terça-feira, 6 de agosto de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops - Revista diária paulotimm.com -06 ago - Sarney x Dutra



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ÉTICA, POLÍTICA E AS PESSOAS
 “Segundo I. Berlin¹, o grande impacto de Maquiavel, o permanente malestar que parece causar aos leitores e intérpretes, de sua época até os nossos dias, se deve à clareza com que formula um dos grandes conflitos característicos de nossa civilização híbrida. Herdeira simultaneamente dos valores éticos individuais do cristianismo e de uma tradição política greco-romana, a Europa moderna, desde a configuração dos Estados nacionais, se encontra dividida por um conflito de jurisdição em relação ao agir humano. Este deve se pautar, ao mesmo tempo, pelas exigências da moral cristã ao nível da consciência individual, e por imperativos de eficácia e responsabilidade no plano da ação coletiva, exigências essas que são difíceis, senão impossíveis de conciliar.”
Rejane Xavier – “  MAQUIAVEL: da ética política como ética da responsabilidade”
A notícia da hospitalização do ex-Presidente José Sarney no fim de semana coincidiu com a divulgação, durante  edição do movimento Diálogos pelo Maranhão, no município de Milagres do Maranhão, da saída do PT do histórico fundador deste Partido, o deputado federal Domingos Dutra (PT-MA).  A doença de Sarney revelou-se uma banal dengue, destes que assolam os mortais brasileiros pelo país inteiro. Já está praticamente restabelecido. O abandono do barco por Dutra, enseja, porém, uma discussão sobre os limites entre a Cidade dos Homens,  e a Cidade de Deus, nas quais abrigamos, respectivamente, nossas aspirações terrenas e esperanças de salvação da alma. A Terra e o céu. Sarney é um homem deste mundo. Dutra, do mundo dos sonhos.

Nesse ponto, as mais opostas concepções do mundo chocam-se umas com as outras, impondo-se escolher entre elas”(p.109). “Quem deseja a salvação da própria alma ou das almas alheias deve, portanto, evitar os caminhos da política que, por vocação, procura realizar tarefas muito diferentes, que não podem ser concretizadas sem violência....... Essa tensão pode, a qualquer momento, explodir em conflito insolúvel
(Max Weber cit .por Rejane Xavier – epígrafe)

Sarney é homem público de rara competência, no que isto se refere à arte de galgar e permanecer no Poder. Claro que além da capacidade pessoal para a longevidade política é preciso , também, ter sorte. Nenhum dos dois requisitos, sozinho, carrega o postulante a vida inteira. E sorte, Sarney tem...(Como aliás, outro predestinado, Lula, também)  Diz-se dele, que é o Imperador do Maranhão, onde iniciou sua carreira, antes de 1964, já, naquela época sendo nacionalmente conhecido como um dos Maestros da Banda de Música da UDN: um conjunto de jovens desta conservadora agremiação, que se opunha fortemente ao trabalhismo desde Vargas, mas que encontrava em estilos como Sarney pontos de convergência com o pensamento progressista em curso no início dos 60. Não se trata, aqui, de falar sobre a carreira de Sarney. Ela é sobejamente conhecida. Nem de seus traços pessoais, por todos considerados como de um verdadeiro gentleman: o protótipo do homem cordial brasileiro, se é que ele existe. Conheci-o, eu, pessoalmente, por acaso, graças a um velho amigo comum, Milton Gontijo, em Brasília, já depois que ele havia saído da Presidência – janeiro de 1990 – e , aparentemente, curtia amargo exílio no Pericumã, sua fazenda nos arredores de Brasília. A vitória de Collor em 1989 lhe fora mais desagradável do que a derrota do candidato do seu próprio Partido, o PMDB. Cogitava ele, então,  de ser candidato ao Senado pelo Amapá e, para minha surpresa, encantou-se com alguns artigos que escrevi sobre aquele Estado, onde havia trabalhado anos antes. Solicitado, ajudei-o a escrever sua plataforma e até o acompanhei, como consultor,  em algumas viagens na campanha. Nunca cobrei nem lhe pedi nada em troca.  Fi-lo por acreditar que sua presença no antigo território contribuiria para evitar o galope de oportunistas da pior espécie, como veio, aliás, a ocorrer em Roraima. Contribuiria, aliás, para a consolidação dos grupos de esquerda, tanto no PMDB como nos novos Partidos – PDT, PSB e PT , o que efetivamente ocorreu no Amapá. Desde então, porém, sempre que o encontrava nos corredores do Senado, onde eu havia trabalhado até 1989 e continuava freqüentando, me tratava com extrema cortesia. Soube, também, que me recomendara profissionalmente para vários Senadores. Tanto que um deles, eleito pelo nascente Tocantins, me nomeou como seu Assessor Técnico, à minha revelia. Jamais assumi.

