quarta-feira, 11 de setembro de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops Revista Diária set 11 - MEMORIAS DO CHILE





 Drops Revista Diária set 11 - MEMORIAS DO CHILE




REMEMORANDO O CHILE

Paulo Timm – Torres set 11 - copyleft

Há muitos 11 de setembro. Para os americanos, a data será sempre referida ao atentado que derrubou as Torres Gêmeas em N.York. Para nós, latino-americanos,  há também pranto, mas pelo que ocorreu no Chile em 1973. Haverá, por certo, outros mais. O tempo não pára, nem a palavra corta. Para mim, entretanto, cada vez que a data se repete, se renovam as memórias do tempo vivido no Chile e a brutalidade do Golpe que derrubou o Presidente Allende. Já não tenho muito a dizer de novo sobre aqueles memoráveis anos Releio, apenas, as crônicas que já escrevi e me comovo às lágrimas. E as transcrevo, no que têm de permanente.

No início da década de 70,  o regime militar se estabilizava no Brasil, tanto por causa da repressão desatada pelo AI , em 13 de dezembro de 1968, como pelos inesperados  êxitos econômicos. A resistência armada, eufórica num primeiro momento, ia se desmantelando e jogando seus quadros sobreviventes na prisão e no exílio. Eu havia recém me formado e amanheci a década em Santiago do Chile, onde via  aumentar, dia a dia o número de exilados brasileiros, que teriam chegado a 10 mil entre 1970 e 73. De uma maneira geral, pode-se dizer que encontrávamos todos,  naquele país, um período de grande entusiasmo, marcado pela vitória da Unidade Popular, Governo de esquerda, liderado pelo Presidente Salvador Allende, do Partido Socialista. Imediatamente, todos se regozijavam com os primeiros indicadores de desempenho da economia, divulgados pelo Ministro Pedro Vuskovic e  que alimentavam melhor  aceitação do  Governo. Com o tempo, porém, a crise foi se instalando,   exigindo intensa mobilização de toda a comunidade exilada nos trabalhos voluntários, de forma a compensar a boicote de setores empresariais que esvaziavam as prateleiras em todo o país. Em 73, até o dia 11 de setembro, cresceram as grandes apreensões, que desembocariam no terror.

“Em 1973, a inflação chegou a cifras de 381,1%, os produtos básicos de consumo desapareceram das prateleiras, o desemprego crescia assustadoramente e a produção e o valor da moeda de então, o Escudo Chileno, em proporção inversa, caíam de forma vertiginosa.”
                                              (wiki)

Os brasileiros, mergulhados na vida cotidiana do Chile, iam aprendendo melhor a língua, os costumes, as variantes culturais e, sobretudo, a especificidade da via chilena. Alguns casamentos. Todo o começo é sempre difícil. E foi muito difícil entender aquela obstinação que tinham os chilenos com a estabilidade institucional do país. Ela fora convertida em mito pela esquerda chilena. Ela confiava pia e sagradamente que a profissionalização de suas forças armadas, há 40 anos distante de qualquer intervenção, jamais seria capaz de fazer o que fizeram em outros países do continente. A via chilena, enfim, era um dogma, que o Presidente Allende, levou, coerentemente, às últimas conseqüências.  Apenas um pequeno mas atuante grupo, à esquerda da Unidade Popular, o MOVIMIENTO DE IZQUIERDA REVOLUCIONÁRIA – MIR-  , contestava o mito da via pacífica para o socialismo. Tratava-se de um grupo  altamente consciente da gravidade da situação política, que via se deteriorar vorazmente ao longo de 1973, diante de greves nos transportes e “acaparamientos”. (Esta era uma técnica dos empresários   que consistia na retirada de produtos básicos das prateleiras_. Mas poucos lhes davam ouvidos. A “via chilena” se consagrara acima de qualquer questionamento. Insólita, como a qualificou Fidel Castro, em visita – incômoda- ao país. Mas imperativa.

Toda esta trajetória da Paixão e Morte da Via Chilena, não foi apenas vivenciada pelos brasileiros que lá estavam. Hoje ela está fartamente avaliada em diversos livros e Teses acadêmicas, como, por exemplo,  “ Salvador Allende e o mito da estabilidade chilena”, de Ana Cristina Augusto de Souza -http://www.revistaintellector.cenegri.org.br/ed2007-06/anacristina-2007.pdf , na qual se pode encontrar farta indicação bibliográfica. Naquela época, porém, cada grupo que lá vivia, avaliava a situação  segundo sua ótica política própria.

