segunda-feira, 12 de agosto de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops REVISTA DIÁRIA



 Clique para abrir - Drops REVISTA DIÁRIA 

COLUNA DO TIMM
Torres agosto 11/12 - copyleft

O advogado e o bacharelismo

No meu tempo de universitário, o dia 11 de agosto era sempre um dia festivo em Porto Alegre. Os colegas estudantes de direito – eu estudava Economia e Ciências Sociais na URGS – passavam o dia celebrando o DIA DO ADVOGADO e articulando onde iriam dar o golpe  da “ Pendura”. Os futuros advogados, curtindo uma tradição que provinha do Império, quando os comerciantes louvavam os advogados, iam aos melhores Restaurantes da cidade, comiam e bebiam à vontade e, então, saíam de fininho, sem pagar. Alegavam aos donos que esse era o “ Dia da Pendura” que celebrava o Ato do Imperador Dom Pedro I  de criar os dois primeiros dois Cursos de Direito, logo depois da Proclamação da Independência: O de Olinda e o de São Paulo. Enquanto os Cursos de Direito eram poucos e os tempos eram áureos para os bacharéis, o Dia da Pendura foi respeitado e os jovens celebrantes cortesmente dispensados. Com o crescimento dos cursos porém,  – hoje são mais de mil ! -  e a própria crise do bacharelismo no país, que depois dos anos 60 reinaugurou-se cada vez mais impessoal e moderno, a tradição foi desaparecendo. E quando os estudantes de Direito tentavam seu golpe, isso acabava sempre na Delegacia...

Falo em Advogados e Bacharelismo como se fossem quase sinônimos. Na verdade, são coisas distintas.

O Advogado, por certo é um Bacharel em Direito, cujo aparecimento se deu ainda na Grécia antiga, muito embora o Sistema Judiciário, como um Poder Autônomo, no qual pontifica o advogado seja uma instituição do Estado Moderno. Nas origens da civilização, a administração da Justiça era feita sempre, mesmo na presença de um contraditório ajudado pela presença de um advogado, pelo soberano. No caso de Roma, pelos Cônsules, Pró-Cônsules e até mesmo o Imperador. O exemplo mais conhecido popularmente é o do julgamento de Cristo por autoridades de Roma na Judeia ocupada: Poncio Pilatos e Herodes. Sabe-se hoje que a suposta transferência da decisão final aos supostos presentes – multidão de judeus -, teria sido mais um artifício dos evangelistas, de separação da cristandade do povo judeu, do que um rito típico da gestão da Justiça no Império Romano.  A expressão Advogado, aliás, vem do latim –  (ad=para junto, e vocatus=chamado) e significa exatamente isto: aquele que é chamado para ajudar um réu ou acusado)

No princípio o exercício da advocacia era uma honra e não podia ser remunerado. Porém, durante o reinado do imperador romano Cláudio, em 451 d.C., surgiram os "honorarium", ou seja, honorários, os tributos de honra. O senado passou a fiscalizar o exercício da profissão e, ao fim do século IV, surgia a Ordem dos Advogados.

A advocacia converteu-se em profissão organizada quando o imperador Justino constituiu, no século VI, a primeira ordem de advogados no império romano do oriente, obrigando o registro a quantos fossem advogar. Requisitos rigorosos foram impostos: ter aprovação em exame de jurisprudência, ter boa reputação, advogar sem falsidade e não abandonar a defesa, uma vez aceita.
(Rénan Kfuri Lopes, advogado in  O DIA DO ADVOGADO - UM POUCO DA HISTÓRIA )
            -http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20080808103224.pdf -

No Brasil os Cursos de Direito cresceram e se multiplicaram e a profissão foi gradualmente se institucionalinzando até se consagrar na Constituição Federal de 1988 que situou a Advocacia num elevado patamar, vindo o Estatuto do Advogado de 04 de abril de 1994 a lhe conferir todas as garantias e prerrogativas, com o objetivo ulterior de assegurar os direitos da cidadania à justa defesa de direitos.

Atualmente, a Constituição Federal de 1.988 alçou a advocacia ao patamar de “preceito constitucional”, preservando sua atividade estritamente privada, como prestadora de serviços de interesse coletivo, conferindo a seus atos múnus público, ex vio art. 133 da Carta Magna: "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Duarte Peres foi o primeiro advogado brasileiro.

Hoje a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB –, criada em 1930,  com origem no Instituto dos Advogados Brasileiros de 1843, é o instrumento de registro dos Bacharéis em Direito para o adequado exercício da Profissão e peça chave de sua valorização perante o Estado e a Sociedade.

