segunda-feira, 2 de julho de 2013
Paulo Timm – Torres julho 02 - Copyleft
Todos os analistas são unânimes em afirmar o cansaço da sociedade brasileira com o modelo político do país, a partir da perda de credibilidade popular nas instituições da democracia representativa. Todos apontam, também os riscos de amplas manifestações populares sem um pauta clara de reivindicações no sentido do que se convencionou chamar de Reforma Política, indispensável a este modelo. Ora clamam contra a PEC 37, já rejeitada; ora contra a presença do indigitado Feliciano na Comissão de Direitos Humanos da Câmara; ora reclamam a saída de Renan Calheiros da Presidência do Senado; ora, genericamente, contra os privilégios dos senhores parlamentares em todas as instâncias da federação. Sintetizar os altos índices de rejeição ao Congresso Nacional, aos Partidos , aos Políticos em geral com esta miríade de clamores, eis uma tarefa realmente difícil, da qual demitiu-se a Presidente, ao entregar as indagações do almejado Plebiscito aos dos outros Poderes. Não será nada fácil equacionar o enigma.
A Reforma Política é assunto antigo. Vem se arrastando desde os anos 90. Vejam esta notícia, resgatada em boa hora por Rejane Xavier- FB:
"Câmara recolhe sugestões para projeto da reforma política
Por: Agência Câmara
A Câmara promove hoje comissão geral para discutir a reforma política. As propostas que forem apresentadas no debate serão encaminhadas pela Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular à Comissão de Legislação Participativa. Essa comissão analisa sugestões da sociedade e as transforma em projetos de lei. A comissão geral será realizada às 10 horas, no Plenário Ulysses Guimarães."
Pensaram que foi hoje? Ledo engano: a notícia é de 2009
Por: Agência Câmara
A Câmara promove hoje comissão geral para discutir a reforma política. As propostas que forem apresentadas no debate serão encaminhadas pela Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular à Comissão de Legislação Participativa. Essa comissão analisa sugestões da sociedade e as transforma em projetos de lei. A comissão geral será realizada às 10 horas, no Plenário Ulysses Guimarães."
Pensaram que foi hoje? Ledo engano: a notícia é de 2009
Vários Partidos , ONGs e Sites vêm se debruçando sobre o tema e tentam sensibilizar eleitores e opinião pública. A questão central, porém, dificilmente é tratada, preferindo-se o elenco de providências que, supostamente poderiam arejar o sistema político. Mas será que há uma questão central deste sistema a ser trazida à borda do tempo com o propósito de submeter-se à problematização? Penso que sim . Vejamos:
A vida pública, no Brasil, foi herdada do Período Colonial e sem sutilezas transferida para um sistema oligárquico de dominação. Durante a Colônia, o exercício da função pública era uma prebenda de El Rei de Portugal a súditos leais que vinham fazer a vida no Brasil. Em contrapartida à graça recebida, candidatavam-se , inclusive às Câmaras Municipais, única instância permitida de exercício de Poder Político assegurada pelo voto. E quem votava? Votavam os reinóis e os nativos proprietários, numa sociedade marcada pela escravidão e pela pequena presença do trabalho independente. Num modelo como esse, a idéia de cidadania era sempre a da obtenção de vantagens na função pública, a qual se estendia, no regime mercantilista da colônia aos direitos de exploração de alguma atividade econômica, tal como o monopólio do sal ou de arremate de couros. Há sempre, no modelo uma íntima associação de interesses privados com a função pública, ambas asseguradas pelo vínculo com o Estado. Victor Nunes Leal, no clássico Coronelismo, Enxada e Voto insistiria neste fato: O acesso ao Estado como mecanismo de consagração social.
A República Velha pouco alterou este modelo. Vargas o abalou substintuindo-o, porém, por outra oligarquia de base diretamente estatal. Em todo o Brasil, nas Interventorias Estaduais, criaram-se novos líderes ligados ao Centro de Poder, criando, com isso, tensões em suas regiões de origem. Abundam pelo país os Barata, os Magalhães, e vários outros, sendo o caso de Pedro Ludovico, um jovem médico goiano, varguista de primeira hora, que chegou à necessidade de transferir a capital do Estado para um novo sítio – Goiânia – pela incapacidade de Governar na antiga Capital da Província , a cidade de Goiás (Velho). Deste embate derivaram as tensões entre UDN e PSD até que, depois da Guerra, o PTB, de origem urbana acenasse para um novo tempo.
Todos sabemos no que deu o modelo varguista: a catástrofe de 1964. Depois a ditadura. Enfim a Redemocratização, em 1985, cujo vértica é a Constituição de 1988.
