quarta-feira, 19 de junho de 2013

Sayonara(QUARAÍ-RS) - EDUCAÇÃO - A CRÔNICA E O ESTILO HUMORÍSTICO DE LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO




A CRÔNICA E O ESTILO HUMORÍSTICO DE LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO


Continuação da Edição anterior:
3.1 A presença da ironia nas crônicas de Luís Fernando Veríssimo

Temas da atualidade são recorrentes nas crônicas de Veríssimo. Nelas são abordados o amor, a religião, a política e questões morais, assuntos que, segundo Mucke (1995), são áreas propícias para o desenvolvimento da ironia.
No texto Farsa, uma mulher aproveita uma viagem do marido até São Paulo para receber o amante em sua casa. Mas o marido não viaja e volta para casa. A mulher esconde o amante no lugar mais previsível possível, o armário. Esquece, contudo, de guardar seus sapatos, fato que vai desencadear a ironia no desenvolver da narrativa.
O casal de amantes, surpreendido pela chegada inesperada do marido, encara o fragrante de maneira irreverente, como mostra a frase da mulher – Céus, meu marido! O texto já exige um leitor-modelo, que, para Eco (1994), é aquele que tem competência para estabelecer uma ligação com o autor na compreensão do texto, capaz de entender o clima de ironia que o autor vai construindo ao utilizar uma expressão da linguagem religiosa (clamar aos céus) em uma situação bastante profana.
O texto mostra que os amantes preferiam que o recém-chegado fosse um ladrão e não o marido, revelando um cinismo ingênuo, mas jocoso, próprio do clima irônico.
A mulher sugere que o amante se esconda no armário. Ele recusa, mas, quando ela propõe a segunda opção, que seria debaixo da cama, ele aceita a primeira. Temos, então, a situação clássica do amante escondido no armário. Trata-se de uma situação que todo o leitor conhece e parece, em um primeiro olhar, que terá um final previsível. Veríssimo, contudo, empregando muito humor e ironia, consegue criar um final inusitado.
O marido, ouvindo vozes, pergunta com quem ela está conversando, e a mulher diz que é a televisão, que ambos sabem que não tem no quarto. A ironia aqui está exatamente nessa resposta. Tentando esconder os sapatos do amante, ela esconde os do marido. A ironia aparece agora na entonação enfática da mulher, que desorientada, começa a dar justificativas para a situação suspeita, mas vai sendo desmascarada pelo marido. Esse engano, leva-a a usar um jogo de contrários, de verdades e mentiras, que vão sendo atiradas para o marido, o que constitui uma das formas de se criar a ironia.
A mulher, para se defender, assume o posto de ironista, fazendo várias perguntas ao marido, que fica na posição de ironizado e tenta contradizê-la, pois, como comenta Brait (1996, p. 44): “A ironia só pode ser empregada quando a outra pessoa está preparada para escutar o oposto, de modo que não possa deixar de sentir uma inclinação a contradizer.”
A irreverência da mulher ganha uma atitude de ataque quando ela diz:
“ – Eu estava com outro homem aqui dentro quando você chegou. Ele pulou para dentro do armário e esqueceu os sapatos.”
Com essa resposta, ocorre uma “incongruência entre um acontecimento esperado e o que de fato sucede” (MACHLINE, 1986, p.16), fato que também constitui uma das maneiras de se criar a ironia.
Finalmente, o marido abre a porta do armário, e marido e amante se encaram. Nenhum dos dois diz nada. Depois de três ou quatro minutos o marido diz:
’Com licença’ e começou a pendurar sua roupa.”
O leitor sabe o contexto da situação, mas o marido não, o que caracteriza assim a ironia do destino, aquela que acontece com qualquer individuo vitimado por circunstâncias inoportunas.
O cronista, colocando o sapato, que seria o revelador do amante, como a única coisa que o marido reivindica, cria um final inesperado. Tal fato ao lado dos recursos estilísticos empregados transformam a narrativa de um acontecimento banal em um texto literário.
A crônica Sexa mostra que a ironia é uma maneira de pensar e ler o mundo. O autor constrói um diálogo simples, às vezes monossilábico entre pai e filho. Trata-se de um retrato da típica família universal, em que o pai sempre tem coisas mais importantes para fazer, e o filho é ansioso por atenção. O filho quer saber o feminino da palavra sexo. O pai quer dar uma resposta rápida, mas a criança não aceita. A construção da narrativa revela um humor leve, que se adapta bem à crônica.
A ironia vai acontecendo na tentativa do pai em explicar a diferença entre o feminino e o masculino das coisas. Invertendo conceitos da gramática, que são normalmente aceitos pelo leitor, o autor o cativa, para que acompanhe esse diálogo que fica cada vez mais confuso.
O jogo de palavras não mostra a intenção real do pai, confirmando aquilo que Kierkegaard (1991, p. 51) diz sobre o uso da ironia:

(...) é essencial ao irônico jamais enunciar a idéia como tal, mas apenas sugeri-la fugazmente, e tomar com uma das mãos o que é dado com a outra, e possuir a idéia como propriedade pessoal, a relação naturalmente se torna ainda excitante.

