segunda-feira, 2 de setembro de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops setembro 01 - PARA QUE SERVE O ITAMARATY?


 Drops setembro 01 - PARA QUE SERVE O ITAMARATY?

CRISE NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS? Ou na “bem assombrada” Casa de Rio Branco – ver bela crônica, abaixo, do Emb. Marcos Azambuja)

Paulo Timm – setembro 02 – copyleft

Professor UnB(ap.) – Professor Economia Instituto R.Branco –MRE 1977-8

                                                                  *

Uma das características das nações continentais é a tendência a se considerarem o centro do mundo. O resto do mundo é simplesmente “o resto”. E as relações internacionais tendem a ser desprezadas. A antiga China cunhou esta concepção na escrita do próprio nome do país: um retângulo, representando o mundo, atravessado por um traço, expressando o centro deste mundo, isto é, a China. O Império Romano, que se estendia da Europa Ocidental ao Oriente, com uma população global em torno de 60 milhões de pessoas, se resumia a isto: Roma.  Os Estados Unidos também geraram um entendimento georeferenciado de si mesmo. Um  ordinary americano, com nível médio, não tem, normalmente, nenhuma idéia do mundo. Não sou eu que o digo, mas um respeitado escritor americano, Richard Morse, em “ O Espelho de Próspero”, para quem, isto também é fruto de uma herança cultural pouco universalista. O Brasil, pródigo em extensão, recursos naturais e população não é diferente. Política Externa é assunto de especialistas e estes, por muitas décadas foram os diplomatas formados pelo Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores, normalmente confundido com o Palácio do Itamaraty, que abrigou este órgão no Rio de Janeiro. Hoje este cenário mudou muito. Há inúmeros cursos de nível superior nas áreas de Relações Internacionais, Comércio Exterior e vários cursos de Pós Graduação tanto nestes campos, como em Geopolítica e Estratégia. Não obstante, o assunto ainda é pouco atrativo à grande parte da opinião pública e mesmo leitores mais vorazes. Mas, nos dias que correm, diversos problemas internacionais no atropelam no cotidiano, alguns afetando diretamente o Brasil, tais como a espionagem  indiscriminada dos Estados Unidos sobre a rede da INTERNET, divulgada pelo ex-analista da CIA, Snowden, hoje refugiado na Rússia e a rocambolesca fuga de um Senador paraguaio de seu país, sob a proteção de autoridade diplomática nacional. No primeiro caso, fomos feridos na nossa “soberania”. No segundo, ferimos. Mas afinal, o que vem a ser “ soberania”? E como o órgão representativo da nossa soberania no plano internacional, o Ministério das Relações Exteriores, popularmente chamado de Itamaraty, tem se situado neste processo ? Seu titular caiu porque dormiu no ponto ou é a própria instituição que está aquém dos misteres internacionais?


A noção moderna de soberania no mundo ocidental deriva dos conflitos entre o Poder Espiritual dos Papas e o Poder Temporal dos Soberanos que se foram constituindo sobre os escombros do Império Romano. Como se sabe, desde que o Imperador Constantino adotou o Cristianismo – in hoc signus vincet – como religião do Império, assumiu ele, também, o Sumo Pontificado da Igreja de Cristo, tornando-se Pontíficie Temporal e Espiritual com grande influência na indicação dos bispos e autoridades eclesiásticas. Deriva daí, aliás, a transferência da pompa romana à hierarquia católica, até então modestamente paramentada.


Com o fim derradeiro do Império secular, tempos depois,  cujo apêndice aristocrático se transfere para Constantinopla, onde perdurará até a tomada desta cidade pelos turcos, em 1453, a Igreja assumirá o papel de herdeira das tradições romanas e terá decisiva influência sobre o poder temporal na Europa fragmentada. Lentamente, porém, o mundo, nas suas relações sócio-ecoômicas, demográficas e políticas  vai se reorganizando e os novos poderes se constituindo, não sem conflitos com a Igreja. Tais tensões durarão séculos e passam por várias etapas, podendo ser sintetizadas como a Controvérsia das Investiduras, que se traduz pela decisão de quem nomeia quem: A Igreja os soberanos, ou os Soberanos os bispos?


A Controvérsia das Investiduras continuou por várias décadas, com cada papa diminuindo o poder imperial e lutando contra a simonia. Henrique IV foi sucedido após a sua morte em 1106 por seu filho Henrique V, que se rebelou contra as decisões de seu pai, em favor do papado, e renunciou a legalidade de seus antipapas antes de morrer. Henrique V também escolheu mais um antipapa, Gregório VIII , no entanto, ele renunciou. Esse conflito foi definitivamente resolvido em 1122, pela Concordata de Worms, que adotou uma solução de meio-termo: caberia ao papa a investidura espiritual dos bispos e ao imperador, a investidura temporal.[4]


Ainda assim, os problemas pervagarão mais cinco séculos, até que um novo acordo sobre Soberania fosse selado, já não envolvendo a Igreja e o Soberano, mas as relações entre Soberanos de um mesmo Império, ou de distintos Impérios. Isto viria a ocorrer no século XVII , depois da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e ficou conhecido como o Acordo de Westphalia, que a Carta Constitucional de Soberania dos Estados Nacionais emergentes na Europa.