.Sarney passou por muitos cargos, funções e Partidos. Equilibrou-se no Governo Goulart, antes de 64, tal como aliás, outra figura histórica – o ex-Senador Antonio Carlos Magalhães -, compôs-se com os militares durante os longos anos da ditadura – 1964 -1984 - , dissentiu do próprio Partido ARENA, que presidia, aliou-se a Tancredo Neves na arquitetura da Nova Republica, vindo a sucedê-lo, por fatalidade do destino no comando do país até 1990, quando contribuiu decisivamente para a consolidação democrática que culminou na Constituição de 88 – por ele convocada – e , para surpresa de muitos, aliou-se à esquerda na última década. Hoje, Sarney é peça importante da Governabilidade de Dilma. Todos reconhecem. Mais do que isto, a um passo de encerrar a carreira, consagra-se como um dos mais influentes políticos do país na preservação da estabilidade democrática. É o “ Condestável”, independentemente dos pecados que se lhe atribuam. E a confirmação de que a ética dos princípios, tão ao gosto da Cidade de Deus como habitat da alma eterna, raramente coincide com a ética de responsabilidade pública, que reina sobre a Cidade dos Homens. Sarney talvez seja o último exemplar desta “espécie” , que grassa nos Estados Modernos desde sepultamos na doutrina e prática da governabilidade os ensinamentos clássicos de Cícero e Santo Agostinho. Machiavel, Hobbes e Weber moldaram o estilo Sarney, que não é muito diferente do perfil de vários outros líderes políticos nos últimos 200 anos. Vide a biografia de Lincoln... A Modernidade, porém,  está exangue e exige novas reflexões para a administração da Política, que se expressam  de várias formas: as ruas, republicanas, democráticas e universais, a fala do Papa Francisco nas Praças do Rio e do Vaticano, e  atitudes, como as que registram o abandono do PT por líderes como Marina Silva, Heloisa Helena, Plinio Arruda Sampaio, dentre outros, e agora do deputado Domingos Dutra (PT-MA), que merece, também, um comentário. Antes porém, o registro do  artigo de hoje do Jornalista Leonardo Mota Neto – www.cartapolis.com.br - :

(...)
Criticado – e até mesmo espezinhado – pela mídia; rejeitado pelos parlamentares; estigmatizado como oligarca e chefe de clã, Sarney é o único, porém, com bagagem confiável para servir de mediador de tensões.
A presidente Dilma confia nele, o ouve e sente quando não pode estabelecer contato mais frequente com ele. Quando lhe informou de que sairia de licença médica por um bom período – era a época antecedente às manifestações de rua – Dilma apelou para que não fizesse, e a ajudasse a superar as dificuldades de diálogo com o Congresso, a começar por sua base.
Sarney entretanto licenciou e se insulou no Maranhão, solidário com a governadora Roseana, que se queixa amiúde de tratamento hostil por parte do governo federal.
Mas na primeira visão da extensão dos protestos, Dilma mandou um  avião da FAB buscar o senador. Ele veio e com os dois presidentes do Congresso foi ao palácio para uma sessão tensa de consultas.
Naquele momento, ele estava sendo consagrado como condestável da República, aparador de crises,conselheiro maior dos chefes dos poderes.
Agora que está internado no hospital, recuperando-se de uma crise pulmonar, a falta dele se agiganta. Chega ao ápice de sua influência pela ausência uma contradição que somente no Brasil concretizar.
Os apressados demais não escreverão a História. OK, Saney, você venceu.
(Leonardo Mota Neto – Editor Carta Polis  - PELA AUSÊNCIA 6, 20)))    
http://www.cartapolis.com.br/ok-sarney-voce-venceu-exerce-influencia-pela-ausencia/)

