, 296 empresas nacionais foram compradas por grupos estrangeiros.
Em 2011, foram 208 e, em 2010, 175 empresas. Ou seja, os números têm crescido e
estamos batendo o nosso próprio recorde anualmente. Como frear esse processo? O
senhor vê no governo a vontade política necessária para estancar o problema? O
que podemos esperar, nos próximos anos?
Adriano Benayon - Mais do mesmo,
enquanto não se mudar o sistema político atual. Por que? O grande drama é
que a desnacionalização gera no sistema político outro círculo vicioso, não
menos sério que o causado na economia. Em outras palavras, controlando o grosso
e o que há de mais poderoso na estrutura econômica e financeira do País, as
transnacionais fazem prevalecer seus interesses na formulação das políticas
governamentais, nas leis etc.
Isso porque, no
modelo político de molde ocidental, a pluralidade de partidos e as eleições
periódicas não significam democracia, uma vez que a grande maioria dos eleitos
depende de volumosos recursos financeiros e de acesso à grande mídia,
especialmente à TV. Ora, a grande imprensa e outras fontes de formação de
opinião estão, secularmente, a serviço de interesses que não são os nacionais.
Quanto ao número de empresas brasileiras desnacionalizadas, foram 1.296, de 2004 a 2011, período em que as remessas oficiais de
lucros ao exterior montaram a US$ 405 bilhões. Ora, as remessas de lucros
disfarçados em outras contas foram um múltiplo disso. Adicionando as 296 de
2012, o total, desde 2004, vai para 1.586.
É bom ter presente
que a aquisição de empresas de capital nacional (desnacionalização em sentido
restrito) é só uma parte dos “investimentos estrangeiros diretos (IEDs). A
desnacionalização, em sentido lato, inclui também a criação de novas
subsidiárias e a capitalização adicional nas já estabelecidas. Tudo isso
implica controle da economia brasileira por empresas estrangeiras.
Clube de Engenharia - O Clube de Engenharia publicou, em 2011, manifesto pela defesa das
empresas genuinamente nacionais. De acordo com o documento, seria necessária a
restituição das proteções constitucionais à produção nacional, tendo como foco
prioritário imediato três áreas, por serem consideradas estratégicas para o
país: as indústrias de petróleo o gás, energia e defesa. Restituir as proteções
legais e a diferenciação entre empresas brasileiras de capital nacional seria
suficiente para reverter o quadro atual? Sob o ponto de vista da crescente
desnacionalização, como estão essas três áreas estratégicas hoje no Brasil?
Adriano Benayon - Certamente é
importante a iniciativa do Clube de Engenharia, que, desse modo, dá um passo na
direção que o Brasil precisa tomar.
A meu ver, é
importante, mas não suficiente, uma Emenda à Constituição para restituir-lhe o
capítulo da Ordem Econômica, inclusive com a distinção entre empresa de capital
nacional e de capital estrangeiro, que foi extirpado do texto votado em 1988,
por iniciativa do governo de FHC, executante do Consenso de Washington.
É fundamental
estabelecer a reserva de mercado para empresas de capital nacional em áreas
estratégicas, como as três sugeridas pelo Clube de Engenharia.
Não menos
prioritário para todos os setores produtivos e financeiros, são regras,
para serem cumpridas – e não regras desdentadas - que estabeleçam firmemente
a concorrência. Para que haja elevação da renda, da qualidade da produção e
desenvolvimento tecnológico, é indispensável acabar com o império sobre o
mercado detido pelos oligopólios, principalmente liderados por transnacionais,
muitos dos quais operam como carteis.
Como realizar isso?
Assegurar as reservas de mercado para empresas nacionais, financiando-as a
longo prazo e a juros favorecidos, ajudando-as a investir na capacitação de
seus engenheiros e técnicos para absorver e desenvolver tecnologias, praticando
inclusive tecnologia reversa e fazendo contratos de transferência de
tecnologia, sob adequada supervisão de órgãos estatais, como o INPI (que nunca
foi dotado para exercer as funções que devia desempenhar).A propósito, é
urgente para o Brasil revogar a Lei de Propriedade Industrial, adotada em
conformidade com os acordos nessa área, firmados na OMC, e rever esses acordos,
denunciando-os se necessário. Além da desnacionalização das empresas, os
governos, principalmente a partir de Collor desnacionalizaram o próprio Estado
brasileiro. Se os brasileiros, engenheiros ou não, querem ser alguma coisa na
vida, esse estado de coisas tem de acabar.