A Paz de Vestfália de 1648 refere-se a um conjunto de tratados que encerrou a Guerra dos Trinta Anos, iniciada com a intensificação da rivalidade política entre o Imperador Habsburgo do Sacro Império Romano-Germânico e as cidades-Estado luteranas e calvinistas no território do norte da atual Alemanha que se opunham ao seu controle. Tal guerra teve o envolvimento de potências católicas administradas pelos Habsburgo, como a Espanha e Áustria, e também de Estados protestantes escandinavos e da França, que, mesmo sendo católica, temia o domínio dos Habsburgo na Europa e apoiou os protestantes no conflito. Enquanto o tratado entre a Espanha e os Países Baixos – assinado em Münster, no mês de janeiro – pôs fim à Guerra dos Oitenta Anos, o tratado assinado em Osnabrück, em outubro, pelo Sacro Imperador Romano-Germânico Fernando III, pelos príncipes do Sacro Império Romano-Germânico, pela França e pela Suécia encerrou a luta dessas duas últimas potências com o Sacro Império. Nos estudos mais tradicionais sobre tal evento no estudo da história das relações internacionais, concebe-se que a Paz de Vestfália, além de consolidar a independência dos Países Baixos, abalou o poder do Sacro Imperador, além de ter autorizado que os governantes dos estados germânicos gozassem a prerrogativa de estipular a religião oficial dos territórios sem interferência externa e oferecido reconhecimento legal aos calvinistas (WATSON, 1992, p. 182-197).


Ao passo que a França firmava-se como a principal potência européia e os Habsburgo viam sua ambição hegemônica ser tolhida após a Paz de Vestfália, os resultados daqueles acordos foram mais amplos para o estudo das relações internacionais modernas e contemporâneas.

concebida como um marco fundamental do sistema laico das interações e dos princípios estatais modernos, como a soberania territorial, a não-interferência na política doméstica dos demais Estados e a tolerância entre unidades políticas dotadas de direitos iguais. Como destaca Philpott (1999, p. 567-569), Vestfália permitiu a constituição da sociedade internacional, com normas mutuamente acordadas que definem os detentores de autoridade e suas prerrogativas, sendo o Estado moderno essa autoridade detentora de soberania. O sistema de Estados soberanos exigia instituições estatais dentro das fronteiras e o desaparecimento de autoridades que interferissem de fora, para que a autoridade suprema vigorasse dentro do território e tivesse independência política e integridade territorial. Tal autoridade conota legitimidade – aqui entendida como o direito de controlar instituições e poderes – e territorialidade, num momento em que as pessoas governadas pelos detentores de soberania são definidas pela locação dentro das fronteiras, não por relações familiares ou por crença religiosa.



(DIEGO SANTOS VIEIRA DE JESUS em O baile do monstro: O mito da Paz de Vestfália na história das relações internacionais modernas  - Dimensões, vol. 26, 2011, p. 273-287. ISSN: 2179-8869 275 )




O Legado de Westphalia é um marco que se erige como um verdadeiro mito das relações internacionais até os dias de hoje, consagrando o conceito de soberania nacional. . Ali ficou definido este conceito com base nos atributos de  controle sobre um território com uma governo tanto viável como visível e com capacidade para fazer e honrar tratados. Aí estaria reconhecida uma nação como detentora de uma substância soberana expressa na sua capacidade exclusiva de legislar e usar a força coercitiva do Estado para afirmar a Lei dentro do respectivo território. Este sistema adquiriu tal aceitação e universalidade que acabou aplaudido até hoje. Como todos as verdades fundacionais, entretanto, ela acaba se transformando numa mistificação que esconde a disparidade de Poder entre as nações , acabando por silenciar visões contrastantes .



Não obstante, seu alcance perdura moralmente, mesmo sabendo-se da existência de superpotências belicosas e fortemente intervencionistas, como também de  estruturas políticas supra-nacionais de cooperação e mesmo planejamento, como a União Européia e  até corporações econômicas multinacionais lhe neguem vigência plena. Fingimos que não existem...


Então, diante dos últimos fatos envolvendo espionagem eletrônica  dos Estados Unidos no Brasil e a ação de um membro de seu corpo diplomático na evasão de um foragido da Justiça do Paraguai, exaltam-se os ânimos e o ex-Ministro Patriota pagou a conta.