A “aristocracia” exilada, mais antiga e acomodada nos órgãos internacionais sediados em Santiago ou na Universidade, quando não no próprio Governo, como Conceição Tavares, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, pactuou firmemente com o mito da estabilidade. Todos eles tiveram um papel importantíssimo na colônia pela crítica ao regime militar no Brasil e apoio à “Caixinha”. Creio que um dos últimos responsáveis por ela, aliás,  foi o nosso saudoso conterrâneo Paulo Renato,  funcionário da OIT, cuja temperança política não fazia par com o destemor e espírito de solidariedade que demonstrou nos dias cruciais do Golpe. Muitos lhe devem a vida. Eu lhe devo a fidalguia de ter acompanhado minha segunda esposa, chilena, acusada pelo ex-marido como terrorista e seqüestradora de uma filha, a um Tribunal.

Outros segmentos de brasileiros acomodavam-se em seus respectivos grupos políticos. E com a quantidade de gente que já lá estava em 1973, era impossível fazer qualquer classificação. Uma coisa, porém, é certo: Tiramos lições.

A primeira lição que aprendemos no Chile foi sobre a importância da democracia. A esquerda brasileira vinha de uma formação estalinista, propensa a descartar qualquer importância às Instituições e ao Estado, tomados como burgueses. Mesmo com as tensões da Via Chilena e seu posterior fracasso, começamos a dar um valor crescente à construção da democracia como um valor universal. E ao Estado como instrumento social. Pouco depois, Carlos Nelson Coutinho nos brindaria com um artigo, no Brasil, com este título e que inauguraria o arejamento da esquerda com o contributo gramsciano da  importância da hegemonia e não apenas do assalto ao  Poder na  conquista do socialismo.

 Outra lição importante, para todos nós, foi a compreensão das alianças, corolário do anterior, na montagem de estratégias de Poder. Pudemos perceber, na experiência chilena, que numa sociedade moderna, a classe média e suas representações políticas têm um papel importantíssimo, que pode ou não viabilizar estratégias de mudança. Digo até, que essa foi uma lição decisiva para pensadores  marxistas ortodoxos, como Emir Sader e Marco Aurélio, na montagem de estratégias de governabilidade do Governo do PT no Brasil, a partir de 2004.

Decisivo foi também o entendimento de uma dialética interna da esquerda, quando,  dentro e fora de um Governo, há fronteiras a serem respeitadas. Muitos até debitam o enfraquecimento de Allende às divergências internas da UNIDADE POPULAR ou à existência de uma ultra-esquerda, o MIR, que lhe teria solapado o vigor ideológico. Ledo engano! As divergências internas foram extremamente salutares ao  regime e o MIR, conquanto de extrema esquerda, e fora do Governo, jamais abriu baterias contra a pessoa do Presidente Allende. Pelo contrário, conta-se que a Guarda Pessoal de Allende era feita por militantes do MIR. Nada parecido com o que hoje presenciamos na cena brasileira, na qual, a cada defecção escorre um filamento de ódios incontidos.

Um último registro daqueles tempos idos e vividos no Chile: Eles  realimentaram a esquerda brasileira de um elemento decisivo na sua decantação humana, a solidariedade. Talvez até pela necessidade. Mas foi um fato, talvez já extraviado.   As portas se abriam a cada um que chegava, amizades se fortaleciam no apoio a pessoas que deixavam para trás família, maridos ou pais presos, empregos, estabilidade. Refinava-se o ingrediente básico de uma visão de mundo mais fraterna, curiosamente destacado sempre pelo próprio Allende, ao  frisar, incansavelmente,  que tudo deveria começar no coração de cada chileno. Tenho o orgulho de ter, nesse processo, aberto não só nossa casa a muitos camaradas, maioria gaúchos exilados, com os quais me reaproximei (não tanto em obediência a fórmulas doutrinárias de socialismo, mas ao reconhecimento de valores humanos como caráter, coragem , determinação e amizade) , como meu espírito para novos desafios que viria a enfrentar .
No dia 11 de setembro de 1973, tudo acabou. No comando dos acontecimentos, a velha potencia imperial, os Estados Unidos.

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