quarta-feira, 1 de maio de 2013

1º de maio ou 1º de abril? - Pedro Porfírio

BLOG DO PEDRO  PORFÍRIO



Um primeiro de maio com barba, cabelo e bigode de primeiro de abril. Com suas manhas e com  seu culto cínico à mentira.  Um feriado com shows e brindes para fazer a galera mergulhar no poço profundo das ilusões. O próprio faz de conta que expõe a forma mais sofisticada do peleguismo do Século XXI, numa agressão semântica ao significado de uma data que já foi de luta e hoje é de luto. Um luto paradoxalmente festejado com graças a Deus pelas proles espoliadas.

Nada mais deprimente.  Em plena era hegemonizada por um suposto partido dos trabalhadores, a classe operária vive a incerteza de um amanhã robótico, sujeitando-se a qualquer contrato que lhe assegure pelo menos o pão nosso de cada dia.

Tempos hediondos esses em que a fala mais ouvida é a da flexibilização das leis trabalhistas, a repetição ressonante do epitáfio da CLT, que hoje completa 70 anos, como se sua miniaturização fosse a panacéia da salvação da economia.  

Horas de trapaças em que os sindicatos operários se transformam em apanágios do conformismo e de um pragmatismo corrosivo, prestando-se muito mais ao gáudio dos seus dirigentes profissionalizados, quase sempre calados por prebendas, subvenções oficiais e outros quindins, além do imoral imposto sindical, que esfaqueia compulsoriamente o trabalhador em proveito de entidades a que ele não se filiou por  ter perdido a fé no seu falatório.

Pelos quatro cantos do Brasil consta-se que a classe trabalhadora perdeu o seu elã, entrou perigosamente para a sociedade do consumo compensatório, abandonou a visão matemática dos seus direitos e enveredou pelo caminho do cada um por si, do salve-se quem puder,  do antes pouco do que nada.

Sufocada a classe trabalhadora nas empresas privadas, onde não se ouve um grito, nem se sabe de um só esperneio, sob pena do olho da rua,  as vozes dissonantes ecoam tontas nos serviços públicos, onde o projeto do Estado mínimo se consolida no sucateamento da saúde, no esvaziamento da educação de qualidade e na sujeição dos órgãos monitores ao sagrado poder dos grupos econômicos incontroláveis.

Época de categorias em processo de extinção, como os bancários,  ou sob pressões desumanas, como os rodoviários, num ritual macabro de amputações sociais, na proporção inversa da engorda dos grandes banqueiros, donos incontestáveis do Brasil, e dos empresários  de ônibus, donos incontestáveis das nossas cidades.

Instante matreiro de subtração dos ganhos reais de forma tão acintosa que qualquer reivindicação operária deixou de pedir o resgate do serviço público e passou a incluir em sua pauta de negociações a adesão a esses ilusórios planos privados de saúde.

Era trágica da despolitização das massas perdidas, afetadas por todo tipo de alienação sistêmica, vulneráveis às máquinas de comunicação e aos mistificadores  que, em nome de Deus, oferecem graças mirabolantes com alto teor de idiotia.

Dias de tonalidades escuras, das políticas compensatórias manipuladoras, do prato de comida, das migalhas enfeitadas, dos programas sociais imobilizantes que reduzem a zero a dignidade do homem, extirpa-lhe a auto-estima e o transforma em gado manso, inapetente, sob efeito de uma alquimia perversa.

Momentos de uma massa acrítica, que aceitou terceirizar o raciocínio, parou de pensar, desistiu de questionar, aceitando-se como dependente crônica dos paliativos casuístas.

Situações grosseiras onde a classe política, que seduz trabalhadores desavisados, perdeu o recato, trocou a ideologia por bons negócios e  investiu no embuste, no marketing, no jogo de cena,  na vigarice e no uso da máquina pública no interesse único e exclusivo de suas ambições insaciáveis.

Ambiente obsceno que leva a cidadania ao colapso mental e apresenta gastos perdulários como conquistas nacionais, como essas farsas das copas de futebol, dos jogos olímpicos, que só beneficiam mesmo quem se farta em obras superfaturadas de utilidade efêmera,  criando meras ilusões tópicas, perecíveis, de nenhum proveito estrutural.

Atmosfera poluída de maus hábitos, em que políticos loquazes, detentores das franquias de esquerda, são pegos com a mão na massa, presos como achacadores e propineiros, julgados como corruptos e corruptores, num terrível golpe aos que deram suas vidas por uma sociedade justa, aos que consideram, como o presidente uruguaio José Mujica, que ideologia de esquerda, honestidade e austeridade são irmãs inseparáveis.

Falar em dia do trabalhador nestes anos de estelionato político hipertrofiado é agredir a história  e escarrar sobre as memórias de tantos mártires, como os trabalhadores que foram massacrados em Chicago naquele 1º de maio de 1886.

É reconhecer no sofrimento do sonho perdido que o sistema das elites vence de ponta a ponta e ainda se dá ao luxo de consolidar o regime da mais valia, da exploração do homem pelo homem,  pelas mãos de falsos esquerdistas e comunistas degenerados e apegados inescrupulosamente às  travessuras dos podres poderes.

É sentir nos cataclismos do caráter corroído a superposição de um típico 1º de abril sobre o desfigurado 1º de maio, hoje apenas um dia de folga a mais.



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