A grande novidade da redemocratização foi a inclusão de milhões de brasileiros no processo eleitoral, com não menor importância da criação de um novo Partido, de caráter popular, o PT, de alcance nacional. O Brasil, antes da redemocratização, praticamente, não ia às urnas. E quando ia, limitava-se muito pelos óbices à liberação ideológica plena. Este fato , porém, se choca com um estilo de vida pública incompatível com as aspirações democráticas do país. Não tem mais cabimento o acúmulo de privilégios que os políticos acumulam pelo só fato de terem sido eleitos ou exercerem cargos públicos. Tampouco é intolerável o conluio entre interesses privados e exercício de funções públicas. A sociedade não aceita mais este modelo e contra ele que se insurgem, hoje, milhões de jovens no país inteiro, os quais, inclusive, já pouco conhecem das origens do PT e outros partidos ditos populares. A redemocratização já tem 30 anos e muitos dos que estão nas ruas já a tomam como um “ passado remoto “ . Desejam , simplesmente, um modelo de representação política mais atualizado aos novos tempos, mas também à nova realidade da sociedade brasileira, mais informada, com acesso multitudinário aos cursos superiores e de olho cada vez maior no que vai pelo mundo e pelo país, graças à INTERNET. O que talvez eles não saibam é que, mudando o caráter do sistema político no Brasil, um novo conceito de cidadania lhe corresponderá, cada vez mais afirmativo de uma substância de direitos e obrigações. Poderá o Estado, certamente, prosseguir com suas Políticas Sociais, mas, certamente, menos atribuídas a este ou aquele Partido e mais à própria essência do Estado contratual.
Isto, naturalmente, não está nos cálculos do que hoje, a Presidente Dilma pensa e propõe como Reforma do Estado. Incorporado às tradições da política clientelista, o PT não consegue ver nas manifestações um momento de crise de instituições. Prefere preferir o reparto de responsabilidades com as origens do próprio mal: o coronelismo, agora urbano, com retoques de fundamentalismo religioso.
Por Estevão Bosco
As recentes manifestações parecem ter
pegado os partidos brasileiros de saia justa. Ninguém esperava por algo tão
rápido, tão grande e com reivindicações tão diversificadas. E isso talvez
porque muitos dentre nós cresceram num mundo ainda em boa medida pregado no
bairro, na cidade, no telefone. O turismo fácil e de longa distância era algo
restrito a poucos afortunados, a informação era centralizada nos jornais
impressos e televisivos e incluía em sua maioria temas e problemas nacionais.
Poucos estrangeiros, produtos e pessoas, faziam parte do dia a dia. A isso
correspondiam evidentemente mobilizações locais, que tratavam de problemas
locais, que eventualmente e sob alguns aspectos alcançavam a agenda nacional.
Tão evidente quanto isso é o fato de que, naquele tempo recente, havia aqueles
que compunham as classes dominantes, que conseguiam com mais frequência que as
mobilizações populares fazer dos seus interesses problemas da nação. Depois do
último regime ditatorial, finalmente conseguimos estabilizar nas instituições
políticas a correlação de forças presentes na sociedade e partidos dos mais
variados matizes viram a luz.
Partidos da direita então
representaram egressos do establishment da ditadura e alguns
partidos de esquerda foram fundados e outros ainda puderam sair nas ruas sem
ser ameaçados de morte, pretendendo dar voz, no sistema político, aos
interesses da maioria: as classes populares. Mais claramente lá nos 80, essa
pluralidade de interesses organizada politicamente fez com que os partidos
políticos estivessem mais ou menos vinculados a interesses de classes sociais
determinadas. Na medida em que os partidos se constituem enquanto meio para
disputar a condução do Estado, para que, através dele, interesses determinados
possam se realizar, eles são uma instituição e um símbolo da democracia. Por
isso, as manifestações recentes incomodaram, e ao que tudo indica incomodaram
mais ainda os partidos de esquerda, porque são eles que historicamente
representam as massas contra o establishment, representado pelos
partidos de direita.
Tenho visto alguns amigos e colegas
militantes de partidos de esquerda indignados com o repúdio aos partidos nas
manifestações. Para defender a presença dos partidos, alguns dentre eles têm
associado ao fascismo o repúdio aos partidos. Historicamente faz sentido,
afinal a primeira coisa que agrupamentos fascistas fizeram ao tomar o Estado
foi perseguir os partidos. Isso aconteceu em todo lugar onde houve ditadura
(Brasil, Chile, Argentina, Itália, Alemanha, França, etc.). Mas o que justificou
o repúdio que vimos no começo das manifestações me pareceu ser completamente
diferente do que finalmente vimos acontecer. Inicialmente, repudiou-se o
partido político pelo fato de que, na disputa pelo poder estatal, ele tem
concentrado o poder. Repudiou-se o partido em nome de mais democracia, por uma
descentralização do poder, não em nome de uma idéia
"unilateralizadora", como fizeram os fascistas ao longo da história
e, nos últimos dias de manifestação, fizeram nas passeatas em São Paulo agrupamentos
de direita e extrema-direita. Concordo com os meus colegas que uma manifestação
pública deve se abrir para todos, irrestritamente. O problema é que, para
muitos “a-partidários”, o partido se tornou a personificação da
democracia restrita que temos hoje. Para outros poucos, o problema é a própria
democracia, eles são “anti-partidários”.
