sábado, 3 de agosto de 2013

Um propinoduto de alta plumagem - Pedro Porfírio - EXTRA

BLOG DO PEDRO  PORFÍRIO




Um propinoduto de alta plumagem

Tucanato é pego com a mão na massa numa constrangedora “delação premiada” que põe Alckmin mal na fita
Pelo que sei, nenhum esquema de roubalheira do dinheiro público reuniu tantas evidências e teve tanta longevidade como esse propinoduto cultivado por quase 20 anos pela fina flor do tucanato em São Paulo - no Metrô e na Companhia Paulista de Trens Urbanos - sobrevivendo impávido até mesmo a investigações no exterior a partir de 2008 e a 15 tentativas de apuração do Ministério Público estadual.


Somente agora, com o vazamento de um acordo de delação premiada firmado pela multinacional alemã Siemens com o CADE – órgão anti-truste do Ministério da Justiça – esse esquema foi golpeado, abrindo caminho para o pioneirismo na aplicação da nova Lei 12.846/13, sancionada no alvorecer deste agosto que muito promete pela presidente Dilma Rousseff, prevendo penas severas para empresas corruptoras.

Os mecanismos modernos do pagamento de propinas

Uma reportagem circunstanciada na revista ISTOÉ sintetiza com fôlego jornalístico a trama nada sutil apadrinhada por três governadores tucanos de São Paulo, seu feudo desde 1995, inevitavelmente beneficiários do esquema, segundo as práticas deletérias que transformam o ato de governar na deprimente fúria de meter a mão no cofre. 

“As provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao CADE são contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia.

Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar uma licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina.

Foi o que aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série 3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. 


De acordo com uma planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a denúncia. Para não 
deixar rastro da transação, os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM”.


Uma outra matéria, da FOLHA DE SÃO PAULO, revelou os termos das informações detalhadas oferecidas ao CADE pela Siemens em troca da sua impunidade.


“A multinacional alemã Siemens apresentou às autoridades brasileiras documentos nos quais afirma que o governo de São Paulo soube e deu aval à formação de um cartel para licitações de obras do metrô no Estado.


A negociação com representantes do Estado, segundo a Siemens, está registrada em diáriosapresentados pela empresa ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

No mês passado, a gigante da engenharia delatou ao órgão a existência de um cartel -- do qual fazia parte - para compra de equipamento ferroviário, além de construção e manutenção de linhas de trens e metrô em São Paulo e no Distrito Federal.

Em troca, a empresa assinou um acordo de leniência (delação premiada) que pode lhe garantir imunidade caso o cartel seja confirmado e punido.

A formação do cartel para a linha 5 do metrô de São Paulo, de acordo com a Siemens, se deu no ano de 2000, quando o Estado era governado pelo tucano Mário Covas, morto no ano seguinte (que Deus o tenha).

Segundo o Cade, o conluio se estendeu ao governo de seu sucessor, Geraldo Alckmin (2001-2006), e ao primeiro ano de José Serra, em 2007”.

Em 2011, o governador Alckmin barrou uma CPI na Assembléia Legislativa que pretendia apurar as denúncias de corrupção no metrô. Aliás, ao longo de todo esse mandarinato tucano, todas as tentativas de investigações parlamentares foram bloqueadas no Estado com o uso de rolos compressores que compunham a maioria comprada de deputados, prática comum em todo o país e em todas as esferas, o que torna a existência do poder legislativo uma caricatura onerosa  de quase ou nenhuma serventia.

Uma prática deletéria ampla, geral e irrestrita

Essas revelações de agora,  que já não podem mais ser abafadas ante a indignação expressa nas ruas por um povo que cansou de trapaças e mentiradas, desmoralizam  e inviabilizam governos que precisam mais do que policiais truculentos para escudarem sua autoridade.

No entanto, nada disso é novidade ou exclusividade desse ou daquele governo. Infelizmente, faz parte de uma cultura secular, que atravessou todos os regimes, inclusive a ditadura militar, que tornou a propina segredo de Estado e valeu-se da mordaça para blindar bilionárias negociatas numa época em que tomava dinheiro fora para grandes obras, multiplicando irresponsavelmente nova dívida externa.

A ditadura ainda pegou uma Brasília com 4 anos de idade e muitas obras em andamento. Foi na sua construção que o superfaturamento consolidou-se como “imperativo de desenvolvimento”, ganhando como elemento novo os artifícios de valorização de áreas compradas de véspera por “sócios” dos administradores.

Com o cartel a figura da “bola da vez”

Não é de hoje que denuncio a existência de cartéis entre empreiteiros e fornecedores. Aqui no Rio, criaram a figura da “bola da vez”, um pacto satânico em que uma certa associação escolhe quem vai ganhar a próxima obra já sabendo que terá que arcar com propinas em três momentos: quando ganha a concorrência, na fiscalização e na hora de receber os pagamentos. 

Povo nas ruas não vai dar trégua a Cabral e Alckmin
Há muitas variáveis das práticas corruptoras, envolvendo membros de todos os poderes.  Essa de contratação de consultorias de mentirinha para intermediar o fluxo das propinas é relativamente nova.

Em todos os casos consolidamos o patrimonialismo, a fusão entre interesses públicos e privados,  já  apontado por Raimundo Faoro em seu livro Os Donos do Poder, que aborda essa prática delinquente desde o Brasil colônia.


E cristalizamos também, desgraçadamente, a aceitação da corrupção como elemento inevitável que “tem seu lado positivo”, de onde cada um não é contra a corrupção, mas contra a corrupção dos outros. Se tiver oportunidade também cai dentro, esquecendo que um dia a casa cai.

Um comentário:

  1. Lamentavelmente, essa fusão entre o interesse público e o privado ganhou aceitação como "forma de governar". E acontece nas três esferas de poder: União, Estados e Municípios. Nos municípios menores essa fusão e confusão são mais perceptíveis, onde o público/privado acontece dentro de grupos familiares. Uns são os administradores eleitos, que contratam parentes para cargos de confiança, que contratam empresas particulares de outros parentes. É o nepotismo mais descarado no seio das oligarquias. Felizmente, sentimos um sopro de esperança de tudo isto mudar graças à rebeldia dos jovens revelada nas manifestações de junho. Essa geração deu o grito que toda a nação tinha engasgado na garganta. As regras de se chegar ao poder e de exercê-lo estão desmoralizadas. As transformações terão que vir. Não serão a curto prazo, porque há uma revolução cultural, não armada. E vai dpender de pressão popular continuada para alijar do poder os grupos viciados no estilo dominante. Mas terá de haver a mudança. Primeiro passo é o repúdio a essa classe política nas eleições de 2014. Os passos seguintes vão depender de tornar permanente a mobilização na construção das novas regras e dos perfis dos atores que deverão vir. Prenuncia-se uma Queda de Bastilha sem guilhotina, mas com expurgo dos assaltantes aos cofres públicos e à economia popular. O Gigante demorou a acordar. Mas despertou espontaneamente e não está sujeito a decepções com lideranças de ocasião. Em fim, podemos vislumbrar a luz no fim do túnel
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