terça-feira, 20 de agosto de 2013

Quando a sede de cultura desperta pelo cinema

                                      
                            


         A cidade, a região e o Brasil sentem um vazio de cultura, por força da banalidade  que  transforma os meios de comunicação convencionais. Ligados aos interesses das classes dominantes, procuram esconder o país real dando ênfase diária às notícias de violência ou de espetáculos sem conteúdo. Uma forma de ocupar as mentes com o sensacionalismo vulgar, e deixá-las vazias da informação e da cultura que fariam o povo pensar. Os problemas sociais ficam abafados.  A  concentração injusta da renda e da riqueza não é exposta para a análise e apreciação da população pagadora dos impostos mais altos da América Latina, que sustentam os políticos mais caros e menos eficientes do mundo.

         Tanto se esconde e se espreme, que a verdade  sai entre os dedos.  Se ao povo é negado o meio de pensar, nada, porém, consegue evitar o sentir.  E quando o povo sente falta de salários suficientes para sobreviver, falta de serviços de saúde compatíveis com as necessidades, acaba descobrindo que falta educação, falta informação, falta cultura. 

         Nas carências surgem as interrogações. Por que tudo isto acontece?

         Na busca das explicações do que não se mostra nos meios de comunicação nem nas escolas, surge a criatividade, o desejo de criar-se alguma coisa, nem que seja a fantasia de se ter o que não tem.  O esforço de satisfazer a fantasia funciona como um brinquedo de criança, de onde surge a arte, a criatividade, filha da carência. Essa criatividade faz nascer o dramaturgo, o comediante, o cineasta. Esses vão mostrar no palco e na tela aquilo que desejariam ter ou ser.  Para satisfazer a criatividade precisam pensar, pesquisar, ordenar idéias que às vezes surgem aleatórias.  A representatividade dessas carências isoladas tem que formar um enredo, uma história, um desafio. 

         Se aos autores é necessário pensar, raciocinar, os expectadores também são levados a exercitar os neurônios, baseados em alguns fatos conhecidos para entenderem a linha de pensamento dos autores de cada peça desconhecida.  Esse conjunto de trabalhos mentais forma uma cultura, ou deriva de uma cultura.  Assim, as artes são necessárias à evolução de um povo.  Elas provocam o hábito de raciocinar que faz descobrir verdades que são omitidas.

         Pelo raciocínio, pela interpretação de uma narrativa, de uma história, não se sabe se algum expectador chegou à conclusão do que pretendia transmitir o autor de caca história.  Cada um vê por uma ótica o mesmo ato narrado.  Uns se identificam com um personagem, outros com personagem diferente, outros mais se prendem ao cenário, às possíveis mensagens subliminares e entendidas no texto.  

         Tudo isto que estamos  comentando tem o objetivo de compreender a razão da repercussão do 2º Festival de Cinema de Visconde do Rio Branco Geraldo Santos Pereira que nos parece ter sido a válvula de escape para as carências da população de Visconde do Rio Branco e do Brasil, nascido de um fato casual, que resultou em um evento de alcance nacional.  Parece-nos resultado da cultura que o povo deixou de ter e quer recuperar.  As histórias, comédias ou documentários sempre denunciam ou retratam situações que refletem a realidade social, as diferenças de classes, a maneira como os governantes tratam os governados, as carências diante dos privilégios, a injustiça dos impostos frente aos trabalhos prestados, a diferença do nível de vida de quem está no poder para quem trabalha para sustentar a máquina pública.

         Nós já tivemos o cinema, onde predominavam as histórias do bem contra o mal, do certo contra o errado. Era a expressão livre dos autores das histórias que, de certa maneira, tentavam educar o povo para o respeito às leis, na mensagem sutil de que “o crime não compensa”. 


         Veio a televisão.  A princípio ofereceria aos amantes do cinema o conforto de se distrair em casa.  Tirou o público das bilheterias.  Sem receita, as casas de culto à Sétima Arte perderam as condições de sobreviver. 

         O tempo mostrou que a televisão tirou o público do cinema, mas tirou do público o hábito de pensar. A banalidade das novelas passa a ilusão de que todos têm elevado nível de vida, sem desemprego, sem dívidas, sem pagar impostos e sem baixos salários.  Fora dos espaços dedicados às novelas, os noticiários dão ênfase às notícias de crimes que, de tanto ver, muitos expectadores se tornam criminosos.  As estatísticas comprovam que de cada cem crimes cometidos, menos de 10 são punidos.  Muitos criminosos se tornam ídolos, que passam a ser imitados.  Os noticiários são tendenciosos e defendem os interesses das classes privilegiadas. 

 
         Tudo isto diante  dos poderes legislativos onde os parlamentares legislam em causa própria e produzem leis que mais beneficiam criminosos, deixa o povo perplexo diante de direitos que não produzem justiça.

         Esses ingredientes juntos fazem o povo ter saudade daquele cinema de “artista contra bandido”; do cinema de história universal; de tantos filmes que valiam por um livro.