Isso significa que boa parte do
repúdio aos partidos não era anti-democracia; significa que, para a juventude
que está aí, a política não está restrita ao sistema político, ela está no
transporte urbano, na qualidade de ensino das escolas, no preço do tomate, do
feijão, na divisão sexual dos papéis, na vida cotidiana. Como afirma o
sociólogo Ulrich Beck, essa política que surge fora do sistema político, que
não está dirigida para a conquista do poder estatal, é uma subpolítica
e seus atores se organizam em rede e se mobilizam por afinidades plurais, por
gostos e problemas específicos. Daí a diversidade de bandeiras e a ausência e
até mesmo a recusa de lideranças. Nesse cenário, o sistema político e o partido
perdem a primazia sobre o que é político: tudo tende a se tornar político, a
educação dos filhos, o que e onde se come ou deixa de comer, a carreira, casar
ou não casar, a divisão das tarefas domésticas, ir de carro, de
ônibus ou de bicicleta, ter mais parques na cidade, homeopatia ou alopatia
etc.; em suma, o estilo de vida se subpolitiza. Ou ainda: a política se
generaliza, atravessa os portões do sistema político. Como formula o mesmo
sociólogo, isso corresponde a uma democratização cultural da democracia.
A reação dos partidos de esquerda, ao
que por enquanto parece, foi desajeitada, mostrou que eles não entenderam o que
está acontecendo. Os de direita calaram-se. Ao invés de se preocupar em
defender o sistema partidário, que enquanto modelo de representação política só
me parece ter sido questionado por uma minoria de extrema direita, seria mais
construtivo e necessário que os partidos se esforçassem em descobrir o que está
errado no modo de funcionar do partido e do sistema de representação política e
forçar a imaginação para construir novos mecanismos de participação nas
decisões políticas, dentro do partido, na condução do governo e, sobretudo, no
legislativo. E isso nas três esferas de governo.
Os problemas do partido são grandes:
a morosidade e a territorialidade dos procedimentos para a tomada de decisão em
sua burocracia interna e no sistema político contrastam com a agilidade e
desterritorialidade da internet. O que significam protestos de brasileiros em
mais de vinte e cinco cidades pelo mundo? Considerando que também há conexões
com a primavera árabe, os occupy's, indignados, etc., me parece que a tendência
tanto criticada por alguns colegas de profissão desde os anos 1990, que aponta
para o surgimento de uma sociedade civil global, está pouco a pouco assumindo
ares mais palpáveis, mais concretos: uma espécie de rede comunicativa global,
que tende a não mais se restringir a organismos multilaterais nem ao mercado.
Ao que tudo indica, pouco a pouco toma forma uma “globalização vinda de baixo”,
que canaliza localmente movimentações globais e que, nesse sentido, vem
contracenar com a “globalização vinda de cima”, do mercado e da diplomacia.
Os partidos, de esquerda e de direita, têm de se adaptar a essas novas
condições de integração social. Agora é preciso mais reflexão. Como disse a
presidente em seu pronunciamento, de meu lado também espero que as três esferas
de governo consigam compreender e agir à altura do que está acontecendo:
consolidar uma agenda emergencial e positiva, que desengavete, sobretudo no
legislativo, projetos importantes para melhorar a saúde, a escola, o transporte
e ampliar a participação civil nas decisões políticas. Somente assim, me
parece, a distância que separa a agenda do sistema político da agenda
subpolítica da sociedade civil poderá ser combatida. Caso contrário, tendemos a
pagar, todos, um preço muito alto: a deslegitimação da democracia. Num sentido
prático, o apelo “partidos de todo mundo, uni-vos!” se refere à necessidade de
uma dupla abertura do partido: para dentro, deve ampliar os mecanismos de
participação direta de seus militantes nas decisões e a participação civil na
condução do governo e dos mandatos legislativos; e para fora, deve estabelecer
uma frente de diálogo sistemático com partidos estrangeiros, de modo que de
seus planos de governo locais e nacionais surja uma “cosmo-politização” capaz
de fazer face a problemas globais que demandam articulações trans-locais,
que vão da necessidade de regulação de um mercado global que incide localmente
às mudanças ambientais globais. Em suma, há uma pergunta de fundo aqui: já que
o impulso veio das ruas, não seria minimamente razoável o homem de partido
pensar que a reforma política deveria ser acompanhada de uma reforma dos partidos?
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