Mas se o tema é árido, nem por isto desimportante. Trata-se de aproveitar o episódio para trazer à baila o papel da diplomacia profissional no desenho atual de um mundo globalizado. Quem melhor definiu o papel do embaixador de um país em terras alheias talvez tenha sido o autor de “A ARTE DA GUERRA”, o proclamado chinês Sun Tzu, para quem, tanto como conhecer as suas próprias forças diante da guerra, é imperioso conhecer as forças do inimigo, para o que se faz necessário um competente expert: O Senhor Embaixador.  Daí que todo diplomata seja, em última instância, sempre, um espião, atento ao que ocorre dentro do país onde está acreditado. Roga-se, entretanto, que o faça diplomaticamente, daí derivando o adjetivo que lhe corresponde. Mas seria mesmo necessário um emissário com tal perfil no mundo contemporâneo, atravessado pela inter-conectividade das comunicações eletrônicas e por relações econômicas que ultrapassam de muito o tamanho e entendimento do Estado? No mundo inteiro esta questão está posta. Lembro-me, a propósito,  de um velho amigo, Embaixador Ciro do Espírito Santo Cardoso, quem sempre me enviava com comentários as matérias do Le Figaro: `A quoi sert Le quai d ´Orsay (este o correspondente do Itamaraty na França)? O que, traduzido, sugeriria a questão: - O Itamaraty ainda tem alguma utilidade?


A mera indagação já faz tremer o solo das Relações Internacionais no Brasil. O Itamaraty, enfim, é uma instituição respeitável e detentora de uma reconhecida capacidade de intervenção em assuntos internacionais. Nosso diplomatas passam por rigorosos critérios meritocráticos  de ingresso na carreira e hoje participam não apenas em organismo multilaterais importantes no concerto das nações, como a ONU, mas de foros decisivos sobre questões estratégicas tais como Regulamentação do Comércio, Meio Ambiente e Direitos Humanos. Como resultado, a diplomacia brasileira acabou monopolizando a questão das relações internacionais. Chega a causar estranheza à Imprensa o fato do Sr. Marco Aurélio Garcia ser um Assessor Especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, pelo fato do mesmo ser estranho à corporação, o que não havia à época em que o Embaixador Rubens Ricúpero ocupava, junto ao Presidente Fernando Henrique, idêntica posição. Nada mais óbvio, entretanto, que um Presidente da República detenha junto ao Gabinete, um seleto grupo de assessores que colaboram para a formação de um contraditório  no interior do próprio Governo. Não é outro o papel das Assessorias Econômicas, tão importantes na Era Vargas, ou dos Gabinetes Militares, estratégicos na Era Militar, quando, inclusive, no Governo Geisel, um deles contribuiu  para impedir o golpe de um Ministro do Exército.


O Itamaraty, entretanto, deve, por certo, ultrapassar o Legado de Wesphalia na sua própria história, que é  o mito fundante do Barão do Rio Branco sobre “ A Casa” , quem alicerçou um alinhamento prático aos Estados Unidos que perdura até hoje, mesmo com os ligeiros desvios da Política Externa Independente dos anos 60 ou da ação dos “Barbudinhos” dos anos 70, sob o comando do Embaixador Azeredo da Silveira. O Itamaraty deve se atualizar, entrosando-se mais a fundo com a comunidade acadêmica, de um lado, e com o mundo dos negócios, por outros, a fim de dinamizar o seu papel nas relações internacionais do Brasil. Ao não fazê-lo, persistindo numa visão exclusivista sobre estes temas, acaba isolando-se na tradição e cavando um fosso com a contemporaneidade, o que aliás, se traduz no que o Embaixador Rubens Barbosa denomina como perda de prestígio da Casa de Rio Branco. Tivesse procedido desta maneira e nem  estaria  posta a questão hoje traduzida como “ falta de perspectiva do interesse nacional” na Política Externa, supostamente presente em algumas ênfases das administrações petistas (2003-2013): preferência às negociações multilaterais,  cooperação sul-sul com destaque para a consolidação do MERCOSUL e apoio a Governos ideologicamente alinhados com a esquerda. Estas questões, enfim, aparentemente alheias ao Itamaraty, estariam sendo digeridas no contexto da tradição  diplomática brasileira e devolvidas à sociedade como um inevitável subproduto dos novos tempos, do qual teriam participado tanto diplomatas de carreira, como acadêmicos de corte civil e militar, bem assim empresários com interesses internacionais e até mesmo políticos.


A crise das Relações Internacionais que derrubou um Ministro e ameaça a sobrevivência do próprio Itamaraty como instituição regular pode, enfim, abrir um franco debate sobre todos esses temas que envolvem o Brasil e “ resto do mundo” , pra não fugirmos ao nosso velho umbigo. Vamos lá!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário