terça-feira, 25 de junho de 2013

Sayonara(QUARAÍ-RS) - EDUCAÇÃO - A DIDÁTICA E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES




A DIDÁTICA E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES

Continuação da Edição anterior:


2. Ensinando Didática
Não pretendo fazer a história da didática ou do ensino de didática no Brasil. Considero que esta é uma tarefa importante e urgente. O que pretendo é partir da minha experiência pessoal como professora de didática desde 1963, e situar esta experiência na evolução político-social e educacional do país. Procurarei realizar uma análise crítica da evolução do ensino de didática da década de 60 até hoje.
2.1. 1º MOMENTO:

A AFIRMAÇÃO DO TÉCNICO E O SILENCIAR DO POLÍTICO: O PRESSUPOSTO DA NEUTRALIDADE
Cursei a Licenciatura em Pedagogia na PUC/RJ de 1959 a 1962 e, no ano seguinte, comecei a lecionar Didática nesta mesma Universidade. O núcleo inspirador dos meus primeiros anos de professora de Didática foi certamente minha própria experiência como aluna de Didática. Qual a temática privilegiada? Sem dúvida era a crítica à chamada didática tradicional e a afirmação da perspectiva escolanovista. Ao mesmo tempo, o Colégio de Aplicação da PUC/RJ promovia uma experiência de educação personalizada em que se enfatizava a associação entre Montessori e Lubienska e a utilização de técnicas inspiradas no Plano Dalton. Esta escola oferecia campo privilegiado de estágio para os licenciandos que observavam os princípios básicos da Escola Nova.

Nos últimos anos da década de 50 e nos primeiros da de 60, o país passa por um período de grande efervescência político-social e educacional. O debate em torno da Lei de Diretrizes e Bases mobiliza a área educacional. Se enfrentam diferentes posições mas a matriz liberal predomina.

Neste contexto, a didática faz o discurso escolanovista. O problema está em superar a escola tradicional, em reformar internamente a escola. Afirma-se a necessidade de partir dos interesses espontâneos e naturais da criança; os princípios de atividade, de individualização, de liberdade, estão na base de toda proposta didática; parte-se da importância da psicologia evolutiva e da aprendizagem como fundamento da didática: trata-se de uma didática de base psicológica; afirma-se a necessidade de "aprender fazendo" e de "aprender a aprender"; enfatiza-se a atenção às diferenças individuais; estudam-se métodos e técnicas como: "centros de interesse", estudo dirigido, unidades didáticas, método de projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de ensino etc.; promovem-se visitas às "escolas experimentais", seja no âmbito do ensino estatal ou privado.

Soares (81), referindo-se aos primeiros anos da década de 50, identifica este mesmo predomínio da perspectiva escolanovista no ensino de Didática:

A proposta da Escola Nova - ideológica, que era, como toda e qualquer proposta pedagógica - apresentava-se a mim, e a quase todos os educadores, àquela época, como um conjunto lógico e coerente de idéias e valores, capaz não só de explicar a prática pedagógica como também, e sobretudo, de regulá-la, fornecendo regras e normas para que ela se desenvolvesse de forma 'científica' e 'justa'. De um lado, a teoria sociológica de Durkheim fundamentava a concepção de educação como socialização do indivíduo, de outro lado, a psicologia experimental conferia racionalidade e objetividade à prática pedagógica. (p. 31- 32)
O livro-texto mais amplamente adotado neste período é o Sumário de Didática Geral (57) de Luiz Alves de Mattos. Este livro foi apontado em pesquisa realizada em 1978 entre os professores de Didática de Belo Horizonte, entre as 13 publicações mais representativas do conteúdo da didática (Oliveira, 80). Segundo Soares (81), uma análise de conteúdo ideológico deste texto "desvendaria a ideologia liberal-pragmatista, os princípios da Escola Nova e o mito da neutralidade dos métodos e técnicas de ensino que informam, sem que sejam explicitados, a Didática proposta pelo autor" (p. 34).
Segundo Saviani (80) o movimento escolanovista se baseia na tendência do "humanismo moderno" e esta predominou na educação brasileira de 1945 a 1960 e o período 1960 a 1968 se caracteriza pela crise desta tendência e pela articulação da tendência tecnicista
Nesta etapa, o ensino da didática assume certamente uma perspectiva idealista e centrada na dimensão técnica do processo de ensino-aprendizagem. É idealista porque a análise da prática pedagógica concreta da maioria das escolas não é objeto de reflexão. Considerada "tradicional", ela é justificada pela "ignorância" dos professores que, uma vez conhecedores dos princípios e técnicas escolanovistas, a transformariam. Para reforçar esta tese, experiências pedagógicas que representam exceções dentro do sistema e que, mesmo quando realizadas no sistema oficial de ensino, se dão em circunstâncias excepcionais, são observadas e analisadas. Os condicionamentos sócio-econômicos e estruturais da educação não são levados em consideração. A prática pedagógica depende exclusivamente da " vontade" e do "conhecimento" dos professores que, uma vez dominando os métodos e técnicas desenvolvidos pelas diferentes experiências escolanovistas, poderão aplica-los às diferentes realidades em que se encontram. A base científica desta perspectiva se apóia fundamentalmente na psicologia.
No período de 1966 a 1969 me ausentei do país para realizar um curso de pós-graduação no exterior. Ao propor-me elaborar um trabalho sobre tema de atualidade na área da didática, o assunto escolhido não poderia ser outro: Ensino programado.
Desde o início dos anos 60 o desenvolvimento da Tecnologia Educacional e, concretamente, do Ensino Programado, vinha exercendo forte impacto na área da Didática. De uma concepção da tecnologia educacional que enfatiza os meios, conceito centrado no meio, e, conseqüentemente, os recursos tecnológicos, se passava a uma visão da tecnologia educacional como processo. De fato esta concepção partia da conjugação da psicologia behaviorista, da teoria da comunicação e do enfoque sistêmico e se propunha desenvolver uma forma sistemática de planejar o processo de ensino-aprendizagem, baseando-se em conhecimentos científicos e visando a sua produtividade, isto é, o alcance dos objetivos propostos de forma eficiente e eficaz.
Volto ao Brasil em 1969. Instalada a revolução de 1964 e passado o período de transição pós-64, é retomada a expansão econômica e o desenvolvimento industrial. O modelo político reforça o controle, a repressão e o autoritarismo. A educação é vinculada à Segurança Nacional. Enfatiza-se seu papel de fato de desenvolvimento e são propostas medidas para adequá-la ao novo modelo econômico.
E a Didática? Assim como no momento anterior as palavras força eram: atividade, individualidade, liberdade, experimentação, agora se enfatiza a produtividade, eficiência, racionalização, operacionalização e controle. A visão "industrial" penetra o campo educacional, e a Didática é concebida como estratégia para o alcance dos "produtos" previstos para o processo de ensino-aprendizagem. Agora, mais do que confrontar a Didática tradicional e a Didática renovada, o centro nuclear do curso é o confronto entre o enfoque sistêmico e o não-sistêmico da Didática. Se um enfatiza objetivos gerais, formulados de forma vaga, o outro enfatiza objetivos específicos e operacionais. Se um enfatiza o processo, o outro o produto. Se um parte de um enfoque da avaliação baseada na "norma", o outro enfatiza a avaliação baseada em "critérios. Se no primeiro o tempo é fixo, o segundo tende a trabalhar a variável tempo. Se um enfatiza a utilização dos mesmos procedimentos e materiais por todos os alunos, o outro faz variar os procedimentos e materiais segundo os indivíduos. E assim por diante...
Nesta perspectiva, a formulação dos objetivos instrucionais, as diferentes taxionomias, a construção dos instrumentos de avaliação, as diferentes técnicas e recursos didáticos, constituem o conteúdo básico dos cursos de Didática. Modelos sistêmicos são estudados, habilidades de ensino são treinadas e são analisadas metodologias tais como: ensino programado, plano Keller, aprendizagem para o domínio, módulos de ensino etc.
Entre as publicações indicadas pela pesquisa de Oliveira (80) como mais representativas do conteúdo atual da Didática segundo os professores de Didática de Belo Horizonte, o predomínio da tecnologia Educacional é, sem dúvida, evidente.
Neste enfoque a acentuação da dimensão técnica do processo de ensino-aprendizagem é ainda mais enfatizada do que na abordagem escolanovista. Nesta, pelo menos em algumas de suas expressões, a dimensão humana é salientada e a relação professor-aluno é repensada em bases igualitárias e mais próximas, do ponto de vista afetivo.
Na perspectiva da tecnologia educacional a Didática se centra na organização das condições, no planejamento do ambiente, na elaboração dos materiais instrucionais. A objetividade e racionalidade do processo são enfatizadas.
Mas, se estas duas abordagens se diferenciam, elas partem de um pressuposto comum: "o silenciar da dimensão política". E este silêncio se assenta na afirmação da neutralidade do técnico, isto é, na preocupação com os meios desvinculado-os dos fins a que servem, do contexto em que foram gerados. Significa ver a prática pedagógica exclusivamente em função das variáveis internas do processo de ensino-aprendizagem, sem articulação com o contexto social em que esta prática se dá. Neste sentido, a Didática não tem como ponto de referência os problemas reais da prática pedagógica quotidiana, aqueles que enfrentam os professores de 1º e 2º graus, tais como: precárias condições econômicas das escolas e dos alunos, classes superlotadas, taxas significativas de evasão e repetência, conteúdos inadequados, condições de trabalho aviltantes, etc. Como a Didática não fornece elementos significativos para análise da prática pedagógica real e o que ela propõe não tem nada que ver com a experiência do professor, este tende a considerá-la um ritual vazio que, quando muito, pertence ao mundo dos "sonhos", das idealizações que não contribuem senão para reforçar uma atitude de negação da prática real que não oferece as condições que tornariam possível a perspectiva didática proposta. A desvinculação entre a teoria e a prática pedagógica reforça o formalismo didático: os planos são elaborados segundo as normas previstas pelos cânones didáticos; quando muito o discurso dos professores é afetado, mas a prática pedagógica permanece intocada.

Leia na próxma Edição:>
2.2. 2º MOMENTO:



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