         Agora, nesse 2º Festival, o povo viu "O canto da Araponga", onde havia a luta pelo poder, onde os políticos tinham posições diferentes, mas não havia os escândalos de Mensalão, superfaturamento de obras, 39 ministros, privatização de empresas públicas e tudo isto que faz a juventude ir às ruas nessas manifestações de desencanto contra os governantes, por falta de perspectiva de futuro. 


         Viu  A onda da vida em que um jovem cineasta usa os amigos como atores para baratear a produção. E tenta mostrar que na busca de um desafio, chocam-se com padrões de moral muito diferente do centro de uma capital para o reduto de uma humilde comunidade de pescadores. 



         Legião Estrangeira veio como documentário. Baseia-se no depoimento de um rio-branquense que jovem incorporou-se a uma unidade militar francesa, composta de não franceses, com o fim de impor seu domínio nas colônias sem sacrificar os cidadãos franceses. 




         Timbuca é documentário de um personagem vivo, em atividade, mas lutando contra as agruras da vida para manter seu ideal de uma arte circense de gosto popular pelas touradas.  Há, no entanto, o mérito de tornar seus espetáculos diferentes das famosas touradas espanholas: os artistas do Timbuca trabalham com as mãos e não sacrificam seus animais.  É um avanço para o que disse  Mahatma Gandhi: “Sabemos a evolução de um povo pela maneira como tratam seus animais”.



          O Gari conta uma história muito explorada no cinema.  O terror de uma mulher “vítima” da paixão de um amigo que não era correspondido.  Ela teve que matar o Gari e a mulher dele.  Depois enterrou os corpos e foi convencida de que não tinha culpa, “porque não desejava matar e ninguém sabia dos corpos”. Não havia prova.
Há uma evidente denúncia do autor sobre a impunidade dos crimes no Brasil.


         O intruso é uma comédia.  Mas tem seu conteúdo de denúncia: em nossos dias temos que estar com as portas trancadas, mesmo se estivermos dentro de casa.



         Nas esquinas da vida revela a prostituição causada pela falta de estrutura familiar, ao mesmo tempo em que denuncia a violência impune das noites do país.


         Codinome beija-flor tem caráter científico e social.  É documentário que mostra o drama das vítimas de Aids, nas suas relações familiares e sociais. Serve de alerta para quem não foi afetado. E de apelo contra o preconceito que martiriza suas vítimas.



         Projeto Glória tem estilo de pura ficção e revela um elenco com características profissionais, tanto no desempenho dos atores e das atrizes, quanto nos efeitos especiais.



         Zé do pedal é documentário de um aventureiro do bem, que se entrega a uma causa nobre de chamar a atenção do mundo para problemas sociais.  É uma demonstração de aventura, coragem, desprendimento, altruísmo e desapego.  Pode ser comparado ao procedimento de um passarinho: se tem comida hoje, não se preocupa se terá amanhã.  Encara o caminhar pedalando para não se sabe aonde, como o canto dos pássaros.



         O lutador não é um filme.  É um clipe que deixa passar a interpretação de ser um grito dos moradores das favelas contra o preconceito social e a violência policial.

         Rebelião em Vila Rica da genialidade dos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira mostra a que ponto leva a arbitrariedade dos donos do poder, que provoca uma revolta generalizada de consequências imprevisíveis. Tem conteúdo histórico, político e social, na associação da Inconfidência Mineira, com o estado de exceção da década de 40 do Século XX.  E tem projeção profética com as manifestações de rua que explodiram em junho desde anos e ninguém sabe até onde vai. 


         Poderíamos dizer que o 2º Festival de Cinema de Visconde do Rio Branco Geraldo Santos Pereira veio, sem pretender, atender a um desejo do inconsciente coletivo.  O público sente falta desse tipo de espetáculo e das mensagens subliminares que ele transmite.  E com ele se identificou.  Não só em Visconde do Rio Branco. Mas em todo o Brasil. As carências que o FestCine preenche são gerais.  Os participantes desta cidade, de Ubá, Cataguases, Viçosa, Rio de Janeiro e Porto Alegre tornam-se testemunho desta realidade.  É uma questão nacional. 


         E por representar uma mensagem simbólica contra o quadro dominante, acontecimentos deste porte devem ter apoio de todas as camadas sociais e das instituições públicas.  Mas nunca devem ser dominados por essas instituições, para evitar a censura implícita.  Estes festivais e semelhantes têm que deixar livres os canais de expressão dos seus participantes.  A tutela dos organismos de poder tira a fluência natural do canal de expressão livre dos festivais populares.    

         Lembremo-nos sempre do Festival da Canção promovido pela TV Record em 1965, em plena Ditadura Militar, que revelou Chico Buarque, Caetano Veloso, Nara Leão, Elis Regina, Geraldo Vandré, Gilberto Gil.... e outros: 
“Caminhando e cantando e seguindo a canção...  somos todos iguais braços dados ou não..... Vem, vamos embora, que esperar não é saber... quem sabe faz a hora, não espera acontecer......”




(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
















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