A saída de Domingos Dutra repete o gesto de vários outros fundadores e militantes do PT que não toleram a conversão do Partido à ética maquiavélica do Poder, que impôe alianças consideradas espúrias e quebra não só de princípios éticos, na luta pela sobrevivência de mandatos e do próprio Partido, hoje protagonista principal da cena política do país, mas de importantes pontos programáticos. Com efeito, o PT no Poder carrega na sua memória as grandes derrotas da esquerda latino-americana, a de 1964 , com Jango, e a de 1973, com Allende ambas provocadas pelo isolamento da classe média e de suas caras instituições, como o regime representativo e a mídia livre, para não falar do recente afastamento do Presidente Lugo no Paraguai. Hoje, no Palácio do Planalto, habitam pessoas que viveram pessoalmente este drama e não querem repeti-lo no Brasil, preferindo errar à direita, mas não cair, do que arriscar à esquerda, com o risco da instabilidade. Contribui também para isto o espírito dos tempos: Foi-se a Era das Revoluções, no ocaso da União Soviética, abrindo-se o das Rupturas Pactuadas, permitida, por sua vez, graças ao fim da Guerra Fria. O problema, entretanto, não é saber-se que “ tem que ser assim” , mas o de “ tanto assim tem que necessariamente ser”. Para muitos militantes do PT o Partido foi longe demais. Abandonou as ruas, congelou a luta de classes transferindo os conflitos para a esfera judiciária, conciliou  demais com interesses dominantes, particularmente na questão financeira, deslizou no campo ético e se confinou aos grandes líderes. A velha questão: Das massas ao Partido, do Partido à sua cúpula, da cúpula ao líder único. Hoje, a própria Presidente Dilma, temerariamente,  confessa: “- Lula não precisa voltar. Ele nunca saiu.” Ou seja, além das prescrições da inevitável Governabilidade de um capitalismo em crise, das alianças dentro um sistema político forjado no clientelismo <agora> urbano, o PT deve alinhar-se com os projetos pessoais de certas lideranças. No Maranhão, por exemplo, o relevo político de Sarney, independente de sua coloração, é infinitamente superior ao de históricos e leais companheiros como Manuel da Conceição e Domingos Dutra. E daí, claro, gera-se um clima insuportável a esses velhos combatentes das lutas sociais. E não suportam. Com lágrimas nos olhos e um profundo pesar , o deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), relembra sua trajetória  ao lado de outro líder rural ,  Manoel da Conceição, e declara:

“Eu estou saindo do PT daqui a dois meses. Me emociono muito com isso porque vou romper uma história de 33 anos, mas não posso ficar num partido dominado pelo Sarney. Por honestidade e identidade não posso ficar no partido que ajudei a construir vendendo camiseta, vendendo feijoada e andando a pé”, relembra.
Emocionado com a impossibilidade de permanecer no partido , Dutra relatou também a trajetória quer trilhou ao lado de Manoel da Conceição.
“A luta de Manoel da Conceição também não foi diferente. O único dos 03 fundadores do PT vivo, perdeu uma perna quando Sarney foi governador, foi exilado e com toda essa bagagem foi humilhado na reunião do diretório nacional”, relembrou. E concluiu, “sairei do PT para permanecer na luta por um Maranhão mais justo”.
“Com 57 anos de vida, vejo a necessidade de recomeçar do zero. É muito doloroso, mas não tenho condições de permanecer num partido que reza na cartilha do Sarney. Minha consciência não permite, já alcancei o meu limite”, finalizou

O confronto Sarney x Domingos Dutra ilustra um dos maiores dilemas do Brasil contemporâneo, pelo qual, talvez, as ruas estão transbordando em manifestações. A velha política, que bem ou mal conduziu este país de 1930 até hoje, passando por vários regimes, ideologias e líderes, baseada em metas precisas desde Vargas, como industrializar o país, combater “ o comunismo” (1964-84) , derrubar a ditadura militar e fazer a Constituinte, (1984-90) , acabar com a hiperinflação  (1994-2002) e melhorar a distribuição de renda (2002-2010) já não mobilizam. Hoje não há um claro objetivo no movimento de massas, o qual transcende, certamente, o confronto esquerda x direita. E tampouco há qualquer doutrina que o inspire. As mobilizações são inevitavelmente anárquicas, mais de desconforto com tudo o que existe em termos de gestão da vida pública, do que propositiva. Provam que o saber que historicamente as respaldou, hoje claudica. Simplesmente, já não sabemos o que queremos. E,  portanto, desconhecemos o preço a pagar em termos de escolhas políticas e éticas. Aí  ficamos como Medéia: - “No meio de tanto turbilhão, resta-me eu.” Ou como termina Rejane Xavier, seu ensaio sobre Ética e Maquiavel:
Se todos os homens são políticos, se “a conduta política é parte intrínseca da possibilidade de ser um ser humano em um determinado estágio da civilização” (Berlin, p.122), será adequado fazer corresponder à política uma ética que para ser praticada exige um heroísmo de que muito poucos são capazes?

Vá o feito!  Ponha-se-lhe como fábula em ato e em ata.Não há respostas fáceis. O tempo, implacável, este tecido invisível no qual se pode pintar qualquer coisa – um pássaro, uma flor, uma mulher, até o nada – nos dirá (M.Assis)...
Mais fácil é atender à singela placa de uma sorveteria de Buenos Aires:
" Quero sorvete com sabor da minha infância..."

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