Em suma, só haverá
desenvolvimento econômico e social, e bons empregos para engenheiros e para
outros brasileiros, se a produção, em todos os setores, for realizada por
empresas nacionais em regime de concorrência.Se não,
continuaremos com os sobrepreços, como os que praticam as transnacionais, a
ponto de, como é sabido, por exemplo, os carros custarem aqui mais que o dobro
do que na média dos outros países, não obstante os subsídios, isenções fiscais,
financiamentos generosos, terrenos dados, obras de infra-estrutura e outras
vantagens que as montadoras estrangeiras recebem de graça.
Qual é, pois, a
função dos oligopólios? Produzir a custos baixos e subsidiados, vender a preços
altos, administrados por eles mesmos, e mandar os ganhos para o exterior de
várias maneiras. Exemplifiquei com os carros, mas vale para todos os setores de
produção.
Lógico que as
empresas nacionais que surgirem ou se reconstituírem graças à nova política
deverão ser fiscalizadas no cumprimento das normas de concorrência e impedidas
de serem vendidas a empresas estrangeiras e mesmo a concorrentes nacionais,
salvo se isso não implicar a formação de oligopólio.
Clube de Engenharia - Que áreas podemos apontar como exemplos perfeitos do processo de
acelerada desnacionalização no país? Quais são os casos mais emblemáticos?
Adriano Benayon - Já mencionei o
caso notório do setor automotivo. Mas os abusos em outros bens de consumo
durável e até em bens de produção são muito frequentes, tanto nos de origem
mineral como agrícola. O absurdo estende-se aos transportes, em que o
aeronáutico constitui um escândalo e uma vergonha.
Ainda mais no País
que, além de ter a EMBRAER - também desnacionalizada, no mínimo, em parte -
é o do inventor do avião, o país que já teve companhias aéreas gigantes,
presentes em todo o mundo, e está agora à mercê de um cartel de empresas
estrangeiras de terceira categoria, até mesmo para os vôos internos.
Que falar de outra
vergonha, a dos transportes marítimos? E do caso de enormes estatais, como a
Vale Rio Doce, que não se sabe quem controla, embora fundos previdenciários
brasileiros tenham bancado a maior parte do valor pífio da privatização de um
patrimônio absolutamente incalculável, estratégica e economicamente?
O Brasil não
controla sequer sua infra-estrutura, como a da hidroeletricidade, privatizada,
em grande parte, para empresas estrangeiras e regulado de forma desastrosa, no
esquema das Agências (mesmo caso da do petróleo e combustíveis, a ANP), criadas
para ajudar os concessionários que deveriam ser regulados, e não, os
consumidores e a economia do País. Ainda na energia, o setor sucro-alcooleiro
está tendo acelerado processo de desnacionalização.
Além disso, temos a
agricultura e a pecuária submetidas a tradings internacionais. Toda a
estrutura de produção desse setor, como a dos minerais, é determinada por
interesses estrangeiros. Se não, as terras de produção agrícola não estariam
sendo usadas em quase 50% só para a soja, nem a pecuária ocuparia mais de 1/3
das terras totais utilizadas.
Pior ainda, os
governos entreguistas e pusilânimes, tanto o federal, como a maioria dos
estaduais permitiram, quando não apoiaram - em favor das notórias
transnacionais, Monsanto, Syngenta, Bunge, Bayer etc. - a substituição das
sementes tradicionais – indispensáveis para a segurança alimentar – por
sementes transgênicas, prejudiciais à saúde dos que se alimentam com seus
produtos, sem falar no veneno dos agrotóxicos associados a essas sementes (só
elas resistem a eles). Ademais, o uso das transgênicas contamina as terras
vizinhas, acabando com as tradicionais e exterminando as abelhas, necessárias à
preservação da vida atraves da polinização.
Certamente omiti
muita coisa, inclusive os absurdos, desnecessários leilões do petróleo
descoberto pela Petrobrás, para ser explorado por empresas estrangeiras, em
troca de royalties risíveis, em percentual cinco vezes menor que o negociado
pelo Xá do Irã com as petroleiras anglo-americanas, ainda nos anos 50.
Clube de Engenharia - Na sua opinião,
podemos traçar uma ligação direta entre desnacionalização e
desindustrialização? Os dois processos estão ligados de alguma forma?