A construção final da crônica é uma epifania, uma expressão desestabilizadora. A ironia se estabelece entre o próprio título e a construção da narrativa, quando o pai conclui:
– Ele só pensa em gramática.
Como afirma Foucault, “a ironia precisa de ambos, o declarado e o não declarado, pois ela é uma forma do que se tem chamado de ‘polissemia’ – ‘esse não dito que é, contudo, dito” (FOUCAULT apud HUTCHEON, 2000, p. 94).
Essa crônica leve e até ingênua mostra que a ironia é o que torna o texto literário e não simplesmente uma anedota.
Na crônica Terrinha, temos um reencontro entre um homem e uma conterrânea. Ela assistiu a uma peça teatral que ele representou na terrinha e, deste então, é sua fã.
Ele saiu da terrinha e foi para a cidade grande. Para a sua admiradora, ele estaria vivendo como um grande ator, entretanto, agora não passa de um escriturário.

O reencontro possibilitou ao cronista a utilização de elipses, deixando o leitor completar o que o homem estava pensando. A arte das entrelinhas e das reticências é usada para dar um clima irônico ao texto.
Na construção da narrativa, há um contrastate entre a atitude alegre da admiradora, que não cansa de falar sobre os grandes acontecimentos ocorridos na terrinha, e o medo do pseudo-ator em ser descoberto:
Eu não vou dizer que sou escriturário e que esta é a minha hora de almoço. Ah, não vou.”
Esses fatos transmitem ao leitor a ambivalência do pensamento, que transita entre o trágico e o cômico. O tom irônico aparece nos momentos em que o rapaz concorda por conivência, com sua admiradora, que não quer ouvir, mas falar.
A cena é ridícula, mas o autor a descreve com humor, narrando as ações que despertaram na fã a sua devoção:

Aquela vez do piquenique no cemitério. A passeata pela revogação da lei da gravidade, responsável por tombos fatais. Minha mãe. Eu estou até sem respiração, é uma emoção muito grande. A mesa de vocês no bar do seu Pinto, sabe que não deixava ninguém sentar nela?

Sem saber como agir, o rapaz entra no jogo da fã.
“– Da Globo ?! Espera até eu contar isso lá na terrinha! Espera só. Eu sabia que vocês iam estraçalhar na cidade grande”.
A crônica mostra uma intenção irônica expressa pela verdadeira condição do rapaz na cidade grande e o que a fã pensa. O leitor precisa estar atento para compreender os sinais construídos pelo cronista, como comenta Ferraz (1987, p. 27) “(...) não podemos deixar de reconhecer que a força expressiva da ironia é tanto maior quanto mais os “sinais” da intenção irônica estiverem “escondidos”, o que equivale a dizer: quando mais (dis)simulada for essa intenção.”
A crônica Segurança retrata um aspecto da sociedade moderna, com que todo cidadão é obrigado a conviver, a violência.
A brincadeira, a ironia e o humor aparecem quando um condomínio tenta achar soluções para se defender dos assaltos sucessivos.
O narrador/autor ironiza o medo que ronda os lares e faz com que os condomínios no Brasil virem verdadeiras cadeias. A linguagem despretensiosa e cheia de ambigüidades traz uma crítica à sociedade e também à política econômica brasileira:
“O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança. Havia as belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de tudo, segurança”.
Quando a segurança é ressaltada, percebemos a ironia do cronista, revelando uma inversão de valores.O que anteriormente era prioridade (viver com conforto, beleza e vários espaços de lazer) passa a um segundo plano.
A irreverência do cronista mostra a situação ambígua de assaltantes e condôminos: os que deveriam ser livres estão presos, e vice-versa. Aqui, a ironia é construída no exagero.

Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaram-se para uma chamada área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema. Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local predeterminada pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos.

A crônica como fato jornalístico é evidenciada nesse texto, pois a todo momento verificamos nos jornais, escritos e televisivos, a situação de insegurança vivida pelos ricos condomínios espalhados pelo território nacional. O que antes era comum nos bairros humildes, em que a população contava apenas com o poder público, agora também é um problema da classe rica, que, mesmo com toda a segurança que o dinheiro pode dar, vive prisioneira.
O autor estabelece um misto de ironia e tragédia, em cada parágrafo, pois vai aumentando os itens de segurança até que ocorre a inversão:

Agora, a segurança é completa. Não tem havido mais assaltos. Ninguém precisa temer pelo patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada só conseguem espiar através do grande portão de ferro e talvez avistar um ou outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para a rua.
A situação irônica é mantida no final do texto quando o autor coloca outro item a ser priorizado, ou seja, aquele que tinha problema com a segurança, agora tem com a insegurança.
A essência do texto não está só na crítica social e política, mas aparece entre os fatos narrados e o leitor, que também vive essa realidade.

Leia na próxima Edição:
CONSIDERAÇÕES FINAIS


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