quinta-feira, 29 de agosto de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops Revista Diária - Agosto 29 -


 
 Drops Revista Diária - Agosto 29 -
 
Florianópolis

Paulo Timm – Torres, agosto 29 - copyleft

Poupo, hoje, meus leitores das minhas cansativas especulações sobre as mazelas do mundo. Saí de viagem, andei em Florianópolis, onde sempre me espanto com o desconhecimento quase total dos moradores da capital catarinense sobre o conjunto de fatos que envolveram a mudança do nome original como Ilha do Desterro, para o   atual. Mais ainda porque grande parte dos intelectuais progressistas, alguns velhos comunistas, está empenhada em mudar este nome, em virtude da crueldade dos fatos comandados pelo então Presidente Floriano Peixoto, a quem se deve a mudança do nome para Florianópolis, na repressão verificada naquele local em 1895. Digo-o porque, contrariamente ao que postulam os moradores da Ilha, o Governo Floriano, embora curto, foi um interregno de consolidação dos ideais republicanos. Pode ter se excedido na repressão aos rebeldes da Armada, os quais juntando-se aos maragatos de Silveira Martins e Gumercindo vindos do Rio Grande , onde se batiam em armas contra Julio de Castilhos , ameaçavam a estabilidade institucional, mas não foi nem um bárbaro, nem um temível carrasco. Mas isso será assunto de minha Coluna no próximo 15 de novembro.

 A ida a Florianópolis me proporcionou rever um velho companheiro da refundação do trabalhismo no Brasil, nos idos de 80 do século passado, sob a liderança do Brizola- João Bosco Vidal. A par do abraço pelo natalício, curtimos fotos da época, história vividas e, como somos, ambos apoetados, não poucos versos . Foi um dia cheio de alegres recordações, mesa farta e vinho abundante. Sobrevivemos. Aqui estou...Do evento trouxe um presente, que registro, de um de seus fortes poemas:
MAIÊUTICO
                                                 J.B. Vidal
Avejão helênico  devasso a Hélade anosa,
perscruto Héstia, atenso para copular cioso,

Tempestades de parêmias assolam a fleuma,
desértico , acuo na abóbada célica

incidências de ardis no Templo,
inerme ausência de Eros,

zeugmas pairam sobre pélagos,
imanes ofídios baletam virtuosos,
ça?

deuteragonista no drama litúrgico,
postergado por Zeus, exsolvido no Olimpo.

Zeus! Ares! Eros! Onde estais? Por que a indiferença?
novos Titãs fazem guerras de outra essência,
átomos divisisos  gases letais descem dos céus!
Hélade existe, também morrem os seus!
amada Héstia, socorra-me com  tuas virgens,
permita, por um instante, ser um deus!

Retorno exaurido desta viagem reminiscente,
Deixei-me levar como se de um fato fosse,
Ilusão de não estar onde estou e não me sinto,
morre em mim tudo que sonho, nada fica pra depois,
sentidos, pensamentos, escorrem pelas carnes,
resta o tédio, a vontade de não-ser e abandonar-me.

Mas aproveitei a viagem para ler um romance de John Steinbeck, Prêmio Nobel de Literatura de 1962, um dos meus preferidos autores desde que li “ À Leste do Éden”. A ele l volto sempre em busca de emoções. Desta vez li  o que muitos críticos consideram seu melhor romance: “A Rua das Ilusões Perdidas”,  de 1945 (Rio Gráfica, 1986). Nesta época Steieck glamourizava a  vagabundagem, enaltecendo  personagens que, à margem de uma sociedade já disciplinada pelo trabalho, preferem o embalo da vida morando em terrenos baldios, vivendo de bicos, sempre mergulhados na atmosfera suspeita do álcool. Neste livro conta as peripécias de quatro inesquecíveis malandros, com destaque para o mais mentiroso, mas também talentoso deles, ao qual o narrador credita a habilidade para ser um ditoso Presidente da República: Mack.  Deles retiro,  outro registro para esta tarde de letras, quando o bando vai, numa expedição “científica” ,  à caçada de rãs:
Durante milênio, as rãs e os homens tinham vivido no mesmo mundo. É provável que os hormens tenham caçado rãs desde o princípio dos tempos. Ao longo dos séculos, foi se desenvolvendo um padrão de caçada e defesa. O homem, com rede, flecha, lança ou arma de fogo, se aproxima da rã silenciosamente. Ou pelo menos é o que pensa. O padrão exige que a rã permanceça inteiramente imóvel, esperando. As regras do jogo  determinam que a rã aguarde até a última fração de segundo, uando a rede está descendo, a lança está no ar, o dedo aperta o gatilho. É nesse instante que a rã pula, cai na água, nada até o fundo e fica esperando que o homem se afaste. É assim que se faz, é assim que sempre foi feito. As rãs têm todo o direito de esperar que seja sempre feito assim. De vez em quando, a rede é por demais veloz, a lança penetra, a bala atinge  o alvo, a rã está liquidada. Mas tudo isso é justo, está dentro das regras do jogo. As rãs não guardam ressentimento. Mas como poderiam ter  imaginado o horror que se seguiu? O súbito acender de luzes , os gritos e guinchos de homens, pés correndo. Cada rã pulou , mergulhou na água, nadou freneticamente para o fundo. E no instante seguinte a fileira de homens entrou no açude, batendo os pés, agitando a água, avançando implacavelmente , inexoravelmente. Assustadas as rãs deixaram os seus plácidos lugares , nadaram para frente, procurando escapar dos pés implacáveis. Mas os pés continuaram a avançar. As rãs são boas nadadoras, mas não têm muita resistência. Foram se afastando pelo açude, até que finalmente ficaram agrupadas e amontoadas na extremidade. E os pés implacáveis, os corpos mergulhados, continuaram a persegui-las. Algumas rãs perderam a cabeça e se jogaram desesperadamente entre os pés; essas foram salvas. Mas a maioria decidiu deixar o açude para sempre, em busca de um novo lar, uma nova terra, em que coisas assim não acontecem. Uma onda de rãs frenéticas e frustradas, grandes e pequenas, marrons e verdes, machos e fêmeas, uma onda imensa, subiu pela margem, arrastando-se, pulando, tropeçando. Subiram pela relva, agarrando-se umas nas outras, as menores passando por cima das maiores. E então, o horror dos horrores, foram encontradas pelas lanternas. Dois homens começaram a recolhê-lhas como se fossem amoras. A fila de pés saiu da água e se aproximou pela retaguarda, fechando o cerco , amontoando as rãs como batatas. Às dezenas foram jogadas nos sacos de aniagem, que logo se encheram de rãs cansadas, assustadas, desiludidas, rãs pingando, se lamuriando. É claro que algumas escaparam e outras ficaram a salvo no açude. Mas nunca, na história das rãs, ocorrera tamanho holocausto .
E fico por aqui, aguardando, ansioso o fim do sempre temível agosto...

 

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