Numa sociedade iletrada, como o Brasil Imperial, porém, o Advogado passou a se confundir mais como parte de Poder do que  peça social. Daí dizer-se que aqui o magistrado brasileiro não representa, ele julga. E é curioso que o Promotor de Justiça e o Ministério Público não sejam anunciados nos Tribunais como os Defensores do Povo, como nos Estados Unidos, mas confundidos com o Estado.
A própria autonomização do Poder Judiciário muito contribuiu para isto.   Senhor da palavra e da oratória, como requisitos da profissão, e do poder de  mediação entre a Sociedade e o Estado, a figura social do Bacharel em Direito relevou em importância política e deu origem a um fenômeno : o bacharelismo. Mas o  que é o bacharelismo? Eis o Aulete:
(ba.cha.re.lis.mo)
sm. - Aulete
1. Forma de falar muito e de modo pretensioso, cansativo e desinteressante; BACHARELICE; BACHARELADA
2. Bras. Valorização exagerada do bacharel, esp. o advogado, no meio sócio-político brasileiro: "...o bacharelismo que comandou a vida nacional, até quando o grupo veio a ser engordado pela tecnocracia..." (, Observatório da Imprensa, 11.02.02))
[F.: De bacharel + -ismo.]

Duas acepções, uma como um maneirismo no falar, outra no papel social do bacharel, ambas, na verdade articuladas de forma a se oferecer, na política nacional, como um equivalente do “bovarismo” nas artes, afetações que se traduzem pelos famosos “discursos de escadaria”, cuja caricatura acabaria se redistribuindo como um estilo do fazer político como o muito dizer e nada fazer, mas sempre impressionar.

Relevou no bacharelismo, também, o fato de que a primeira modernização do Brasil tenha se dado não através da Revolução Industrial mas de seu complemento periférico na forma dos Modelos Primário- Exportadores em vários pontos do globo, mormente o Brasil.  Ou seja, nesse contexto, o país não necessitou nem de engenheiros, nem de administradores ao longo de sua urbanização galopante, que acompanhou, entre os anos 1850 e 1930, a sofisticação urbana, comercial e institucional. Precisou de feitores na lavoura e mediadores na cidade, projetando aí o papel do advogado.

Não havia escolas públicas ou mesmo boas escolas no Brasil, no século XIX, quando os primeiros alunos, oriundos das classes altas, passaram a frequentar as faculdades de direito de Olinda ou de São Paulo, e não mais as classes da Universidade de Coimbra. Esses jovens, alfabetizados ou formados sabe-se lá como foram os primeiros juízes, advogados e burocratas que conformaram o Brasil independente, dos impérios à proclamação da república. A história não justifica, mas ajuda a entender como mecanismos arcaicos de apropriação do Estado fincaram raízes e se espalharam pelas instituições públicas. 

Muitos autores analisaram o fenômeno do bacharelismo no Brasil Dois autores, entretanto, merecem um registro na Sociologia do fenômeno. Nos idos de 1936 Sérgio Buarque de Holanda, no clássico Raízes do Brasil,  já nos falava da Praga  do Bacharelismo  e Gilberto Freire, em Sobrados e Mocambos, o identifica.

A questão do bacharelismo, entendida concretamente como forma de manifestação de poder no espaço organizacional brasileiro, pode ser vista tomando como base a análise histórico-sociológica do fenômeno, feita por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936) e também por Gilberto Freyre em Sobrados e mocambos (1936).

A leitura desses dois clássicos, sob a ótica do poder do bacharel em uma sociedade segregada, emergindo do rural para o urbano, permitiu entender o bacharelismo nos estudos organizacionais no Brasil como poder condicionado (GALBRAITH, apud CRUZ, Breno de Paula
Andrade; MARTINS, P. E. M. 2006, p. 02).

Nesse sentido, seus detentores possuem um capital social que legitima o exercício da autoridade e do poder perante aqueles desprovidos de distinções nobiliárquicas e/ou acadêmicas. Em Raízes do Brasil podemos correlacionar história e sociologia, num contexto nacional, de forma a problematizar questões referentes à colonização brasileira e sua influência na sociedade do século XIX.

Paralelo a essa análise, podemos buscar em Sobrados e Mocambos a interpretação acerca das questões referentes ao bacharelismo no Brasil, pois que é ali que encontramos a reflexão acerca da ascensão do portador desse título acadêmico, bem como do mulato na sociedade daquele século.

É por meio da leitura desses dois clássicos, que se pode começar uma análise sociológica do entendimento das relações intrínsecas de poder na organização política brasileira, uma vez que ambos auxiliam na compreensão da estrutura das relações políticas num país colonizado.

( Lucas de Freitas em ''O Bacharelismo no Brasil, a bacharelice no país: uma análise sócio-histórica'' )


Mais recentemente, Roberto Gomes, no opúsculo  “A Filosofia Tupiniquim” tira as consequências do bacharelismo para o modo de (não) pensar o Brasil: O homem levado a sério. Vale a pena ler...

Nenhum comentário:

Postar um comentário