Adriano Benayon - Sim. Para
começar, a desnacionalização causa o
empobrecimento de um país. Primeiro, transferindo para o exterior os elevadíssimos
ganhos dos oligopólios. Segundo, gerando, com isso, déficits de conta corrente,
que têm que ser cobertos por empréstimos e outras formas de endividamento.
As dívidas ganharam
dinâmica própria, como se fossem bactérias em ambiente ácido, através da
capitalização de juros, tarifas, comissões e taxas especiais, e o Estado gasta
grande parte, se não a maior, de suas receitas com o serviço da dívida (no
Brasil a externa desencadeou a dívida pública interna, a partir de 1980). Isso
devido, inclusive, à influência da oligarquia financeira estrangeira nos
governos e até na Constituinte, quando foi inserido no texto da Constituição,
fraudulentamente, o dispositivo que privilegia o serviço da dívida no orçamento
federal. Essa despesa, de 1988 ao presente, aproxima-se, em moeda atualizada,
de 10 trilhões de reais.
Assim, o Estado
investiu pouco na infra-estrutura – e mal, diga-s de passagem - e nas
indústrias de base, a qualidade da educação decaiu etc. O salário médio pouco
cresceu, ficou estagnado, mormente em comparação com os países que
experimentaram real desenvolvimento. Ora, os grupos industriais preferem
investir na produção de bens de elevada qualidade e maior valor agregado nos
países de renda elevada ou nos que se desenvolvem.
Assim,
crescentemente, os bens de maior valor agregado deixaram de ser produzidos no
Brasil. Além disso, acabando com a proteção tarifária, desde a abertura comercial,
sem contrapartida, decretada pelo devastador Collor, as transnacionais no
Brasil, passaram a importar não só os bens finais de maior valor agregado, mas
também os componentes e insumos de maior valor (de resto superfaturados, como
sempre fizeram), contribuindo assim para o déficit na conta corrente com o
exterior.
Além disso, como as
transnacionais não desenvolvem tecnologia no País, pois ganham mais usando a
tecnologia já desenvolvida nos países de suas matrizes, há, entre outras, duas
consequências:
1)
a produção local nunca vai concorrer com a produção desses países, porque a
tecnologia empregada nesta vai ser sempre mais avançada que a incorporada nas
máquinas usadas, exportadas para o Brasil, além de que aqui os custos são superfaturados,
para ganhar mais e transferir mais renda para a matriz:2)
os engenheiros e técnicos brasileiros ficam excluídos, na especialização
internacional, dos empregos mais interessantes e melhor remuneradosClube de Engenharia - Enquanto os EUA
compram a General Motors, um dos símbolos do capitalismo, e a França mantém
controle em diversas áreas, como a aviação, no Brasil, o assunto foi demonizado
pela grande mídia. Qual a participação dela - a grande mídia - nesse processo
como suporte ao lobby internacional, e como vencer a questão cultural?
Adriano Benayon - A grande mídia
sempre combateu e difamou os que defenderam os interesses nacionais, além de
ter sempre promovido as ideias, as políticas e os projetos da oligarquia
financeira anglo-americana e das transnacionais. Ela já o fazia contra
Getúlio Vargas, antes mesmo de findar o Estado Novo, em 1945.
Há, além disso, uma
espécie de admiração reverencial dos acadêmicos em geral, não só de
economistas, os quais tendem a se orientar pelas doutrinas emanadas das universidades
mais famosas do Atlântico Norte, estipendiadas por potentados da oligarquia
financeira e grandes transnacionais.
Deu-se também a
descaracterização cultural, em muitos países, e de modo especialmente agudo e
profundo no Brasil. Uma espécie de Blitzkrieg imperial, com ênfase
na música, inclusive com a intensa difusão da antimúsica, aviltamento da
indústria do entretenimento, através do cinema, do rádio e das TVs comerciais.
A reforma MEC-USAID (supressão do latim e do francês nos currículos escolares)
no início dos anos 70, com o ex-militar entreguista Jarbas
Passarinho, firmante mais tarde, já no governo Collor, da portaria que fez
demarcar imensa área indígena dita ‘ianomâmi”, no interesse da oligarquia
financeira, sobretudo britânica, que controla a mineração.
