segunda-feira, 24 de junho de 2013

Sayonara(QUARAÍ-RS) - EDUCAÇÃO - A DIDÁTICA E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES






A DIDÁTICA E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES

Vera Maria Candau*


Todo processo de formação de educadores - especialistas e professores - inclui necessariamente componentes curriculares orientados para o tratamento sistemático do "que fazer"educativo, da prática pedagógica. Entre estes, a didática ocupa um lugar de destaque.

No entanto, a análise do papel da didática na formação de educadores tem suscitado uma discussão intensa. Exaltada ou negada, a didática, como reflexão sistemática e busca de alternativas para os problemas da prática pedagógica, está, certamente, no momento atual, colocada em questão.

De uma posição tranqüila, em que se dava por suposta a afirmação da importância da didática, seu papel passou a ser fortemente contestado. As principais acusações são de que seu conhecimento, quando não é inócuo, é prejudicial.

A acusação de inocuidade vem geralmente da parte de professores dos graus mais elevados de ensino, onde sempre vingou a suposição de que o domínio do conteúdo seria o bastante para fazer um bom professor (e talvez seja, na medida em que esses graus ainda se destinem a uma elite). A acusação de prejudicial vem de análises mais críticas das funções da educação, em que se responsabiliza a Didática pela alienação dos professores em relação ao significado de seu trabalho. (Salgado, 1982, p. 16)

No entanto, esta problemática só pode ser adequadamente compreendida ser for historicizada. Ela se dá num contexto concreto, em que o ensino de didática se foi configurando segundo umas características específicas que têm de ser analisadas em função do contexto educacional e político-social em que se situam.

É nesta perspectiva que tenta se colocar o presente trabalho, que pretende oferecer subsídios para o aprofundamento da compreensão da polêmica atual sobre o papel da didática na formação dos educadores e sugerir algumas pistas para a sua superação.

1.Um ponto de partida
A Multidimensionalidade do processo de ensino --- Aprendizagem

O objeto de estudo da didática é o processo de ensino-aprendizagem. Toda proposta didática está impregnada, implícita ou explicitamente, de uma concepção do processo de ensino-aprendizagem.

Parto da informação da multidimensionalidade deste processo: O que pretendo dizer? Que o processo de ensino-aprendizagem, para ser adequadamente compreendido, precisa ser analisado de tal modo que articulem consistentemente as dimensões humana, técnica e político-social.

Ensino-aprendizagem é um processo em que está sempre presente, de forma direta ou indireta, o relacionamento humano.

Para a abordagem humanista é a relação interpessoal o centro do processo. Esta abordagem leva a uma perspectiva eminentemente subjetiva, individualista e efetiva do processo de ensino-aprendizagem. Para esta perspectiva, mais do que um problema de técnica, a didática deve se centrar no processo de aquisição de atitudes tais como: calor, empatia, consideração positiva incondicional. A didática é então "privatizada". O crescimento pessoal, interpessoal e intragrupal é desvinculado das condições sócio-econômicas e políticas em que se dá; sua dimensão estrutural é, pelo menos, colocada entre parênteses.

Se a abordagem humanista é unilateral e reducionista, fazendo da dimensão humana o único centro configurador do processo de ensino-aprendizagem, no entanto, ela explicita a importância dessa dimensão. Certamente o componente afetivo está presente no processo de ensino-aprendizagem. Ele perpassa e impregna toda sua dinâmica e não pode ser ignorado.

Quanto à dimensão técnica, ela se refere ao processo de ensino-aprendizagem como ação intencional, sistemática, que procura organizar as condições que melhor propiciem a aprendizagem. Aspectos como objetivos instrucionais, seleção do conteúdo, estratégias de ensino, avaliação etc., constituem o seu núcleo de preocupações. Trata-se do aspecto considerado objetivo e racional do processo de ensino-aprendizagem.

No entanto, quando esta dimensão é dissociada das demais, tem-se o tecnicismo. A dimensão técnica é privilegiada, analisada de forma dissociada de suas raízes político-sociais e ideológicas, e vista como algo "neutro" e meramente instrumental. A questão do "fazer" da prática pedagógica é dissociada das perguntas sobre o "por que fazer" e o "para que fazer" e analisada de forma, muitas vezes, abstrata e não contextualizada.

Se o tecnicismo parte de uma visão unilateral do processo ensino-aprendizagem, que é configurado a partir exclusivamente da dimensão técnica, no entanto esta é sem dúvida um aspecto que não pode ser ignorado ou negado para uma adequada compreensão e mobilização do processo de ensino-aprendizagem. O domínio do conteúdo e a aquisição de habilidades básicas, assim como a busca de estratégias que viabilizem esta aprendizagem em cada situação concreta de ensino, constituem problemas fundamentais para toda proposta pedagógica. No entanto, a análise desta problemática somente adquire significado pleno quando é contextualizada e as variáveis processuais tratadas em íntima interação com as variáveis contextuais.

Se todo o processo de ensino-aprendizagem é "situado", a dimensão político-social lhe é inerente. Ele acontece sempre numa cultura específica, trata com pessoas concretas que têm uma posição de classe definida na organização social em que vivem. Os condicionamentos que advêm desse fato incidem sobre processo de ensino-aprendizagem. A dimensão político-social não é um aspecto do processo de ensino-aprendizagem. Ela impregna toda a prática pedagógica que, querendo ou não (não se trata de uma decisão voluntarista), possui em si uma dimensão político-social.

No entanto, a afirmação da dimensão política da educação em geral, e da prática pedagógica em especial, tem sido acompanhada entre nós, não somente da crítica ao reducionismo humanista ou tecnicista, frutos em última análise de uma visão liberal e modernizadora da educação, mas tem chegado mesmo à negação dessas dimensões do processo de ensino-aprendizagem.

De fato, o difícil é superar uma visão reducionista, dissociada ou justaposta da relação entre as diferentes dimensões, e partir para uma perspectiva em que a articulação entre elas é o centro configurador da concepção do processo de ensino-aprendizagem. Nesta perspectiva de uma multidimensionalidade que articula organicamente as diferentes dimensões do processo de ensino-aprendizagem é que propomos que a didática se situe.


Leia na próxima Edição>

2. Ensinando Didática

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