Com a queda no valor da cesta básica em 13 das 18 capitais pesquisadas pelo DIEESE, o salário mínimo vigente atinge um quarto (25,25%) do valor constitucional, necessário para a sobrevivência do trabalhador e sua família, composta de dois adultos e duas crianças. O mínimo necessário que determina a Constituição Federal para o mês de agosto último seria de R$ 2.685,47, equivalente a 3,96 vezes os R$ 678,00 em vigor.
Parece que vivemos em um país irreal. A Constituição Federal,
chamada de Constituição Cidadã, promulgada em 1988, estabelece que o salário
mínimo seja suficiente para que o trabalhador e sua família tenham alimentação,
moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência. Este princípio
vem desde o tempo do trabalhismo no poder, quando Getúlio Vargas instituiu o
salário mínimo. A remuneração suficiente para cobrir essas necessidades básicas
dá dignidade ao trabalhador, na sua dedicação à produção das riquezas
nacionais. Com ela, não precisa mendigar cestas básicas e outras modalidades de
favores políticos que o tornam dependente e preso a essas concessões
humilhantes.
Programas semelhantes ao “minha casa, minha vida”
jogam quem tem os baixos rendimentos para lugares que não são da sua escolha, a
morar em unidades nem sempre adequadas às famílias, no seu espaço físico e na
sua divisão de cômodos. A padronização
desse tipo de moradia fere a individualidade. Cada um tem um gosto e um formato ideal para a fachada
de sua casa e para a sua funcionalidade, como imagem da própria
personalidade. E esses
conjuntos habitacionais acabam por se transformarem em guetos, como núcleos de
exclusão social e realçam a divisão de classes do país.
Do mesmo modo, a educação de quem trabalha e de
seus dependentes fica refém do benefício de bolsas, usadas como moeda
eleitoral.
Quem dedica oito horas por dia ao trabalho tem que
poder comprar todos esses bens e sentir o orgulho de escolher, decidir e pagar
sem ficar devendo favores. Se o trabalho for incapaz de produzir os efeitos
para essas necessidades, é difícil pensar que tipo de atividade gera o mérito
para uma sobrevivência digna.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim
Barbosa, conquistou o respeito e admiração do povo brasileiro por sua atuação
intransigente contra os crimes de corrupção política consagrados como Mensalão. Houve condenação de alguns. A nação ficou esperando irem adiante as investigações
para ser apurada a participação da outra ala que vem desde 1998 pelas bandas de
Minas Gerais.
Imagem: Café com Reflexão
Agora o ministro respeitado e sendo até cogitado
para presidente da república, apresenta projeto de lei à Câmara Federal, com
estilo de reivindicação classista, quando propõe mais de 9% de aumento para o
teto dos magistrados, argumentando compensações de perdas. R$ 30.658,42 pretende
o Ministro. Hoje isto equivale a mais de 45 meses do trabalhador. Se
comparar com os R$ 722,90 que a equipe econômica anuncia para o mínimo de 2014,
dá mais de 42 meses, três anos e meio!
Se os R$ 29.462,25 são pouco para os membros do Poder Judiciário, e Joaquim Barbosa
quer mais 4,06% “para compensar as perdas sofridas por conta da inflação entre
janeiro de 2012 e dezembro de 2013”, que dirá o trabalhador que perde por mês
três quartos de seus direitos?. Em cada R$100,00, quem recebe o
mínimo perde R$ 75,00! De quatro litros de leite necessários, a
família só leva para casa um litro.
O Supremo Tribunal Federal tem a função de fazer cumprir a
Constituição. Por que ignora esse dever no tocante aos direitos
trabalhistas? Quem ganha muito acha pouco. Quem recebe
abaixo das necessidades tem que se conformar como se fosse destino ou desígnio divino.
Os 10% mais ricos no Brasil detêm 75% da riqueza, diz o Ipea(Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada). Esta sentença coincide, por linhas transversas,
com as perdas dos que se encontram na base da pirâmide social: o que o sistema
tira dos mais pobres – que produzem – é retido pelos mais ricos. E
ainda há a irredutibilidade, a vitaliciedade, as promoções antes das
aposentadorias, a equiparação de vencimentos aos pares da ativa. Os
agentes dos Três Poderes certamente se encontram no quadro dos 10% mais ricos. Há
uma gritante injustiça entre os governantes e os governados. O que o país não
pode oferecer aos pagadores de impostos, concede desmedidamente aos que vivem
do erário. Os aposentados pela Previdência Social sofrem defasagem
em seus vencimentos ano a ano.
Considerando os privilégios de uns e o sacrifício de outros,
escancaram-se os vandalismos das classes dominantes sobre o direito e a vida da
grande maioria da nação, neste tempo em que o termo tem sido muito usado com
sentido inverso.
Vândalos são os que abusam do poder em benefício próprio, tripudiando
sobre a fraqueza de quem luta para sobreviver com dignidade e que não aceita
participar de quadrilhas e máfias encasteladas nos palácios, cujos bastidores
mais parecem cassinos clandestinos cercados de pompas oficiais.
O povo este ano saiu às ruas com a cara da juventude. Mostrou
insatisfação contra os muitos abusos acumulados de quem acreditava que o “pão e
circo” enganariam para sempre. Só não percebeu isto quem não quis. Quem
está no poder e dá a mão à palmatória, tenta salvar alguma coisa. A
Reforma Política é conversa de todo pós-eleições. O fim do voto secreto nos
poderes legislativos foi uma demonstração de “atender” as manifestações
populares. Mas há muita coisa a fazer. Mudanças
simplesmente burocráticas são muito pouco. É preciso muito mais: na educação,
na saúde, na distribuição de renda, na remuneração dos salários, na justiça
social.
As eleições vindouras pouco significam. Delas o povo nada
espera. As regras e os atores são os mesmos. Tudo não passa de uma ópera bufa,
a repetição de um filme de péssima qualidade. Têm que ser mudadas as regras, os
atores e o enredo. Somente o povo tem credibilidade para escrever uma nova
história. De alienado, passou a agente, questionador, exigente. E
os vândalos do poder têm que sair de cena, para serem recuperados e preservados
os valores do trabalho, da ética e da honestidade.
Imagem: La Verdad
(Franklin Netto –
viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)
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