Em síntese, do
mesmo modo que só uma completa revolução na política econômica seria capaz de
pôr o Brasil no rumo do desenvolvimento, só uma revolução não menos total
no campo da cultura viabilizaria aquela. A cultural não exigiria tantos recursos,
nem os deveria economizar para formar comunicadores, historiadores e
professores que reexumassem as boas realizações da cultura nacional e as
renovassem.
O investimento no
campo fundamental e estratégico que é a cultura tem de fundar e desenvolver
TVs públicas de alta qualidade, as educativas e as informativas e
de entretenimento e cultura, com música de qualidade nacional e estrangeira.
Também, boas escolas públicas, desde o nível primário ao superior. Uma tarefa
gigantesca. Um exemplo: não seria mal retomar e adaptar aos tempos atuais os
currículos e os métodos das escolas estaduais do Rio Grande do Sul e de Minas
Gerais (entre outras) nos anos 20 do século passado, e do Colégio Pedro
II (federal, de ensino médio, no Rio de Janeiro, antiga capital). Outra ideia:
adaptar os currículos das escolas japonesas e chinesas, em que, desde os
primeiros anos, há ênfase na formação dos valores éticos.
Em suma, restaurar
e renovar tudo que a Rede Globo e outras TVs comerciais têm destruído ao longo
dos últimos 50 anos. Também oferecer algo totalmente diferente da revista VEJA
aos leitores que buscam informação real e avaliações não distorcidas.
Clube de Engenharia - Com os juros mais baixos da história, alta desoneração da folha de
pagamento, isenção de impostos e financiamentos disponíveis, ainda assim, falta
ousadia no empresariado nacional. Isso colabora com a desnacionalização? Como
acordar os empresários e como isso pode colaborar para frear o processo?Adriano Benayon - 1) os juros reais
ainda são altíssimos no Brasil, e se estamos falando de competição, os de
países industrializados concorrentes são muito mais baixos. 2) as desonerações
fiscais, além de seletivas em favor de grupos concentradores e transnacionais,
de pouco servem em face dos altos custos decorrentes de: a) infra-estrutura mal
concebida, mal executada e em deterioração, além de operada por concessionários
que oneram abusivamente os já de si as elevadas tarifas; b) custos de
produção internos dos próprios oligopólios, inflados para transferir lucros
disfarçados para o exterior como se fossem despesas.
Como as
transnacionais são favorecidas com a capitalização dos ganhos decorrente de sua
posição oligopolista, melhor aquinhoadas por subsídios governamentais e têm
acesso a crédito barato, isso retroalimenta a desnacionalização, ao tornar
inviáveis as empresas nacionais que precisam de compradores menos depauperados
pelos altíssimos impostos (enquanto o Estado desonera os concentradores) e
pelos preços dos serviços públicos que deveriam ser módicos ou gratuitos, além
dos preços dos produtos dos oligopólios que elevam artificialmente os
custos, repassando-os aos consumidores.
Tudo que tentei
expor nas respostas anteriores mostra que o problema dos nossos empresários é
ter, da parte do Estado, uma banda adequada para tocar a música que eles devem
executar: responsabilidade, concorrência e bons resultados para quem tenha
valor.
O Estado deveria
ajudá-los a crescer sob essas condições. Mas empresa é uma planta que só nasce
num tipo de solo: o mercado. Um Estado imparcial daria condições iguais para
quem quisesse entrar na competição pelos mercados. Poderia até fazer concursos,
com provas e títulos, como o de ter tido empresa que mostrou competência, mas
foi esmagada pela concentração econômica e pelas crises decorrentes desta.Claro que, se há
timidez de empresários brasileiros é provavelmente porque se trata de espécie
ameaçada, para não dizer em extinção. Mas espécie essencial para o
desenvolvimento do País. Ele precisa também de estatais e tem de
pôr no lixo o mandamento da oligarquia estrangeira de não estatizar coisa
alguma. As estatais devem ser bem estruturadas para as atividades de porte
muito grande, em que não há como ter muitas empresas em competição.
Em suma, é preciso que o tripé seja:
Estado; empresas estatais; empresas privadas nacionais. O tripé em que
Geisel e outros acreditaram (Estado, multinacionais e empresas privadas
nacionais) simplesmente ruiu, e, com sua queda, quem foi ao chão foi o Brasil,
pois o Estado transformou-se em servidor das multinacionais, e o setor privado
nacional praticamente desapareceu. Ficando, pois, só com a perna transnacional,
cujos interesses estão no exterior, o tripé de Geisel deu no que deu.
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